quinta-feira, 1 de maio de 2014

O Dia do Trabalhador com frases de Karl Marx




  • "Na relação com a mulher, como presa e servidora da luxúria coletiva, expressa-se a infinita degradação na qual o homem existe para si mesmo, pois o segredo desta relação tem sua expressão inequívoca, decisiva, manifesta, desvelada, na relação do homem com a mulher e no modo de conceber a relação imediata, natural e genérica." [Karl Marx]
  • "O tempo é o campo do desenvolvimento humano." [Karl Marx]
  • "Sem sombra de dúvida, a vontade do capitalista consiste em encher os bolsos, o mais que possa. E o que temos a fazer não é divagar acerca da sua vontade, mas investigar o seu poder, os limites desse poder e o caráter desses limites." [Karl Marx]
  • "Do mesmo modo que não podemos julgar um indivíduo pelo que ele pensa de si mesmo, não podemos tampouco julgar estas épocas de revolução pela sua consciência, mas, ao contrário, é necessário explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças produtivas e as relações de produção." [Karl Marx]
  • "Tudo o que é sólido se desmancha no ar." [Karl Marx]
  • "De nada valem as idéias sem homens que possam pô-las em prática." [Karl Marx]
  • "O capitalismo gera o seu próprio coveiro." [Karl Marx]
  • "O trabalhador só se sente a vontade no seu tempo de folga, porque o seu trabalho não é voluntário, é imposto, é trabalho forçado." [Karl Marx]
  • "Os filósofos se limitaram a interromper o mundo de diversas maneiras; o que importa é modificá-lo." [Karl Marx]
  • "A história de toda a sociedade até hoje tem sido a história das lutas de classe." [Karl Marx]
  • "Ser radical é agarrar as coisas pela raiz, e a raiz para o homem é o próprio homem." [Karl Marx]
  • "O povo que subjuga outro, forja suas próprias cadeias." [Karl Marx]
  • "O homem faz a religião, mas a religião não faz o homem." [Karl Marx]
  • "O primeiro requisito da felicidade dos povos é a abolição da religião." [Karl Marx]
  • "As revoluções são a locomotiva da história" [Karl Marx]
  • "Os homens fazem a sua própria história, mas não o fazem como querem... a tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. " [Karl Marx]
  • "Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência." [Karl Marx]
  • "Se o bicho da seda tecesse para ligar as duas pontas, continuando a ser uma lagarta, seria o assalariado perfeito." [Karl Marx]
  • "O que distingue uma época econômica de outra, é menos o que se produziu do que a forma de o produzir." [Karl Marx]
  • "A tortura deu lugar às descobertas mecânicas mais engenhosas, cuja produção dá trabalho a uma imensidade de honestos artesãos. " [Karl Marx]
  • "Uma ideia torna-se uma força material quando ganha as massas organizadas." [Karl Marx]
  • "Quanto menos comes, bebes, compras livros, vais ao teatro e ao café, pensas, amas, teorizas, cantas, sofres, praticas esporte, etc., mais economizas e mais cresce o teu capital. «És» menos, mas «tens» mais. Assim, todas as paixões e atividades são tragadas pela cobiça. " [Karl Marx]
  • "Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa é modificá-lo." [Karl Marx]
  • "O dinheiro é a essência alienada do trabalho e da existência do homem; a essência domina-o e ele adora-a." [Karl Marx]
  • "O caminho do inferno está pavimentado de boas intenções." [Karl Marx]
  • "A religião é o ópio do povo." [Karl Marx]
  • "A religião é o suspiro da criança acabrunhada, o coração de um mundo sem coração, assim como também o espírito de uma época sem espírito. Ela é o ópio do povo." [Karl Marx]
  • "A propriedade privada tornou-nos tão estúpidos e limitados que um objeto só é nosso quando o possuímos." [Karl Marx]
  • "Os operários não têm pátria. " [Karl Marx]
  • "As idéias dominantes numa época nunca passaram das idéias da classe dominante." [Karl Marx]
  • "A história da sociedade até aos nossos dias é a história da luta de classes." [Karl Marx]
  • "O povo que subjuga outro, gera suas próprias cadeias!" [Karl Marx]
  • "Os princípios sociais do cristianismo justificaram a escravidão antiga, glorificaram a servidão medieval e sabem da necessidade de aprovar a opressão do proletariado." [Karl Marx]
  • "Os comunistas não ocultam suas opiniões e objetivos. Declaram abertamente que seus fins só serão alcançados com a derrubada violenta da ordem social existente. Que as classes dominantes tremam diante de uma revolução comunista. Os proletários não têm nada a perder nela, além de seus grilhões. Têm um mundo a conquistar. Trabalhadores de todos os países, uni-vos!" [Karl Marx]

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Facebook: um mapa das redes de ódio




