sábado, 22 de março de 2014

Dez razões para não ter saudades da ditadura



1. Tortura e ausência de direitos humanos

As torturas e assassinatos foram a marca mais violenta do período da ditadura. Pensar em direitos humanos era apenas um sonho. Havia até um manual de como os militares deveriam  torturar para extrair confissões, com práticas como choques, afogamentos e sufocamentos.
Os direitos humanos não prosperavam, já que tudo ocorria nos porões das unidades do Exército.
"As restrições às liberdades e à participação política reduziram a capacidade cidadã de atuar na esfera pública e empobreceram a circulação de ideias no país", diz o diretor-executivo da Anistia Internacional Brasil, Atila Roque. 
Sem os direitos humanos, as torturas contra os opositores ao regime prosperaram. Até hoje a Comissão Nacional de Verdade busca dados e números exatos de vítimas do regime. 
"Os agentes da ditadura perpetraram crimes contra a humanidade --tortura, estupro, assassinato, desaparecimento-- que vitimaram opositores do regime e implantaram um clima de terror que marcou profundamente a geração que viveu o período mais duro do regime militar", afirma. 
Para Roque, o Brasil ainda convive com um legado de "violência e impunidade" deixado pela militarização. "Isso persiste em algumas esferas do Estado, muito especialmente nos campos da justiça e da segurança pública, onde tortura e execuções ainda fazem parte dos problemas graves que enfrentamos", complementa.

2. Censura e ataque à imprensa

Uma das marcas mais conhecidas da ditadura foi a censura. Ela atingiu a produção artística e controlou com pulso firme a imprensa. 
Os militares criaram o "Conselho Superior de Censura", que fiscalizava e enviava ao Tribunal da Censura os jornalistas e meios de comunicação que burlassem as regras. Os que não seguissem as regras e ousassem fazer críticas ao país, sofriam retaliação --cunhou-se até o slogan "Brasil, ame-o ou deixe-o." 
Não são raras histórias de jornalistas que viveram problemas no período. "Numa visita do presidente (Ernesto) Geisel a Alagoas, achamos de colocar as manchetes no jornalismo da TV: 'Geisel chega a Maceió; Ratos invadem a Pajuçara'. Telefonaram da polícia para o Pedro Collor [então diretor do grupo] e ele nos chamou na sala dele e tivemos que engolir o afastamento do jornalista Joaquim Alves, que havia feito a matéria dos ratos", conta o jornalista Iremar Marinho, citando que as redações eram visitadas quase que diariamente por policiais federais. 
Para cercear o direito dos jornalistas, foi criada, em 1967, a Lei de Imprensa. Ela previa multas pesadas e até fechamento de veículos e prisão para os profissionais. A lei só foi revogada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2009
Muitos jornalistas sofreram processos com base na lei mesmo após a redemocratização. "Fui processado em 1999 porque publiquei declaração de Fulano contra Beltrano. A Lei de Imprensa da Ditadura permitia isso: punir o mensageiro, que é o jornalista", conta o jornalista e blogueiro do UOLMário Magalhães

3. Amazônia e índios sob risco 

No governo militar, teve início um processo amplo de devastação da Amazônia. O general Castelo Branco disse, certa vez, que era preciso "integrar para não entregar" a Amazônia. A partir dali, começou o desmatamento e muitos dos que se opuseram morreram.
"Ribeirinhos, índios e quilombolas foram duramente reprimidos tanto ou mais que os moradores das grandes cidades", diz a jornalista paraense e pesquisadora do tema, Helena Palmquist.
A ideia dos militares era que Amazônia era "terra sem homens", e deveria ser ocupada por "homens sem terra do Nordeste." Obras como as usinas hidrelétricas de Tucuruí e Balbina também não tiveram impactos ambientais ou sociais previamente analisados, nem houve compensação aos moradores que deixaram as áreas alagadas. Até hoje, milhares que saíram para dar lugar às usinas não foram indenizados.
A luta pela terra foi sangrenta. "Os Panarás, conhecidos como índios gigantes, perderam dois terços de sua população com a construção da BR-163 --que liga Cuiabá a Santarém (PA). Dois mil Waimiri-Atroaris, do Amazonas, foram assassinados e desaparecidos pelo regime militar para as obras da BR-174. Nove aldeias desse povo desapareceram e há relatos de que pelo menos uma foi bombardeada com gás letal por homens do Exército", afirma.

