sexta-feira, 10 de outubro de 2014

A pilantragem é branca


O hip-hop amarga o êxito de Azalea e o fracasso do musical sobre Tupac Shakur.


por Francisco Quinteiro Pires


Em Fancy, Iggy Azalea imita o modo de falar de uma afro-americana, apesar de ser australiana e branca. Azalea atingiu o estrelato com Fancy, um rap, eleito pela revista Billboard a música do verão de 2014 nos Estados Unidos. E causou polêmica. Ela, dizem os críticos, seria o exemplo mais recente de apropriação cultural pelos brancos de uma arte que os negros inventaram. O anúncio de Fancy como o hit da estação mais quente se deu em paralelo aos protestos em Ferguson, no Missouri, onde um policial branco matou um afro-americano desarmado em 9 de agosto. “A cultura negra é popular, mas as pessoas negras não”, declarou o poeta B. Easy no Twitter. Easy fez coro com um estado de espírito comum nas mídias sociais quando se referiu ao fato de artistas pop, como Azalea, Miley Cyrus, Ariana Grande, Katy Perry, Justin Timberlake, Justin Bieber e Robin Thicke, usarem elementos do hip-hop a fim de angariar popularidade.

Para os admiradores, Azalea é uma evolução. “Os negros precisam aceitar que o hip-hop é uma cultura contagiosa”, afirmou Questlove, baterista do The Roots, em entrevista àTime. “Fancy é, de todas as músicas que ouvi, a mais capaz de mudar o jogo, pois nos força a compreender que o gênero abriu as suas asas.” Questlove lembrou com essa afirmação como o rap é indissociável das experiências de raça e classe no meio urbano. Apesar de a eleição de Barack Obama à Presidência dos EUA, em 2008, ter estimulado a previsão de “uma era multicultural” ou “pós-racial”, o entendimento do país sob uma perspectiva que prioriza a cor de pele é um dos hábitos mais recalcitrantes da sociedade norte-americana.

Esse fato veio mais uma vez à tona na última premiação do Grammy, em janeiro deste ano. Ao contrário das expectativas dos puristas, Good Kid, M.A.A.D City, de Kendrick Lamar, não triunfou na categoria de melhor álbum de rap. O prêmio foi para The Heist, do duo Macklemore e Ryan Lewis, dois rappers brancos de Seattle. Em seguida à premiação, Macklemore divulgou no Instagram uma mensagem de texto enviada por ele para Lamar, um afro-americano de Los Angeles. Lamentou ter sido o escolhido. “Você foi roubado. Eu queria que você tivesse ganhado. Você deveria”, escreveu.

Macklemore pediu desculpas pois tinha em mente as origens do hip-hop e uma noção de autenticidade. Quando surgiu no Sul do Bronx, na Nova York dos anos 1970, o gênero representava a diversão de afro-americanos, latino-americanos e imigrantes. Moradores pobres de uma região com alto desemprego, chamada de “necrópole” por Jeff Chang, autor de Can’t Stop, Won’t Stop – A history of the hip-hop generation (Picador), aqueles jovens criaram suas próprias festas ao samplear músicas de diferentes artistas. A primeira fase do rap entre 1978 e 1984 tratou sobretudo de dança e prazer, embora Grandmaster Flash and The Furious Five tenha falado de exclusão em The Message (1982), um dos primeiros raps “conscientes”. A fase seguinte (1985-1992), classificada de “idade de ouro” por Adam Bradley e Andrew DuBois, autores de The Anthology of Rap, representou a consolidação de letras líricas e ideológicas com o Public Enemy, LL Cool J, Run-DMC e Ice-T.


Em The Anthology of Rap (Yale University Press), considerado um clássico ao discutir a evolução do gênero e reunir cerca de 300 composições, Bradley e DuBois comparam o estilo musical à poesia lírica. Eles veem nessa arte uma contestação aoestablishment. Uma das suas características essenciais, defendem, é o fato de ser uma cultura em fluxo constante. “O hip-hop foi criado pelos negros norte-americanos, mas não pertence a eles”, diz Bradley, professor de Literatura Afro-Americana da Universidade do Colorado, em entrevista a CartaCapital. “A cultura rejeita aqueles que se proclamam os seus donos. Por isso, o rap tornou-se um idioma global cujas formas mudam sob a perspectiva de artistas de diversas cores e segundo as regiões onde se manifesta.”

