quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Mariana e porque saí da Vale


por Fagner Torres*

Nem sempre fui bom em determinadas escolhas, embora de uma delas possa dizer que me orgulho. Em 2005, trabalhava numa empresa do Grupo Vale – a mineradora que hoje a imprensa finge desconhecer após o rompimento da barragem em Mariana – e fui designado para uma missão no interior de Minas Gerais. Com 22 anos, meu objetivo era visitar instituições para credenciamento médico, depois da Companhia, então em surto megalomaníaco, adquirir a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA).

Na época, missão dada era missão cumprida. Foram meses no eixo entre Belo Horizonte e o sudoeste da Bahia. Com carro, motorista, diária, comida, pinga e cu de burro devidamente pagos – estava em Minas, oba! – segui naquela viagem que iniciara encarando como mais uma grande oportunidade de mostrar muito serviço, conhecer muita gente e ouvir muitas histórias.


Após meses no trajeto, o que era quase uma aventura, foi virando um caminho sem volta. Na vida. Com o tempo, percebi que enquanto esbanjava dinheiro daquele negócio naquela orgia toda, passei a enxergar uma pobreza nunca antes vista. Falta de olhar é algo muito perigoso. Como a pobreza poderia ser novidade, mesmo eu sendo filho do sopé do Complexo do Alemão?

De Belo Horizonte a Corinto, de Corinto a Janaúba, de Janaúba a Espinosa, de Espinosa a Urandi, no rastro da ferrovia e do minério que jorrava, vi muita gente jogada à própria sorte, bem como algumas cidades praticamente fantasmas.

Logradouros com pouco mais de mil habitantes transformados em redutos eleitorais. Ruas com pessoas cujo olhar brilhava só de me ouvir dizer “sou do Rio de Janeiro”. Gente que não tinha o que comer à beira dos trilhos por onde até hoje passa o ouro. Gente que dividia o quarto com ratazanas. Gente que, por sua vida, me pirou a cabeça, e que me fez desistir daquele trabalho.


Voltei para o Rio de Janeiro, para a minha base, e ainda demorei até tomar a decisão final. Deixei-me prostituir ainda por quase dois anos, mas sem ligação direta com aquilo para o qual havia sido designado. Quando o dia chegou, estava convicto de que não havia dinheiro capaz de me manter preso àquilo – e nem era muito. Pensava na minha contrapartida. Afinal, era pra manter o status quo daquele sistema de exploração que eu estava me preparando a vida toda?

Desde então, oito anos se passaram. Atualmente, vejo as notícias da negligência em Mariana. Conheço bem a cidade. A Samarco pertence a Vale. Portanto, nem preciso dizer das atividades mantidas na região afetada. Muitos daqueles que ali moram, trabalham na Vale. Alguns devem ter morrido por ela. Ainda não sabemos. Seus nomes não saíram no noticiário. Aliás, nem o da Vale. Por quê?

Não Foi Acidente!

* Jornalista. Atualmente é colunista do portal ESPN FC Brasil.

@TorresFagner