Pesquisa vasculha território obscuro da internet: as comunidades que clamam por violência policial, linchamentos, mortes dos “esquerdistas” e novo golpe militar
Por Patrícia Cornils, entrevistando Fábio Malini | Imagem: Vitor Teixeira
No dia 5 de março o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo, publicou um mapa de redes de admiradores das Polícias Militares no Facebook. São páginas dedicadas a defender o uso de violência contra o que chamam de “bandidos”, “vagabundos”, “assaltantes”, fazer apologia a linchamentos e ao assassinato, defender policiais, publicar fotos de pessoas “justiçadas” ou mortas violentamente, vender equipamentos bélicos e combater os direitos humanos.
Para centenas de milhares de seguidores dessas páginas, a violência é a única mediadora das relações sociais, a paz só existe se a sociedade se armar e fizer justiça com as próprias mãos, a obediência seria o valor supremo da democracia. Dentro dessa lógica, a relação com os movimentos populares só poderia ser feita através da força policial. Qualquer ato que escape à ordem ou qualquer luta por direitos é lido como um desacato à sociedade disciplinada. Um exemplo: no sábado, dia 8 de março, a página “Faca na Caveira” publicou um texto sobre o Dia Internacional das Mulheres no qual manda as feministas “se foderem”. Em uma hora, recebeu 300 likes. Até a tarde de domingo, 1473 pessoas haviam curtido o texto.
Abaixo o professor Fábio Malini explica como fez a pesquisa e analisa o discurso compartilhado por esses internautas. “O que estamos vendo é só a cultura do medo midiático passando a ter os seus próprios veículos”, diz ele. Explore as redes neste link.
140311-Ultraconservadores
Como você chegou a esse desenho das redes? O que ele representa?
É um procedimento simples em termos de pesquisa. O pesquisador cria uma fanpage no Facebook e passa a dar “like” num conjunto de fanpages ligada à propagação da violência. Em seguida, usamos uma ferramenta que identifica quais os sites que essas fanpages curtem. E, entre elas, quais estão conectadas entre si. Se há conexão entre uma página com outra, haverá uma linha. Se “Faca na Caveira” curte “Fardado e Armados˜há um laço, uma linha que as interliga. Quando fazemos isso para todas as fanpages, conseguimos identificar quais são as fanpages da violência (bolinhas, nós) mais conectadas e populares. Isso gera um grafo, que é uma representação gráfica de uma rede interativa. Quanto maior é o nó, mais seguida é a página para aquela turma. No grafo, “Polícia Unida Jamais será vencida” é a página mais seguida pela rede. Não significa que ela tem mais fãs. Significa que ela é mais relevante para essa rede da violência. Mas a ferramenta de análise me permite ver mais: quem são as páginas mais populares no Facebook, o que elas publicam, o universo vocabular dos comentários, a tipologia de imagens que circula etc.
O que você queria ver quando pesquisou esse tema? E o que achou de mais interessante?
Pesquisei durante apenas uma semana para testar o método de extração de dados. Descobri que o Labic, laboratório que coordeno, pode ajudar na construção da cultura de paz nesse país, desvelando os ditos dessas redes, que estão aí, lotadas de fãs e públicas no Facebook. Assustei-me em saber a ecologia midiática da repressão no Facebook, em função da agenda que esses sites estabelecem.
Primeiro há um horror ao pensamento de esquerda no país. Isso aparece com inúmeros textos e imagens que satirizam qualquer política de direitos humanos ou ligadas aos movimentos sociais. Essas páginas funcionam como revides à popularização de temas como a desmilitarização da Polícia Militar ou textos de valorização dos direitos humanos. Atualmente, muitas dessas páginas se articulam em função da “Marcha pela Intervenção Militar”. Um de seus maiores ídolos é o deputado Jair Bolsonaro.
Após os protestos no Brasil, a estrutura de atenção dos veículos de comunicação de massa se pulverizou, muito tráfego da televisão está escoando para a internet, o que faz a internet brasileira se tornar ainda mais “multicanal”, com a valorização de experiências como Mídia Ninja, Rio na Rua, A Nova Democracia, Outras Palavras, Revista Fórum, Anonymous, Black Blocs. São páginas muito populares. Mas não estão sozinhas. Há uma guerra em rede. E o pensamento do “bandido bom, bandido morto” hoje se conformou em votos. Esse pensamento foi capaz de construir redes sociais em torno dele.
A despolitização, a corrupção, os abusos de poder, a impunidade, estão na raiz da força alcançada por essas redes da violência e da justiça com as próprias mãos. E não tenho dúvida: essas redes, fortes, vão conseguir ampliar seu lastro eleitoral. Vão ajudar na eleição de vários políticos “linha dura”. Em parte, o crescimento dessas redes se explica também em função de forças da esquerda que passaram a criminalizar os movimentos de rua e ficaram omissas a um conjunto de violações de direitos humanos. O silêncio, nas redes, é resignação. O que estamos vendo é só a cultura do medo midiática passando a ter os seus próprios veículos de comunicação na rede.
Você escreveu que “é bom conhecer e começar a minerar todos os conteúdos que são publicadas nelas.” Por que?
Porque é preciso compreender a política dessas redes e seus temas prioritários. Instituir um debate por lá e não apenas ficar no nosso mundo. É preciso dialogar afirmando que uma sociedade justa é a que produz a paz, e não uma sociedade que só obedece ordens. Estamos numa fase de mídia em que se calar para não dar mais “ibope” é uma estratégia que não funciona. É a fala franca, o dito corajoso, que é capaz de alterar (ou pelo menos chacoalhar) o discurso repressor.
É interessante, ao coletarmos e minerarmos os dados, notar que muitas dessas páginas articulam um discurso de Ode à Repressão com um outro pensamento: o religioso, cujo Deus perdoa os justiceiros. Isso se explica porque ambos são pensamentos em que o dogma, a obediência, constituem valores amplamente difundidos. Para essas redes, a defesa moral de uma paz, de um cuidado de si, viria da capacidade de os indivíduos manterem o estado das coisas sem qualquer questionamento, qualquer desobediência.
No lugar da Política enfrentar essas redes, para torná-las minoritárias e rechaçadas, o que vemos? Governantes que passam a construir seus discursos e práticas em função dessa cultura militarizada, dando vazão a projetos que associam movimentos sociais a terrorismo. Daí há uma inversão de valores: a obediência torna-se o valor supremo de uma democracia. E a política acaba constituindo-se naquilo que vemos nas ruas: o único agente do Estado em relação com os movimentos é a polícia.
O grafo mostra as relações entre os diversos nós dessa rede. Mas e se a gente quiser saber o que essas redes conversam? As PMs estão no centro de vários debates importantes hoje: o tema da desmilitarização. A repressão às manifestações. O assassinato de jovens pobres, pretos, periféricos. Esses nós conversam sobre essas coisas? Em que termos?
Sim, esses nós se republicam. Tal como páginas ativistas se republicam, tais como páginas de esporte se republicam. Todo ente na internet está constituindo numa rede para formar uma perspectiva comum. As ferramentas para coletar essas informaçoes públicas estão muito simplificadas e na mão de todos. Na tenho dúvida que as abordagens científicas das Humanidades serão cada vez mais centrais, pois a partir de agora o campo das Humanidades lidará com milhões de dados. É uma nova natureza que estamos vendo emergir com a circulação de tantos textos, imagens, comportamentos etc.
Você escreveu que “os posts das páginas, em geral, demonstram o processo de construção da identidade policial embasada no conceito de segurança, em que a paz se alcança não mediante a justiça, mas mediante a ordem, a louvação de armamentos e a morte do outro.” Pode dar exemplos de como isso aparece? E por que isso é grave? Afinal, na visão dos defensores e admiradores da polícia, as posições que defendem dariam mais “paz” à sociedade.
Sábado, 8 de março, foi o Dia Internacional da Mulher. Uma das páginas, a Faca na Caveira, deu parabéns às mulheres guerreiras. Mas mandaram as feministas se foderem. O post teve 300 likes em menos de meia hora e na tarde de domingo tinha 1473 likes. A paz só será alcançada com ordem e obediência, dizem. No fundo, essas redes revelam-se como repressoras de qualquer subjetividade inventiva. Por isso, são homofóbicas e profundamente etnocêntricas de classes. É uma espécie de decalque do que pensa a classe média conectada no Brasil, que postula que boné de “aba reta” em shopping é coisa da bandidagem.
Em Vitória, onde resido, em dezembro de 2013, centenas de jovens que curtiam uma roda de funk nas proximidade de um shopping tiveram que entrar nesse recinto para fugir da repressão da polícia, que criminaliza essa cultura musical. Imediatamente foi um “corre-corre” no centro comercial. Os jovens foram todos colocados sentados, sem camisa, no centro da Praça de Alimentação. Em seguida, foram expulsos em fila indiana pela polícia, sob os aplausos da população. Depois, ao se investigar o fato, nenhum deles tinha qualquer indício de estar cometendo crime. Essa cultura do aplauso está na rede e é forte. É um ódio à invenção, à diferença, à multiplicidade. É por isso que a morte é o elemento subjetivo que comove essa rede. Mostrar possíveis criminosos mortos, no chão, com face, tórax ou qualquer outro parte do corpo destruída pelos tiros, é um modo de reforçar a negação da vida.
Essas redes conversam com outras redes não dedicadas especificamente à questão das PMs? Vi, por exemplo, que tem um “Dilma Rousseff Não”, um “Caos na Saúde Pública” e um “Movimento Contra Corrupção”. Que ligações as pessoas ali estabelecem entre esses temas?
Sim, são páginas que se colocam no campo da direita mais reacionária do país. Mas isso também é um índice da transmutação do conservadorismo no Brasil. Infelizmente, o controle da corrupção se tornou um fracasso. Essa condição fracassada alimenta a despolitização. E a despolitização é o combustível para essas páginas. Mas a despolitização não é apenas um processo produzidos pelos “repressores”, mas por sucessivos governos mergulhados em escândalos e que são tecidos por relações políticas absolutamente cínicas em nome de alguma governabilidade.