Apesar das boas intenções, quem critica a troca cultural livre ameaça a criatividade dos artistas afro-americanos, de acordo com Bradley. “Se os críticos censuram Iggy Azalea, Miley Cyrus ou Robin Thicke porque esses fazem empréstimos de elementos da música dos negros, eles limitam a mesma fonte da genialidade negra: o impulso de usar o passado para inventar coisas novas e o diálogo que força a superação de barreiras raciais”, afirma. “Proibir Thicke de se apropriar de Marvin Gaye, ainda que ele o faça de maneira medíocre, é o mesmo que impedir retroativamente Afrika Bambaataa, um dos pioneiros do hip-hop, de usar com brilhantismo a arte do Kraftwerk (grupo de música eletrônica alemão).” A Billboard elegeu Blurred Lines, de Thicke, a música do verão de 2013.

Historicamente, Bradley lembra, diferentes gêneros musicais devem o seu surgimento à assimilação pelos negros de elementos de uma cultura associada à população branca. O jazz e o rock’n’roll representam os exemplos mais eloquentes. Ainda assim, para angariar uma aceitação maior, geralmente as obras precisam ser dissociadas dos afro-americanos. “Certos músicos negros foram passados para trás na hora de usufruir a criação de um novo estilo? Claro. Quando Elvis Presley cantou Hound Dog, ele não tomou para si o dinheiro e a audiência que deveriam ser da cantora original da música, a Big Mama Thornton. Ele criou um novo mercado para o público de adolescentes brancos.” O racismo, Bradley sugere, explica parte do sucesso de Presley. “Muitos consumidores brancos preferiram e ainda preferem consumir a sua música negra sem realmente ouvir a voz dos negros.”

Essa “preferência” pode ter contribuído para o fracasso de Holler If Ya Hear Me, musical da Broadway inspirado nas composições do rapper afro-americano Tupac Amaru Shakur, cujo assassinato em 1996 permanece sem solução. Embora dirigido por Kenny Leon, ganhador de um Prêmio Tony, o espetáculo não atraiu público. Saiu de cartaz seis semanas após estrear no fim de junho. O produtor Eric Gold apostou no “apelo universal” das letras de Shakur sobre a experiência dos negros na América. Jon Caramanica, crítico de música pop do The New York Times, lembrou que essa crença na universalidade da música do compositor nova-iorquino seria vista como “radical” por muita gente. “O público da Broadway é muito velho e branco para permitir o florescimento de uma história com raízes na música negra contemporânea? Ou, paradoxalmente, Shakur era uma figura histórica muito abstrata para os jovens que o espetáculo esperava atrair?”, perguntou Caramanica. Gold temia que, se Holler If Ya Hear Me não fosse bem-sucedido, dificilmente haveria espaço para um musical de rap na Broadway.

“O hip-hop existe hoje por causa e apesar da sua popularidade”, afirma Bradley. Ao se transformar no centro da indústria musical norte-americana, o rap chegou à saturação. Agora, o gênero experimenta o que Bradley chama de “fase pós-pop”. “O rap nunca vai ter o mesmo sucesso que gozou na década do Novo Milênio (2000-2010). Como qualquer outra forma de arte duradoura, ele tenta se expandir para atender às expectativas do presente.” Segundo o professor da Universidade do Colorado, a assimilação pelos brancos de uma música criada por negros pobres não significa a superação de diferenças entre raças e classes. Ela oferece outro tipo de mensagem, relacionada a uma utopia. “O rap pode servir como inspiração a quem deseja produzir uma arte inclusiva e experimental.” Essa nova abordagem seria um tanto diferente daquela do hip-hop dos anos 2000 e da primeira metade desta década, em que predominam nomes como Jay-Z, Beyoncé, Rihanna e Kanye West, considerados “imensas empresas culturais”.



terça-feira, 7 de outubro de 2014

Helicoca - O helicóptero de 50 milhões de reais


Chocante!

Uma das constatações mais infames para a História da Justiça Brasileira, onde, num caso descarado de flagrante de crime de tráfico internacional, Poder Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal e imprensa, blindam e conseguem libertar todos os envolvidos no caso do helicóptero que transportava quase meia tonelada de cocaína, em fazenda, cujo o dono é um dos políticos mais influentes de Minas Gerais e com laços estreitos com candidato a presidente na próxima eleição.

Veja o vídeo abaixo.


segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Ditadura econômica, o grande tabu das eleições?

140905-Grilo


Sem reverter políticas que submetem sociedade às finanças, Brasil permanecerá paralisado. Mas tema não entra em debate, por estranhas razões.

Por Guilherme Boulos | Imagem: Rubem Grillo, Gula (1981)

Quem diria! Mal se passaram seis anos da crise em que as políticas neoliberais afundaram o mundo e eles já estão aí com todo o vigor. A aposta na mão invisível do mercado e na desregulamentação das finanças quase levou a maior economia do mundo ao colapso em 2008. Os Estados Unidos, a Europa e a economia mundial pagam o preço até hoje.

