quarta-feira, 11 de março de 2015

MENOS PANELA E MAIS COMIDA, POR FAVOR


Por Francisco Toledo | Fotos: Gabriel Soares


No domingo a panela bateu solta em alguns bairros das grandes capitais. O motivo não era fome ou falta de ter um teto, mas sim o pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff. Em um país onde quase 6% da população passa fome, que tal deixarmos de ser egoístas e nos indignarmos com o que realmente interessa?
Longe de mim criticar a mobilização contra a administração petista. Apesar de tratar-se de setores conservadores e alguns até despolitizados, é direito constitucional se manifestar quando você acha que algo não está certo. E digo mais: peca parte da esquerda que faz do “panelaço” que rolou no domingo, ou até mesmo da manifestação do dia 15, motivo de chacota. Dizer que “só se ouviu panelaço nos bairros nobres e ricos” é querer despolitizar ainda mais a situação. Na zona leste de São Paulo, ouvimos o panelaço também. Não de condomínios caríssimos do Tatuapé, mas de bairros de classe média baixa que sentem na pele a estagnação promovida por um governo que, de tanto estimular o consumo, acabou dando a ideia de que “quanto mais bens, melhor”. Passou da hora da esquerda não-governista entender que não se deve tirar sarro de quem vai pra rua no dia 15, e sim tentar politizar tal parcela da população sobre o que realmente importa.

Que tal tentar politizar, educar e explicar o que realmente gera o que vivemos hoje? O lugar da esquerda é na rua, e se deixarmos passar batido essa oportunidade de mudar o jogo, vamos pecar ainda mais. Eu, particularmente, não concordo com o impeachment - não existe prova real estabelecida para tal ação. Mas acredito que mudando ou não de personagens, o que é preciso mudar radicalmente é a novela: o sistema político e econômico o qual foi estabelecido na gestão FHC e mantido (ou até mesmo ampliado) nos anos do governo Lula e Dilma: do consumismo em troca da
 estagnação política.

 


Em um país onde o governo promove ao máximo a venda de automóveis, por exemplo, o que esperar de uma nova massa de consumidores que começam a crescer na vida pensando apenas no individual, e não no coletivo? Um dos maiores erros da gestão petista foi acreditar que igualdade é a família de classe baixa também conseguir comprar um carro e uma TV de plasma, assim como a classe média faz. Não, não mesmo.

Acabamos criando uma geração de pessoas um tanto quanto individualistas e egoístas. Enquanto as pessoas faziam panelaço no domingo, cerca de 11 milhões de brasileiros (segundo pesquisa do IBGE de 2009) passavam fome por não ter recursos suficientes para arcar com os gastos de sua própria alimentação. Apesar do número ter sido reduzido nos últimos anos (graças, em parte, ao investimento público), trata-se de algo sobrenatural para um país que nos dias de hoje se fala em impeachment. 

Talvez, se o governo na última década não tivesse estimulado tanto o pensamento individual, hoje seria diferente. Não veríamos uma classe C que, depois de dez anos de ascensão, encontrou seu estagnação financeira, ficando revoltada com os valores da gasolina e principalmente com “a quantidade de impostos”. Não teríamos estimulado uma bolha chamada especulação imobiliária, que transforma o direito de moradia cada vez algo mais veiculado ao dinheiro - e não ao simples direito de ter um teto, algo mais que necessário para todo ser humano. Quando jogamos com as peças do sistema vigente, estimulamos o consumismo e criamos uma sociedade egoísta que, no auge do seu capitalismo primata, prefere chamar a presidenta de “vaca” por pura desinformação política do que se indignar com as políticas neoliberais aplicadas pela mesma administradora, que corta direitos trabalhistas. 

Nos indignamos com denúncias de corrupção sem prova, ou até mesmo com simples especulações da mídia e da oposição, mas não nos indignamos com a população indígena sendo perseguida em Belo Monte. Não nos indignamos com 23 ativistas políticos sendo perseguidos pelo Estado pelo simples direito de se manifestar. Não nos indignamos com a criminalização de movimentos sociais que lutam por pautas básicas do ser humano como transporte público e moradia. Não nos indignamos com as rotineiras chacinas promovidas pelo braço armado do Estado em comunidades pobres em todo o Brasil. Não nos indignamos com a perseguição promovida pela bancada evangélica contra a comunidade LGBT. Não nos indignamos com nada: a não ser aquilo que, por algum motivo, achemos que nos afete.

Agora é tarde para o governo Dilma voltar atrás. Mas para nós, para a esquerda que tornou possível as Jornadas de Junho, ainda dá tempo de fazermos igual o que nossos camaradas fizeram na Grécia e Espanha: se desvincular ao máximo do barco da velha esquerda, que abandonou a luta, e irmos para as ruas construir uma nova realidade. Não se muda um país trocando suas peças, e sim todo o elenco. É preciso uma mudança radical na estrutura econômica e política.


domingo, 8 de março de 2015

CONHEÇA A ORIGEM DO DIA INTERNACIONAL DA MULHER



Como se criou o mito de 1857? O Dia da Mulher é associado continuamente à história de uma greve, que ocorreu em Nova Iorque, em 1857, na qual 129 operárias morreram depois dos patrões terem incendiado a fábrica ocupada. Entretanto, esse marco é controverso.