terça-feira, 29 de abril de 2014

Os escândalos que assombram a canonização de João Paulo II

Arquivo



Por Eduardo Febbro

Vítimas, que vítimas? – perguntou o cardeal Velasio de Paolis. E acrescentou: “Não são apenas estas vítimas”. Depois houve um silêncio de corpo e alma e o olhar um tanto perdido do superior geral dos Legionários de Cristo, nomeado em 2010 para esse cargo pelo então papa Joseph Ratzinger. À pergunta de de Paolis se seguiu uma resposta: as vítimas não eram só os milhares de menores que sofreram com os apetites sexuais das batinas hipócritas, mas também o próprio Vaticano. As vítimas não eram unicamente os menores ou adultos abusados e violentados pelo padre Marcial Maciel, o fundador dessa indústria dos atentados sexuais que foi, durante seu mandato, o grupo dos Legionários de Cristo. A vítima era a Santa Sé, que foi “enganada”.

João Paulo II, o papa que, entre outros horrores, promoveu e encobriu pedófilos e violadores da Igreja, recebeu, ao mesmo tempo em que João XXIII, a canonização. Para além do espetáculo obsceno montado para esta ocasião, dos milhares de fieis na Praça de São Pedro, dos três satélites suplementares para transmitir o ato, para além da fé de muita gente, a canonização do papa polonês é uma aberração e um ultraje para qualquer cristão do planeta. Declarar santo a Karol Wojtyla é se esquecer do escandaloso catálogo de pecados terrestres que pesam sobre este papa: amparo dos pedófilos, pactos e acordos com ditaduras assassinas, corrupção, suicídios jamais esclarecidos, associações com a máfia, montagem de um sistema bancário paralelo para financiar as obsessões políticas de João Paulo II – a luta contra o comunismo -, perseguição implacável das correntes progressistas da Igreja, em especial a da América Latina, ou seja, a frondosa e renovadora Teologia da Libertação.

O “vítimas, que vítimas?” pronunciado em Roma pelo cardeal Velasio de Paolis encobre toda a impunidade e a continuidade ainda arraigada no seio da Igreja. Jurista e especialista em Direito Canônico, De Paolis fazia parte da Congregação para a Doutrina da Fé na época em que – anos 80 – se acumulavam as denúncias contra Marcial Maciel. No entanto, foi ele quem firmou a segunda absolvição do sacerdote mexicano. O ex-padre mexicano Alberto Athié contou à Carta Maior como Maciel sabia distribuir dinheiro e favores para comprar o silêncio das hierarquias. Athié renunciou em 2000 ao sacerdócio e se dedicou à investigação e denúncia dos abusos sexuais cometidos por clérigos e organizações.