Não demorou, porém, para que os intelectuais da banca superassem a vergonha e o descrédito, saíssem do armário e recuperassem a autoconfiança para defender a mesma rota do fracasso. Abstraíram 2008 e reaparecem de cara lavada para apresentar as mudanças necessárias na economia brasileira.

Já foi dito que a história se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa. Neste caso até os personagens são os mesmos. Vejam vocês, Armínio Fraga! As últimas três campanhas presidenciais do PSDB o esconderam a sete chaves, assim como a FHC. Dizem que há lugares do país que quando seu nome é citado as pessoas correm para bater três vezes na madeira. Dá azar. Incrível, mas Aécio Neves teve a coragem de reabilitá-lo.

Aquele que quando foi presidente do Banco Central elevou a taxa de juros de 25% para 45%! O homem do arrocho e dos banqueiros. Que foi diretor do fundo de investimento de George Soros, símbolo da especulação financeira mundial.

E é o mesmo velho Armínio. Diz agora que os salários subiram muito ultimamente e que a redução de juros nos anos anteriores foi “preocupante”. Em entrevista à Folha de S.Paulo, esta semana, deixou claro que gostaria de rever as regras do seguro-desemprego, aumentar a idade mínima para aposentadoria e dificultar a concessão de pensões.

Tudo em nome do combate à inflação. Só deixa de dizer que ao fim de sua gestão no Banco Central, no governo FHC, a inflação era de 12,5% ao ano, quase o dobro da atual, que ele julga fora de controle. E isso com juros estrondosos.

Sorte tem o país que o candidato que o anunciou como futuro ministro da Fazenda está praticamente fora do páreo eleitoral.

Mas, como diz o povo mais acostumado a sofrer, desgraça pouca é bobagem. A queda de Aécio foi acompanhada da subida meteórica de Marina Silva. E Marina, talvez no afã de atrair o mercado para seu projeto, tinha já erigido como conselheiro econômico ninguém menos que Eduardo Giannetti da Fonseca. Economista da nata do neoliberalismo brasileiro.

Giannetti tem distribuído por aí a mesma cantilena que arruinou os trabalhadores no Brasil, produzindo desemprego, arrocho salarial e recessão econômica na década de 90. O discurso de Marina é da nova política, mas começa mal ao recorrer à velha economia.

Também em entrevista à Folha, no ano passado, Gianetti sistematizou sua listinha de desejos: autonomia do Banco Central, readequar a Petrobrás e os bancos públicos nos “critérios de mercado”, desatrelar o reajuste das aposentarias ao salário mínimo e por aí vai. O modelo de seus sonhos, disse ele, é o segundo mandato de FHC e o primeiro de Lula (o mandato mais conservador dos governos petistas). Cita como referência as “heroicas” privatizações e a desregulamentação de capitais por FHC.

Sua obsessão – agora repetida por Marina – é fortalecer o dito tripé macroeconômico. Austeridade fiscal, aumento do superávit primário e livre câmbio. Não é preciso ser economista nem ter sobrenome europeu para saber que isso implica cortes de investimentos e de gastos sociais do Estado. Austeridade fiscal é um nome elegante para dizer corte no orçamento público. Superávit primário é um termo técnico para se referir à reserva de recursos para pagar juros da dívida aos banqueiros – o que, por sua vez, implica cortes orçamentários.

Marina terá que se decidir. Ou quer manter e ampliar políticas sociais e investimentos públicos, ou quer fazer cortes. Do ponto de vista lógico, tentar conciliar os dois é tão impossível quanto empenhar-se em desenhar um círculo quadrado. Simplesmente não dá. Marina deve a todos esta resposta. Ou está com Giannetti ou está com Chico Mendes.

A reabilitação dos neoliberais, ao que parece, não foi apenas um apelo desesperado do PSDB, mas uma tendência do debate econômico nestas eleições. Não deixa de ser, de algum modo, a volta dos que não foram. Já que os governos petistas – Dilma inclusive – conservaram importantes aspectos neoliberais em sua política econômica. Não por acaso os lucros bancários foram recordes. O pré-sal foi concedido à exploração privada, assim como aeroportos e rodovias.

Mas tragicamente o discurso da mudança entre os principais candidatos não critica esse conservadorismo. Ao contrário, diz que ele foi insuficiente e volta-se contra as limitadas iniciativas de enfrentá-lo. A titubeante redução dos juros básicos, o uso de bancos públicos para baratear o crédito, a atuação das estatais na indução de investimentos e os gastos com assistência social, que não chegam a 4% do orçamento Federal.

A crítica é feita pelo viés conservador. E deixa claro que o debate econômico no Brasil ainda é pautado pelo interesse do mercado financeiro. Enquanto for assim teremos de conviver com o eterno retorno dos neoliberais.