A primeira citação a essa greve, sem nenhum dos detalhes que serão acrescentados posteriormente, aparece no jornal do Partido Comunista Francês, na véspera do oito de Março de 1955. Porém, quando sucedeu a fixação da data do oito de março?

O artigo descreve resumidamente, em três linhas, o incêndio que teria ocorrido em oito de março de 1857 e depois afirma que em 1910, durante a 2ª Conferência da Mulher Socialista, a dirigente do Partido Socialdemocrata Alemão, Clara Zetkin, em lembrança à data da greve das tecelãs americanas, 53 anos antes, teria proposto o oito de Março como data do Dia Internacional da Mulher.


Estas mulheres queimadas foram mencionadas na publicação da Federação das Mulheres Alemã, alguns anos depois. Esta história fictícia teve origem, provavelmente, em duas outras greves ocorridas na mesma cidade de Nova Iorque, entretanto, em outro período. A primeira foi uma longa greve real, de costureiras, que durou de 22 de novembro de 1909 a 15 de fevereiro de 1910.

A segunda foi uma outra greve, uma das muitas lutas da classe operária, no começo do século XX, nos EUA. Esta ocorreu na mesma cidade em 1911. Nessa greve, em 29 de março, foi registrada a morte, durante um incêndio, causado pela falta de segurança nas péssimas instalações de uma fábrica têxtil, de 146 pessoas, na maioria mulheres imigrantes judias e italianas.

Esse incêndio foi descrito pelos jornais socialistas, numerosos nos EUA naqueles anos, como um crime cometido pelos patrões, pelo capitalismo.


Essa fábrica pegando fogo, com dezenas de operárias se jogando do oitavo andar, em chamas, indica a pista do nascimento do mito daquela greve de 1857, na qual teriam morrido 129 operárias num incêndio provocado propositadamente pelos patrões.

E, a criação da história de 1857? Por que aquele ano? Por que nos EUA? A explicação, possivelmente, justifica-se na combinação de casualidades, sem plano pré-estabelecido.

A canadense Renée Côté pesquisou dez anos, em todos os arquivos da Europa, Estados Unidos e Canadá e não encontrou nenhum rastro da greve de 1857. Nem nos jornais da grande imprensa da época, nem em qualquer outra fonte de memórias das lutas operárias.

Ela afirma que essa greve nunca existiu. É um mito criado por causa da confusão com as greves de 1910; de 1911, nos EUA; e 1917, na Rússia. Essa miscelânea se deu por motivos históricos políticos, ideológicos e psicológicos.

Ao passar do tempo, o mito sobre a greve das 129 operárias queimadas vivas se firmou e apagou da memória histórica das mulheres e dos homens outras datas reais de greves e congressos socialistas que determinaram o Dia das Mulheres, sua data de comemoração e seu caráter político.

Nos anos 70, o mito das mulheres queimadas vivas estava consolidado. Ligeiramente foi feita a síntese de uma greve que nunca existiu, a de 1857, com as outras duas, de costureiras, que ocorreram em 1910 e 1911, em Nova Iorque.

Nesse ano de 1970, com centenas de milhares de mulheres americanas participando de enormes manifestações contra a guerra do Vietnã e com um forte movimento feminista, em Baltimore, EUA, é publicado o boletim Mulheres-Jornal da Libertação. Neste impresso, já se divulgava e se projetava a versão do mito de 1857.

Contudo, na França, essa confusão “histórica” não foi aceita com tanta veemência. O jornal nº 0, de 8 de março de 1977, História d´Elas, publicado em Paris, contestou esta mistura de datas e diz que, em longas pesquisas, nada se encontrou sobre a famosa greve de Nova Iorque, em 1857. Mas, a publicação não repercutiu.

Dolores Farias, no seu artigo no Brasil de Fato, nº 2, afirma que, em 1975, a ONU declarou o período de 75 a 85 como a década da mulher e reconheceu o oito de março como o seu dia. Em 1977, a UNESCO reconhece oficialmente este dia como o Dia da Mulher, em homenagem às 129 operárias queimadas vivas.

No final da década de 70, o prefeito de Nova Iorque, na resolução nº 14, de 24/1, reafirma o oito de março como Dia Internacional da Mulher, a ser comemorado oficialmente na cidade de Nova Iorque.

Na resolução, refere expressamente a greve das operárias de 1857, por aumento de salário e por 12 horas de trabalho diário, e mistura esta greve fictícia com uma greve real que começou em 20 de novembro de 1909. Assim, o mito foi criado.


Datas importantes relacionadas a origem do Dia Internacional da Mulher

1900-1907: Movimento das Sufragistas pelo voto feminino nos EUA e Inglaterra.