O destino de Maciel foi selado por Bento XVI a partir de 2005. Em 2004, antes da morte de Karol Wojtyla, Maciel foi honrado no Vaticano. Neste mesmo ano, Ratzinger reabriu as investigações contra os Legionários. O dossiê Maciel havia sido bloqueado em 1999 por João Paulo II e mantido invisível por outra das figuras mais soturnas da cúria romana, Angelo Sodano, o ex-secretário de Estado de Giovanni Paolo. Sodano é uma pérola digna de figurar em um curso de manobras sujas. Decano do Colégio de Cardeais, ele tinha negócios com os Legionários de Cristo. Um sobrinho dele foi um dos assessores nomeados por Maciel para construir a universidade que os legionários de Cristo têm em Roma, a Universidade Pontífica Regina Apostolorum.

Sodano, que foi o número dois de Juan Paulo II durante quase 15 anos, tinha um inimigo interno, Joseph Ratzinger, um clube de simpatias exteriores cujos dois membros mais eminentes eram o ditador Augusto Pinochet e o violador Marcial Maciel. Sodano e Ratzinger travaram uma batalha sem tréguas: o primeiro para proteger os pedófilos, o segundo para condená-los. Em 2004, Ratzinger obrigou Maciel a se demitir e a se retirar da vida pública. Dois anos depois, já como Bento XVI, o papa o suspendeu “a divinis”. As investigações reabertas por Ratzinger demonstraram que Maciel era um pederasta, tinha duas mulheres, três filhos, várias identidades diferentes e manejava fundos milionários.
As denúncias prévias nunca haviam passado o paredão levantado por Sodano e o hoje Santo João Paulo. A carreira de Sodano é uma síntese do Papado de Karol Wojtyla, onde se mesclam os interesses políticos, as visões ideológicas ultraconservadoras, a corrupção e as manipulações. Angelo Sodano foi Núncio no Chile durante a ditadura de Pinochet. Manteve uma relação amistosa com o ditador e isso permitiu que organizasse a visita que João Paulo II fez ao Chile em 1987. Seu irmão Alessandro foi condenado por corrupção após a operação Mãos Limpas. Seu sobrinho Andrea teve a mesma sorte nos Estados Unidos. O FBI descobriu que Andrea e um sócio se dedicavam a comprar – mediante informação privilegiada – por um punhado de dólares as propriedades imobiliárias das dioceses dos Estados Unidos que estavam em bancarrota devido aos escândalos de pedofilia.

Mas o mundo sucumbiu ao grito de “santo súbito” que reclamava a canonização de um homem que presidiu os destinos da Igreja em seu momento mais infame e corrupto. O papa “viajante”, o papa “amável”, o papa “dos jovens”, era um impostor ortodoxo que deixou desprotegidas as vítimas dos abusos sexuais e os próprios pastores da Igreja quando estes estiveram com suas vidas ameaçadas.
 
Sua visão e suas necessidades estratégicas sempre se opuseram às humanas. Na trama desta história também há muito sangue, e não só de banqueiros mafiosos como Roberto Calvi ou Michele Sindona, com quem João Paulo II se associou para alimentar com fundos secretos os cofres do IOR (Banco do Vaticano), fundos que serviram para financiar a luta contra o comunismo no leste europeu e contra  a Teologia da Libertação na América Latina.

João Paulo II deixou desprotegidos os padres que encarnavam, na América Latina, a opção pelos pobres frente às ditaduras criminosas e seus aliados das burguesias nacionais. Em 2011, cinquenta destacados teólogos da Alemanha assinaram uma carta contra a beatificação de João Paulo II por não ter apoiado o arcebispo salvadorenho Óscar Arnulfo Romero, assassinado em 24 de março de 1980 por um comando paramilitar da extrema-direita salvadorenha, enquanto celebrava uma missa. Romero sim que é e será um santo. O arcebispo enfrentou os militares para pedir-lhes que não assassinassem seu povo, percorreu bairros, zonas castigadas pela repressão e pela violência, defendeu os direitos humanos e os pobres. Em resumo, não esperou que Bergoglio chegasse a Roma para falar de “uma Igreja pobre para os pobres”. Não. Ele a encarnou em sua figura e pagou com sua vida, como tantos outros padres aos quais o Vaticano taxava de marxistas ou comunistas só porque se envolviam em causas sociais.

João Paulo II é um santo impostor que traiu a América Latina e aqueles que, a partir de uma igreja modesta, ousaram dizer não aos assassinos de seus povos. Se, no leste europeu, João Paulo II contribuiu para a queda do bloco comunista, na América Latina favoreceu a queda da democracia e a permanência nefasta de ditaduras e sua ideologia apocalíptica. Um detalhe atroz se soma à já incontável dívida que o Vaticano tem com a justiça e a verdade: o expediente de beatificação de Óscar Romero segue bloqueado nos meandros políticos da Santa Sé. João Paulo II beatificou Josemaría Escrivá, o polêmico fundador da Opus Dei e um de seus protegidos. Mas deixou Romero de fora, inclusive quando estava com sua vida ameaçada. “Cada vez mais sou um pastor de um país de cadáveres”, costumava dizer Romero.

João Paulo II foi eleito em 1978. No ano seguinte, Monsenhor Romero entregou a ele um informe sobre a espantosa violação dos Direitos Humanos em El Salvador. O papa ignorou o informe e recomendou a Romero que trabalhasse “mais estreitamente com o governo”. Como lembrou à Carta Maior Giacomo Galeazzi, vaticanista de La Stampa e autor de uma magistral investigação, “Wojtyla Secreto”, em “seus 25 anos de pontificado nenhum bispo latinoamericanao ligado à ação social ou à Teologia da Libertação foi nomeado cardeal por João Paulo II”. A resposta está em uma frase de outro dos mais dignos representantes da “Igreja dos Pobres”, o falecido arcebispo brasileiro Hélder Câmara. “Quando alimentei os pobres me chamaram de santo; mas quando perguntei por que há gente pobre me chamaram de comunista”.