4. Baixa representação política e sindical

Um dos primeiros direitos outorgados aos militares na ditadura foi a possibilidade do governo suspender os direitos políticos do cidadão. Em outubro de 1965, o Ato Institucional número 2 acabou com o multipartidarismo e autorizou a existência de apenas dois: a Arena, dos governistas, e o MDB, da oposição.
O problema é que existiam diversas siglas, que tiveram de ser aglutinadas em um único bloco, o que fragilizou a oposição. "Foi uma camisa-de-força que inibiu, proibiu e dificultou a expressão político-partidária. A oposição ficou muito mal acomodada, e as forças tiveram que conviver com grandes contradições", diz o cientista político da Universidade Federal de Pernambuco, Michael Zaidan.
As representações sindicais também foram duramente atingidas por serem controladas com pulso forte pelo Ministério do Trabalho. Isso gerou um enfraquecimento dos sindicatos, especialmente na primeira metade do período de repressão. 
"Existiam as leis trabalhistas, mas para que elas sejam cumpridas, com os reajustes, é absolutamente necessário que os sindicatos judicializem, intervenham para que os patrões respeitem. Essas liberdades foram reprimidas à época. Os sindicatos eram compostos mais por agentes do governo que trabalhadores", lembra Zaidan.

5. Saúde pública fragilizada

Se a saúde pública hoje está longe do ideal, ela ainda era mais restrita no regime militar. O Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) era responsável pelo atendimento, com seus hospitais, mas era exclusivo aos trabalhadores formais. 
"A imensa maioria da população não tinha acesso", conta o cardiologista e sindicalista Mário Fernando Lins, que atuou na época da ditadura. Surgiu então a prestação de serviço pago, com hospitais e clínicas privadas.
"Somente após 1988 é que foi adotado o SUS (Sistema Único de Saúde), que hoje atende a uma parcela de 80% da população", diz Lins.
Em 1976, quase 98% das internações eram feitas em hospitais privados. Além disso, o modelo hospitalar adotado fez com a que a assistência primária fosse relegada a um segundo plano. Não existiam planos de saúde, e o saneamento básico chegava a poucas localidades. "As doenças infectocontagiosas, como tuberculose, eram fonte de constante preocupação dos médicos", afirma Lins. 
Segundo estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), "entre 1965/1970 reduz-se significativamente a velocidade da queda [da mortalidade infantil], refletindo, por certo, a crise social econômica vivenciada pelo país". 

6. Linha dura na educação 

A educação brasileira passou por mudanças intensas na ditadura. "O grande problema foi o controle sobre informações e ideologia, com o engessamento do currículo e da pressão sobre o cotidiano da sala de aula", sintetiza o historiador e professor da Universidade Federal de Alagoas, Luiz Sávio Almeida. 
As disciplinas de filosofia e sociologia foram substituídas pela de OSPB (Organização Social e Política Brasileira, carascterizada pela transmissão da ideologia do regime autoritário, exaltando o nacionalismo e o civismo dos alunos e, segundo especialistas, privilegiando o ensino de informações factuais em detrimento da reflexão e da análise) e Educação, Moral e Cívica. Ao mesmo tempo, com o baixo índice de investimento na escola pública, as unidades privadas prosperaram.
Na área de alfabetização, a grande aposta era o Mobral (Movimento Brasileiro para Alfabetização), uma resposta do regime militar ao método elaborado pelo educador Paulo Freire, que ajudou a erradicar o analfabetismo no mundo na mesma época em que foi considerado "subversivo" pelo governo e exilado. Segundo o estudo "Mapa do Analfabetismo no Brasil", do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), do Ministério da Educação, o Mobral foi um "retumbante fracasso."
Os problemas também chegaram às universidades, com o afastamento delas dos centros urbanos e a introdução do sistema de crédito. "A intenção do regime era evitar aglomeração perto do centro, enquanto o sistema de crédito foi criado para dispersar os alunos e não criar grupos", diz  o historiador e vice-reitor do Fejal (Fundação Educacional Jayme de Altavila), Douglas Apratto.