1907: Em Stuttgart, é realizada a 1ª Conferência da Internacional Socialista com a presença de Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai. Uma das principais resoluções: “Todos os partidos socialistas do mundo devem lutar pelo sufrágio feminino.”


1908: Em Chicago (EUA), no dia 3 de maio, é celebrado, pela primeira vez, o Woman´s Day. A convocação é feita pela Federação Autônoma de Mulheres.

1909: Novamente em Chicago, mas com nova data, último domingo de fevereiro, é realizado o Woman”s Day. O Partido Socialista Americano toma a frente.

1910: A terceira edição do Woman”s Day é realizada em Chicago e Nova Iorque, chamada pelo Partido Socialista, no último domingo de fevereiro.

Em Nova Iorque, é grande a participação de operárias devido a uma greve que paralisava as fábricas de tecido da cidade. Dos trinta mil grevistas, 80% eram mulheres. Essa greve durou três meses e acabou no dia 15/02, véspera do Woman”s Day.

Em maio, o Congresso do Partido Socialista Americano delibera que as delegadas ao Congresso da Internacional, que seria realizado em Copenhague, na Dinamarca, em agosto, defendam que a Internacional assuma o Dia Internacional da Mulher.

“Este deve ser comemorado no mundo inteiro, no último domingo de fevereiro, a exemplo do que já acontecia nos EUA”.

Em agosto, a 2ª Conferência Internacional da Mulher Socialista, realizada dois dias antes do Congresso, delibera que: “As mulheres socialistas de todas as nacionalidades organizarão (…) um dia das mulheres específico, cujo principal objetivo será a promoção do direito a voto para as mulheres”. Não é definida uma data específica.

1911: Durante uma nova greve de tecelãs e tecelões, em Nova Iorque, morrem 134 grevistas, a causa de um incêndio devido a péssimas condições de segurança.

Na Alemanha, Clara Zetkin lidera as comemorações do Dia da Mulher, em 19 de março. (Alexandra Kollontai diz que foi para comemorar um levante, na Prússia, em 1848, quando o rei prometeu às mulheres o direito de voto).

Nos Estados Unidos, o Dia da Mulher é comemorado em 26/02 e na Suécia, em 1º de Maio.

1912: Nos Estados Unidos, o Dia da Mulher é comemorado em 25/02.

1913: Na Alemanha, o Dia da Mulher é comemorado em 19/3.

Na Rússia é comemorado, pela primeira vez, o Dia da Mulher, em 3/3.

1914: Pela primeira vez, a Secretaria Internacional da Mulher Socialista, dirigida por Clara Zetkin, indica uma data única para a comemoração do Dia da Mulher: 8 de Março. Não há explicação sobre o porquê da data.

A orientação foi seguida na Alemanha, Suécia e Dinamarca.

Nos Estados Unidos, o Dia da Mulher foi comemorado em 19/03

1917: No dia 8 de Março de 1917 (27 de fevereiro no calendário russo) estoura uma greve das tecelãs de São Petersburgo. Esta greve gera uma grande manifestação e dá início à Revolução Russa.

1918: Alexandra Kollontai lidera, em 8/3, as comemorações pelo Dia Internacional da Mulher, em Moscou, e consagra o 8/3 em lembrança à greve do ano anterior, em São Petersburgo.

1921: A Conferência das Mulheres Comunistas aprova, na 3ª Internacional, a comemoração do Dia Internacional Comunista das Mulheres e decreta que, a partir de 1922, será celebrado oficialmente em 8 de Março.

1955: Dia 5/3, L´Humanité, jornal do PCF, fala pela primeira vez da greve de 1857, em Nova Iorque. Não fala da morte das 129 queimadas vivas.

1966: A Federação das Mulheres Comunistas da Alemanha Oriental retoma o Dia Internacional das Mulheres e, pela primeira vez, conta a versão das 129 mulheres queimadas vivas.

1969: Nos Estados Unidos, o movimento feminista ganha força. Em Berkley, é retomada a comemoração do Dia Internacional da Mulher.

1970: O jornal feminista Jornal da Libertação, em Baltimore, nos EUA consolida a versão do mito de 1857.

1975: A ONU decreta, 75-85, a Década da Mulher.

1977: A UNESCO encampa a data 8/3 como Dia da Mulher e repete a versão das 129 mulheres queimadas vivas.

1978: O prefeito de Nova Iorque decreta dia de festa, no município, o dia 8 de Março, em homenagem às 129 mulheres queimadas vivas.

No Brasil:

1945: O PCB cria a União Feminina contra a carestia.

1947: O 8 de Março é comemorado pela primeira vez no Brasil.

1948: Com o PCB na ilegalidade, a passeata do 8 de Março é proibida, no Rio.

1949: É editado, pela primeira vez, no Brasil, o livro de Alexandra Kollontai, A Nova Mulher e a Moral Sexual.

1950: Em 8 de Março, a Federação das Mulheres do Brasil retoma a comemoração do Dia Internacional da Mulher.



Fonte: NPC