O show universal da canonização já foi lançado. A imprensa branca da Europa tem a memória muito curta e sua cultura do outro é estreita como um corredor de hospital. Todos celebram o grande papa. Ela promoveu à categoria de santo um homem que tem as mãos sujas, que cometeu a infâmia de encobrir violadores de crianças, de beijar ditadores e legitimar com isso o rastro de mortos que deixavam pelo caminho, de negociar benefícios para a máfia, que sacrificou em nome dos interesses de uma parte da Europa a misericórdia e a justiça de outros, entre eles os da América Latina. Estão canonizando um trapaceiro. O cúmulo da esperteza, do erro imemorial.
 
Em que altar se ajoelharão as vítimas dos abusadores sexuais e das ditaduras? Podemos levantar todos juntos um lugar aprazível e justo na memória com as imagens do padre Múgica ou do Monsenhor Romero para nos reencontrarmos com a beatitude o sentido de quem, por um ideal de justiça e igualdade, enfrentou a morte sem pensar nunca em si mesmo, ou em baixas vantagens humanas.


Tradução: Marco Aurélio Weissheimer



Fonte: Carta Maior

segunda-feira, 28 de abril de 2014

7 fatos sobre a crise e os protestos na Ucrânia

barricadadonetsk
Barricadas com pneus são frequentes em Donetsk apenas perto de prédios ocupados;
 em Kiev, todo centro da cidade tem interrupções do trânsito.

Detalhes sobre os cinco meses de manifestações no país europeu.



1) Dois países em um: Ao visitar Kiev e Donetsk hoje, a sensação é de estar em dois países diferentes. Dezenas de bandeiras da União Europeia estão espalhadas pela capital ucraniana, enquanto na cidade do leste do país há homenagens e discursos saudosos a Vladimir Lenin e Josef Stalin e à URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Além disso, de um lado há predominância de forte discurso anticomunista, em contraposição ao antiamericanismo de Donetsk, ambos os traços típicos da Guerra Fria.

2) Organização de acampamentos: Após cinco meses do começo dos protestos que derrubaram Viktor Yanukovich, a Praça Maidan segue ocupada. Diferentemente do que se pode imaginar, porém, os acampados mantêm o local limpo, sem mau cheiro. A disciplina também pode ser vista na proibição de álcool dentro das manifestações, tanto na capital ucraniana como em Donetsk. Dentro dos acampamentos visitados por Opera Mundi, o uso de máscaras era mais forte em Donetsk, onde há medo de futura retaliação judicial, enquanto Kiev há uma maior quantidade de armas de fogo.

3) Idioma: A tentativa de Kiev de se afastar de Moscou esbarra, inclusive, numa característica cultural de sua população: o idioma. A maior parte dos ucranianos costuma utilizar o russo para se comunicar. As duas línguas são ensinadas na escola, mas o ucraniano é mais aplicado na escrita. Os próprios políticos do governo interino preferiram, em sua maioria, dar entrevistas a Opera Mundi em russo.

4) Diferenças entre Crimeia e Donetsk: A tomada de controle da Crimeia pela Rússia após o referendo de 16 de março chamou a atenção pela rapidez. Moscou considera a região fundamental para a segurança de seu território e expulsou os militares ucranianos, mais fracos militarmente. Ao evitar conflito com a Rússia, Kiev pesou não apenas a desproporção das Forças Armadas, mas a importância da península para cada país. Economicamente, sem a Crimeia, a Ucrânia perdeu menos de 3% de seu PIB (Produto Interno Bruto).

5) Lideranças e hierarquia: O movimento da Praça Maidan levou à formação de um governo interino, composto por países que defendem a integração à União Europeia. No entanto, a maior praça da Ucrânia permanece ocupada por membros desses mesmos grupos, divididos em barracas com bandeiras e os nomes de sua cidades de origem, acompanhados de representantes da extrema direita e apartidários. Hoje não é possível apontar uma liderança entre os manifestantes, mas a entrada em prédios públicos depende sempre de um chefe.

6) Roupas camufladas. Nos anos de governo Yanukovich, o Exército da Ucrânia teve seus orçamento e contingente reduzidos. A fraqueza das Forças Armadas é um dos motivos para o surgimento de voluntários que usam roupas camufladas e se proclamam do Exército nacional, sem estar subordinados a qualquer comando.

7) Tratamento da imprensa: Há uma diferença clara na forma como a imprensa internacional trata os movimentos de Kiev e Donetsk. De maneira semelhante ao que ocorre no governo interino da Ucrânia, manifestantes de Kiev são considerados heróis e, em Donetsk, criminosos ou infiltrados russos. Assim, as notícias muitas vezes nos levam a conclusões erradas, como a de que Kiev está mais calma que Donetsk. Pelo contrário, Donetsk vive uma normalidade maior do que a capital, onde barricadas estão espalhadas pela cidade, deixando o trânsito caótico.

Vitor Sion é enviado especial do site brasileiro Opera Mundi a Kiev e Donetsk (Ucrânia).