7. Corrupção e falta de transparência 

No período da ditadura, era praticamente impossível imaginar a sociedade civil organizada atuando para controlar gastos ou denunciando corrupção. Não havia conselhos fiscalizatórios e, com a dissolução do Congresso Nacional, as contas públicas não eram analisadas, nem havia publicidade dos gastos públicos, como é hoje obrigatório.
"O maior antídoto da corrupção é a transparência. Durante a ditadura, tivemos o oposto disso. Os desvios foram muitos, mas acobertados pela força das baionetas", afirma o juiz e um dos autores da Lei da Ficha Limpa, Márlon Reis. 
Reis afirma que, ao contrário dos anos de chumbo, hoje existem órgãos fiscalizatórios, imprensa e oposição livres e maior publicidade dos casos. "Estamos muito melhor agora, pois podemos reagir", diz.
Outro ponto sempre questionado no período de ditadura foram os recursos investidos em obras de grande porte, cujos gastos eram mantidos em sigilo. 
"Obras faraônicas como Itaipu, Transamazônica e Ferrovia do Aço, por exemplo, foram realizadas sem qualquer possibilidade de controle. Nunca saberemos o montante desviado", disse Reis. "Durante a ditadura, a corrupção não foi uma política de governo, mas de Estado, uma vez que seu principal escopo foi a defesa de interesses econômicos de grupos particulares."

8. Nordeste mais pobre e migração

A consolidação do Nordeste como região mais pobre do país teve grande participação do governo do militares. "Nenhuma região mudou tanto a economia como o Nordeste", diz o doutor em economia regional Cícero Péricles Carvalho, professor da Universidade Federal de Alagoas. 
Com as políticas adotadas, a região teve um crescimento da pobreza. "Terminada a ditadura, o Nordeste mantinha os piores indicadores nacionais de índices de esperança de vida ao nascer, mortalidade infantil e alfabetização. Entre 1970 e 1990, o número de pobres no Nordeste aumentou de 19,4 milhões para 23,7 milhões, e sua participação no total de pobres do país subiu de 43% para 53%", afirma Péricles
O crescimento urbano registrado teve como efeito colateral a migração desregulada. "O modelo urbano-industrial reduziu as atividades agropecuárias, que eram determinantes na riqueza regional, com 41% do PIB, para apenas 14% do total em 1990", diz Péricles. 
Enquanto o campo era relegado, as atividades urbanas saltaram, na área industrial, de 12% para 28% e, na área do comércio e serviços, de 47% para 58%. 
"A migração gerou mais pobreza nas cidades, sem diminuir a miséria no campo. A população do campo reduziu-se a um terço entre 1960 e 1990", acrescenta Péricles. 

9. Desigualdade: bolo cresceu, mas não foi dividido

"É preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo". A frase do então ministro da Fazenda Delfim Netto é, até hoje, uma das mais lembradas do regime militar. Mas o tempo mostrou que o bolo cresceu, sim, ficou conhecido como "milagre brasileiro", mas poucos comeram fatias dele.
A distribuição de renda entre os estratos sociais ficou mais polarizada durante o regime: os 10% dos mais ricos que tinham 38% da renda em 1960 e chegaram a 51% da renda em 1980. Já os mais pobres, que tinham 17% da renda nacional em 1960, decaíram para 12% duas décadas depois.
Assim, na ditadura houve um aumento das desigualdades sociais. "Isso levou o país ao topo desse ranking mundial", diz o professor de Economia da Universidade Federal de Alagoas, Cícero Péricles.
Entre 1968 e 1973, o Brasil cresceu acima de 10% ao ano. Mas, em contrapartida, o salário mínimo --que vinha recuperando o poder de compra nos anos 1960-- perdeu com o golpe. "Em 1974, em pleno 'milagre', o poder de compra dele representava a metade do que era em 1960", acrescenta Péricles. 
"As altas taxas de crescimento significavam mais oportunidades de lucros altos, renda e crédito para consumo de bens duráveis; para os mais pobres, assalariados ou informais, restava a manutenção de sua pobreza anterior", explica o economista. 

