segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Carta de um escritor da Guiné Equatorial aos cariocas



A propósito do patrocínio da ditadura africana à escola de samba Beija-Flor no desfile do Carnaval do Rio de Janeiro.

Por Juan Tomás Ávila


Queridos cariocas:

Lemos através de certo meio de informação do Sudão do Sul que o ditador-presidente da Guiné Equatorial fez uma doação de USD 3,5 milhões a uma associação carnavalesca da vossa cidade, em concreto, à da Beija-Flor. Uma doação tão oportuna que a afortunada associação carnavalesca arrecadou o primeiro prémio.

Como engenheiro em letras que somos, os números representados não davam muita informação e resolvemos traduzi-los a francos CFA, a unidade monetária vigente no país que o mencionado ditador controla totalmente desde 3 de Agosto de 1979. Num câmbio rápido, USD 3.500.000×575=2.012.500.000 Francos CFA. Uma quantidade que, por agora, e como mostra do escândalo, superior ao que gastou o mesmo nos últimos dez anos no ensino médio e superior do seu país, que por coincidência é o mesmo dos equato-guineenses.

Como sabemos que em dez longos anos o sátrapa guineense não gastou essa quantidade no ensino médio e superior do seu país se não temos dados?

Porque no seu país apesar do medo aos números, para este caso não são precisos dados. Conhecemos o estado das escolas do país, sabemos que as bibliotecas da sua única universidade carecem de fundos bibliográficos e vimos como todas têm até falta de lâmpadas, que no seu país custam um dólar cada, tão somente um, e não cremos que seja barato, apenas acessível.

Das escolas primárias da Guiné Equatorial não falaremos porque, sinceramente, o aluvião de lágrimas que inundariam os nossos olhos nos impediriam de continuar a escrever.

Para que percebam que este lamento não é novo, vejam este link.

E que coincidência impressionante que o clamor tenha aparecido, há bastantes meses, em torno do nome de um filho predilecto do Brasil.

Se nesse artigo mencionamos o gosto doentio que todos os membros da família Obiang têm por rabos, entenderão os cariocas que há um intento escondido de debilitar a vossa muito colorida cultura, reduzindo-a a uma mostra de nalgas que põe em pé os abastados do mundo inteiro e aviva as paixões apagadas do mundo puritano. Não vamos fazê-lo.

Porém, temos de dizer duas coisas para que tenham ideia do furor que causa este acontecimento no corpo político do país: se o ditador-em-chefe tivesse dado uma quinta parte desse dinheiro a qualquer associação já teria sido um desperdício enorme. Saibam que aos jogos carnavalescos robustecidos pelo dinheiro guineense acudiu uma delegação de 30 membros, todos eles altos funcionários que não estavam de férias, encabeçada pelo segundo vice-presidente, a pessoa que, hoje, e por ser o filho mimado do casal governante, tem mais papéis para lhe suceder e assim perpetuar as desgraças que nos assaltam, sendo nós apenas uns 900 mil habitantes.

Então, não é a obsessão doentia que faz mover o ditador guineense, o que o faz mover é o espírito do mecenato de que fica possuído cada vez que vislumbra a possibilidade de ajudar os negros espalhados pelo mundo, esses negros que sofrem a pobreza e a opressão do mundo colonial, branco, racista e xenófobo. Houve aqui algum interesse em destacar o país onde lemos a notícia? Porque qualquer alma mais ingénua acreditaria que a entrega de um décimo do que a Guiné Equatorial gastou em danças seria suficiente para salvar centenas de vidas no maltratado Sudão do Sul, um país que também é de negros.

Francamente, cariocas, são as múltiplas necessidades das pessoas mais próximas de Obiang que fazem com que o facto de terem aceitado este patrocínio implica que para sempre tenham o vosso nome ligado a esta demência.

México DF, 19 de Fevereiro de 2015.

(Tradução de António Rodrigues)
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Juan Tomás Ávila vive actualmente exilado no México, depois de ter vivido em Espanha. Por delito de pensamento não pode viver livremente no seu país, a Guiné Equatorial, onde o presidente Teodor Obiang é ditador desde 1979. A Guiné Equatorial é uma antiga colónia espanhola na África Ocidental que se tornou independente em 1968 e desde então só conheceu dois presidentes: Francisco Nguema, um ditador que mandou matar milhares de opositores, e Teodor Obiang Nguema, o seu sobrinho, que o derrubou e matou.



Fonte: Rede Angola

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