Fonte: Opera Mundi

domingo, 27 de abril de 2014

Ninguém é a favor de bandidos, é você que não entendeu nada

Sobre as expressões que atravessam as gerações, passando de pai para filho e o pensamento ignorante que elas geram


Por Ramon Kayo
Espectro político trata fundamentalmente de economia. Você acha que a propriedade privada é a raíz de todo o mal? Vá para a esquerda. Você acha que a propriedade privada pode resolver problemas? Vá para a direita.
Agora, deixe isso de lado. Não me importa, porque o ponto que quero discutir neste texto é comum a todos.
Algumas expressões vem se propagando por gerações. Como uma espécie de roteador que só replica o sinal, a nova geração repete os discursos da geração anterior. Me assusta ver que jovens, como eu, que tiveram acesso a boas escolas, conteúdos e discussões, estejam dando continuidade às falácias mal estruturadas dos mais velhos.
Bandido bom é bandido morto.”
Tem idade para matar, mas não tem idade para ir preso.”
Direitos Humanos só serve para bandido.”
Esse povinho defensor de bandido… quero ver quando for assaltado.”
Olha só: ninguém é a favor de bandido. Ninguém mesmo. Muito menos os direitos humanos. Ninguém quer que assalto, assassinato, furto e outros crimes sejam perdoados ou descriminalizados.
Você é que entendeu errado.
Por que alguém, em sã consciência, seria a favor de assaltos, homícidios, latrocínios e furtos? Você não deveria sair gritando palavras de ódio sem entender o argumento do qual discorda — a não ser que você se aceite como ignorante, isto é, que ignora parte dos fatos para manter-se na inércia do conforto.
Depois que este texto terminar, você pode continuar discordando, mas espero que desta vez com outros argumentos, argumentos fundamentados.

Antes de mais nada, o que você prefere?

Gostaria de propor dois cenários e que você escolhesse o que mais te agrada.
I) Uma sociedade onde há muitos criminosos, logo há muitos assaltos, latrocínios e homícidios. Entretanto, nesta sociedade, 99% dos crimes são resolvidos e os indivíduos são presos. Após voltarem as ruas, tornam-se reincidentes, ou seja, cometem novamente um crime. Mas nesta sociedade, este criminoso é pego novamente em 99% das vezes. Há pena de morte.
II) Uma sociedade onde quase não há criminosos. Os poucos criminosos que existem, quando pegos, são presos. Além de punidos com tempo de reclusão, os criminosos também são reabilitados (as maneiras são indiferentes, se com cursos profissionalizantes, tratamento psicológico, ambos ou outros) para que possam tentar uma nova vida. Não há pena de morte.
Qual você prefere?
Nenhum destes casos é o do Brasil. No nosso país e em muitos outros, temos altos índices de criminalidade, poucos programas de reabilitação e o senso comum vingativo de que o Lex Talionis desenvolvido há cerca de 4.000 anos ainda serve como solução. Todavia, há países parecidos com os dois casos propostos, o que torna tangível a estrutura. Mas e para o Brasil? Qual dessas você preferiria para o nosso país?
Posso te ajudar neste raciocínio com alguns pontos:
  • No primeiro caso, apesar de quase todos os criminosos serem pegos, o sofrimento das vítimas permanece. Como só se prende depois do crime, os lesados nunca terão a vida de um ente querido de volta, por exemplo.
  • No primeiro caso, além de muitos crimes, os criminosos ainda tem maior probabilidade de reincidir, ou seja, de cometer um crime por mais de uma vez.
  • Como são muitos criminosos, a economia do país perde força produtiva. Pessoas que poderiam estar trabalhando, pesquisando, empreendendo, estão no crime.
  • No primeiro caso, como são muitos casos a serem avaliados, o sistema jurídico pode vir a se tornar lento e ineficaz.
OBS: Em nenhum momento quero impor uma falácia de falsa dicotomia. Existem infinitas possibilidades de combinações aqui. Entretanto, este é apenas um exercício que facilita o entendimento do argumento.

A pessoa nasce bandida ou torna-se bandida?

Pergunta importante: você acha que as pessoas já nascem bandidas? O bebê — sim, aquele de colo — já é um bandido?
Prefiro pensar que ninguém acredita que as pessoas já nascem criminosas. É um pouco lunática a visão de um mundo Minority Report, onde o bebê será preso ali mesmo, nos primeiros momentos de vida. Mesmo para quem acredita neste mundo, o próprio filme trata do problema que isso poderia causar.
Partindo da pressuposição de que ninguém nasce bandido, vou utilizar um personagem fictício como exemplo: João, o bebê. Imagine o bebê da maneira como quiser, isso pouco importa, a única certeza que temos sobre João, o bebê, é que ele não nasceu bandido. É uma criança como qualquer outra, ainda dependente dos pais, que pouco faz da vida além de dormir e chorar. Mas neste mundo fictício, o tempo passou, e João cresceu. Aos 16 anos cometeu um latrocínio. Se João não nasceu bandido, então tornou-se bandido. A palavra "tornou-se" implica transformação e esse é o X da questão.
Os seres humanos se constroem com as experiências e aprendizados, portanto o meio em que se vive tem grande influência sobre ele. Sabendo disso, temos a visão clara de que algo acontece na sociedade que transforma as pessoas em marginais. E se você acha que não, talvez seja curioso saber que a taxa de homícidios no Brasil em 2008 era de 26,4 a cada 100.000 habitantes, enquanto que na Islândia o índice não passou de 1,8 a cada 100.000 no mesmo ano. Se o motivo desta diferença não for social, então só resta que seja biológico. Por ora, me nego a acreditar num "gene da marginalidade"¹.
O fato é: há algo na sociedade (que não será discutido neste texto) que leva as pessoas a cometerem crimes.
Quando você diz que reduzir a maioridade penal é uma boa ideia, você não está focando na raíz do problema, está apenas sugerindo uma maneira de remediar. E como veremos a frente, dado o nosso sistema, isto só aumenta a chance de criar um deliquente reincidente. Então note, pouco importa se a maioridade penal é de 16, 18 ou 21 anos se o país continua a formar criminosos. Devemos pensar em maneiras de diminuir a criminalidade, no processo que transforma as pessoas em transgressoras da lei, ou logo teremos mais presídios do que universidades e mais marginais do que cidadãos comuns.
¹ Há um estudo que relaciona os genes MAOA, DAT1, DRD2, com a predisposição à agressividade. Entretanto, Guang Guo, que é o responsável pelo estudo, afirma que a interação social é fator decisivo para o comportamento destes genes. Isto é, na maior parte dos casos, a presença dos genes não afeta jovens que possuem influências sociais positivas.

Construir mais penitenciárias e prender mais gente diminui a criminalidade?

O olhar crítico que às vezes não permeia a cabeça das pessoas é que prender as pessoas não faz com que menos pessoas se transformem em criminosas. Penitenciando apenas, você não resolve o problema, apenas posterga enquanto gasta o dinheiro público.
Assim como todo fumante sabe dos males do cigarro, todos que entram para o mundo do crime sabem o risco envolvido. Todo dia no noticiário vemos corpos estirados ao chão, seja do cidadão, do criminoso ou do policial. Não adianta termos penas mais severas: o brasileiro que se torna assaltante já não tem nada a perder, sabe que tem grandes chances de morrer de forma cruel.

Os criminosos brasileiros, depois de presos, ficam ainda mais propensos a perpetuar sua vida marginal. São três os principais motivos: (I) poucas empresas se propõem a contratar ex-presidiários, (II) o trauma vivido dentro da cadeia — como ela é aqui no Brasil — agrava as problemáticas psicológicas do indivíduo e, por fim, (III) não há um programa grande e estruturado de reabilitação de criminosos para que deixem a vida do crime.
Ninguém quer que criminosos não sejam punidos¹. Eles devem pagar suas penas conforme previsto em lei. O único problema é que a pessoa só vai presa depois de cometer o crime, isto é, depois que alguém já foi lesado. Não seria muito melhor se ao invés de precisar prender as pessoas depois do crime consumado, houvesse menos bandidos? Não seria melhor se os criminosos, após cumprirem suas penas, se reintegrassem a sociedade como parte da massa trabalhadora?
Ah, não dá? Dá sim. Na Suécia dá, por que aqui não daria? Vamos supor que você responda, de maneira óbvia, que é por causa da "cultura brasileira". Neste caso, eu devo concordar, porque, realmente, a cultura é diferente: aqui muita gente acredita que pena de morte resolve o problema enquanto lá eles fazem uso da reabilitação.
Deve ser por isso que aqui se constroem presídios e lá se fecham presídios.

Nils Öberg, responsável pelo sistema prisional da Suécia, disse sobre o fechamento presídios no país por falta de condenados:
Nós certamente esperamos que nossos esforços em reabilitação e prevenção de reincidência tenham tido um impacto, mas nós achamos que isso sozinho não pode explicar a queda de 6%” — reafirmando que a Suécia precisa se esforçar ainda mais em reabilitar os prisioneiros para que eles possam retornar a sociedade.

¹ Existe uma corrente que acredita no chamado Abolicionismo Penal que não vê o sistema punitivista com estes olhos. Eu não conhecia esta ideia no momento em que escrevi o texto, mas um leitor me alertou pelo Twitter e por isso faço questão de incluir aqui.

Direitos Humanos para você também

O artigo 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que:
Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”
O trecho "Toda pessoa (…)" do artigo 3 inclui você.
Ninguém quer que você seja vítima de um crime. Todas as leis do código penal são pensadas para tentar lhe garantir este e outros direitos comuns a todos os seres humanos. Ninguém quer que os bandidos sejam especiais: o que o "povinho dos Direitos Humanos" quer é que a sociedade não crie mais marginais e que a quantidade dos existentes diminua. E é aí que está: infringindo os direitos humanos, você não alcança este objetivo.
O trecho “Toda pessoa (…)” do artigo 3 também inclui o marginal.
É confuso que o cidadão que clama tanto por justiça, que a lei seja cumprida, fique ávido para descumpri-la: tortura, homicídio e ameaça são crimes, mesmo que sejam contra um condenado. Então, não, bandido não tem que morrer, porque isso te tornaria tão marginal quanto.
Se você quer uma sociedade com menos criminosos, conforme discutido no começo deste texto, entenda o papel dos Direitos Humanos. O artigo 5 diz:
Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.”
Ninguém lhe nega o direito a sentir dor, raiva e/ou tristeza após ter sido vítima de um crime. A culpa não é sua e isto nunca foi dito. Só quem é vítima sabe da própria dor. Mas o fato é que o olho por olho não te trará paz, não trará um ente querido de volta, não removerá seus traumas. O dente por dente só te levará para mais perto de uma sociedade violenta, onde o crime se perpetua e você pode ser vítima mais uma vez. Ninguém quer que você seja vítima outra vez.
A punição deve ser aplicada, sim. E com certeza será ainda melhor quando este indivíduo estiver apto a se tornar um cidadão comum, após cumprir sua pena, e nunca mais venha a causar problemas para a sociedade e para você. E é sobre isso que os Direitos Humanos falam.

Portanto entenda

Se você leu o texto um pouco mais exaltado, talvez tenha perdido algum trecho importante, portanto aqui vão alguns dos principais pontos:
  1. Ninguém nasce bandido. A estrutura social, de alguma maneira, transforma as pessoas em criminosas.
  2. Entender os motivos que levam a formação de criminosos e resolvê-los é mais importante do que puni-los com mais severidade. Se não formarmos criminosos, as pessoas não precisam ser vítimas.
  3. Todo crime deve ser devidamente punido, mas a maneira de punir pode influenciar na reincidência do criminoso, que fará novas vítimas.
  4. Construir presídios, prender mais pessoas, não evita que mais pessoas se transformem em bandidos.
  5. O que aprendemos com os países mais desenvolvidos é que reabilitar marginais colabora com a redução da criminalidade.
  6. Infringir os Direitos Humanos de qualquer pessoa é atentar contra a vida e, no caso do marginal, vai na contra-mão da reabilitação.
E novamente:
Você tem o direito de ficar desolado e/ou enfurecido por ter sido vítima. Ninguém é a favor do crime.
Você é que não tinha entendido antes.

Pós-escrito sobre os espantalhos

Esta seção foi incluída no dia 01/03/2014, após mais de 300.000 visualizações do texto.
Acho muito positivo que as pessoas discordem. É somente com o confronto de ideias que podemos observar o que faz e o que não faz sentido. Entretanto, algumas pessoas tentaram refutar o texto com a chamada “Falácia do Espantalho”.
A expressão “Falácia do Espantalho” descreve um tipo de argumento falacioso, inválido. Esta falácia se dá quando um dos interlocutores distorce o argumento do outro, transformando-o em algo simplista ou exagerado, de forma que torne-se algo fácil de se refutar. O problema com este tipo de argumento é que ele não lida com a alegação real, ao contrário, ele inventa uma nova, na tentativa de ridicularizar a alegação inicial.
Se isto não ficou claro, não se preocupe, pois a seguir listarei alguns exemplos. Parafrasearei algumas das coisas que li e ouvi, e então esclarecerei.
Espantalho #01
O texto diz que a culpa é da sociedade.
Esta falácia se dá por causa do trecho “O fato é: há algo na sociedade (…) que leva as pessoas a cometerem crimes”.
Apenas como exercício, imagine um campo onde há dezenas de espécies de árvores frutíferas. Neste campo, crianças brincam e comem frutas diretamente das árvores. Os pais observam os filhos. Após algum tempo, crianças começam a apresentar vermelhidão na pele, dificuldade para respirar, vômito e diarreia. Muitas delas morrem.
A culpa é do campo? Não. A culpa é das mamonas, que contém ricina.
Utilizando o cenário-exemplo proposto, é bem razoável que os pais se atentem ao fato de que há algo no campo que leva as crianças ao óbito. Dado isto, é melhor que investiguem as causas das mortes ao invés de somente comprarem remédios ao acaso. Os remédios não evitam que mais crianças se intoxiquem. Ainda no exercício, a melhor saída seria identificar que o problema são as mamonas e, a partir daí, cortar as árvores que as produzem.
Culpa é a responsabilidade de um ou mais indivíduos por um ato que prejudica alguém. Se um indivíduo decide roubar ou matar outra pessoa, a culpa pela morte é dele e somente dele. Repare que "(…) leva as pessoas a cometerem crimes." deixa claro que quem comete os crimes são as pessoas. Sociedades não cometem crimes, seus indivíduos sim. Entretanto, nada disso impede que os indivíduos atuem em busca de uma mudança na estrutura da comunidade, de forma a mitigar a criminalidade.
Espantalho #02
O texto propõe que o Brasil deve virar a Suécia da noite pro dia.
O texto não diz isso. Nem diz que o Brasil parece a Suécia, ao contrário, diz que a mentalidade sobre este assunto é totalmente diferente.
Quando pensamos em mudar as políticas existentes, sempre há possibilidade de aproveitar o aprendizado de outros países. A Suécia, como muitos outros países nórdicos, apresenta excelentes características e índices relacionados à qualidade de vida.
A maioria das mudanças políticas não apresenta resultados imediatos. Leva tempo para que a sociedade se reestruture e modifique seus processos. Mas a mudança parte da mentalidade e tem que começar em algum momento.
Espantalho #03
O texto diz que temos que privilegiar criminosos.
O texto não diz isso. Não torturar e privilegiar são coisas distintas.
Muitas vezes, uma prisão em flagrante requer uso de força, principalmente quando o criminoso reage à voz de prisão. Não há nada de errado nisso, pois é impossível conter um indivíduo relutante com delicadeza. Entretanto, há uma diferença gritante entre uso de força necessária e tortura.
Segundo o artigo 301 do código Código Processual Penal, qualquer cidadão pode prender uma pessoa em caso flagrante delito e, neste caso, deve conduzi-la às autoridades responsáveis. Alternativamente, o cidadão que flagrar o crime pode conter o criminoso e chamar as autoridades responsáveis.
Como exemplo, em um acontecimento recente, um jovem foi espancado e acorrentado pelo pescoço em um poste, nu. O que deve ser avaliado neste caso é se o adolescente foi pego em flagrante, se a polícia foi avisada e se houve tortura. Se alguma das condições previstas em lei não foi atendida, esta foi uma prisão ilegal. E se houve tortura, os responsáveis pela prisão cometeram um crime.
Espantalho #04
O texto diz que não há impunidade no Brasil e que o cidadão não deve se indignar.
O texto não diz isso. O brasileiro deve se indignar, pois os nossos números passam longe de representar o cenário ideal.
O Estado brasileiro se demonstra incapaz de resolver o problema, tanto por uma via, como pela outra. É urgente a necessidade de uma mudança sistemática. Assim, há de se discutir os caminhos possíveis para tal. O texto se compromete a apresentar apenas um dos pontos importantes que devem ser discutidos nesta pauta, mas não insinua nenhuma fração da falácia acima.
Espantalho #05
O texto diz que as pessoas pobres não tem escolha, a não ser a criminalidade.
O texto não diz isso. O texto nem mesmo faz distinção de classes sociais.
Normalmente, esta falácia vem acompanhada de um exemplo onde dois irmãos gêmeos estudam na mesma escola, tem os mesmos amigos e mesmo assim optam por caminhos distintos, onde um se torna criminoso e o outro não. Neste caso, é importante notar que não há o caso onde duas pessoas vivem exatamente as mesmas experiências e tem exatamente as mesmas percepções. Mesmo que possuam uma grande semelhança biológica, dois irmãos nunca são tratados pelos demais como uma só pessoa. Além disso, a semelhança biológica não garante a semelhança entre personalidades.
Ser um cidadão que não vive de crime é sim uma escolha. As pessoas quase sempre tem escolhas, mas vale lembrar que às vezes as possibilidade parecem distantes. Por exemplo: qualquer um pode ser tão rico e famoso quanto o Bill Gates, basta fundar uma empresa como a dele. A questão central é quão fácil ou difícil é tomar certas escolhas para si.
A proposta do texto é incentivar uma discussão em torno de como fazer as pessoas não optarem pelo crime, e não impor a ideia conformista de que as coisas são do jeito que são e nada pode ser feito.

Referências:


Fonte: medium.com