10. Precarização do trabalho

Apesar de viver o "milagre brasileiro", a ditadura trouxe defasagem aos salários dos trabalhadores. "Nossa última ditadura cívico-militar foi, em certo ponto, economicamente exitosa porque permitiu a asfixia ao trabalho e, por consequência, a taxa salarial média", diz o doutor em ciências sociais e blogueiro do UOLLeonardo Sakamoto.
Na época da ditadura, a lei de greve, criada em 1964, sujeitava as paralisações de trabalhadores  à intervenção do Poder Executivo e do Ministério Público. "Ir à Justiça do Trabalho para reclamar direitos era possível, mas pouco usual e os pedidos eram minguados", explica Sakamoto.
"Nada é tão atrativo ao capital do que a possibilidade de exercício de um poder monolítico, sem questionamentos", diz Sakamoto, que cita a asfixia dos sindicatos, a falta de liberdade de imprensa e política foram "tão atraentes a investidores que isso transformou a ditadura brasileira e o atual regime político e econômico chinês em registros históricos de como crescimento econômico acelerado e a violência institucional podem caminhar lado a lado".

Fonte: Uol

quinta-feira, 20 de março de 2014

O capitalismo global está destruindo a raça humana



Fora as armas nucleares, o capitalismo é a maior ameaça que a humanidade já enfrentou. Ele levou a ganância a um patamar de força determinante na História
Por Paul Craig Roberts, em Institute for Political Economy | Reproduzido em Carta Maior
A teoria econômica ensina que os movimentos financeiros a preços e lucros livres garantem que o capitalismo produz o maior bem-estar para o maior número de pessoas. Perdas indicam atividade econômica em que os custos excedem o valor da produção, de modo que investimentos nestas áreas devem ser restritos. Lucros indicam atividades em que o valor de produção excede o custo, que fazem o investimento crescer. Os preços indicam a escassez relativa e o valor das entradas e saídas, servindo assim para organizar a produção mais eficientemente.
Essa teoria nao é o que funciona quando o governo dos EUA socializa custos e privatiza lucros, como vem sendo feito com o apoio do Banco Central aos bancos “grandes demais para quebrarem” e quando um punhado de instituições financeiras concentram tamanha atividade econômica. Bancos “privados” subsidiados não são diferentes das outrora publicamente subsidiadas indústrias da Grã Bretanha, França, Itália e dos países então países comunistas. Os bancos impuseram os custos de sua incompetência, ganância e corrupção sobre os contribuintes.
Na verdade, as empresas socializadas na Inglaterra e na França eram dirigidas mais eficientemente, e nunca ameaçavam as economias nacionais, menos ainda o mundo inteiro de ruína, como os bancos privados dos EUA, os “grande demais para quebrar” o fazem.  Os ingleses, franceses e os comunistas nunca tiveram 1 bilhão de dólares anuais, para salvar um punhado de empresas financeiras corruptas e incompetentes.
Isso só ocorre no “capitalismo de livre mercado”, em que capitalsitas, com a aprovação da corrupta Suprema Corte dos EUA, pode comprar o governo, que os representa, e não o eleitorado. Assim, a tributação e o poder de criação de dinheiro do governo são usados para bancar poucas instituições financeiras às custas do resto do país. É isso o que significa “mercados autorregulados”.
Há muitos anos, Ralhp Gomery alertou que os danos para os trabalhadores estadunidenses dos empregos no exterior seria superado pela robótica. Gomery me disse que a propriedade de patentes tecnológicas é altamente concentrada e que as inovações tornaram os robôs cada vez mais humanos em suas capacidades. Consequentemente, a perspectiva para o emprego humano é sombria.
As palavras de Gomory reverberam em mim quando leio o informe da RT, de 15 de fevereiro último, com especialistas de Harvard que construíram máquinas móveis programadas com com termos lógicos de auto-organização e capazes de executarem tarefas complexas sem direção central ou controle remoto.
A RT não entende as implicações. Em vez de levantar uma bandeira vermelha, a RT se entusiasma: “as possibilidades são vastas. As máquinas podem ser feitas para construir qualquer estrutura tri-dimensional por si sós, e com mínima instrução. Mas o que é realmente impressionante é a sua capacidade de adaptação ao seu ambiente de trabalho e a cada um deles; para calcular perdas, reorganizar esforços e fazer ajustes. Já está claro que o desenvolvimento fará maravilhas para a humanidade no espaço, e em lugares de difícil acesso e em outras situações difíceis”.
Do modo como o mundo está organizado, sob poucos e imensamente poderosos e gananciosos interesses privados, a tecnologia nada fará pela humanidade. A tecnologia significa que os humanos não serão mais requeridos na força de trabalho e que os exércitos de robôs sem emoção tomarão o lugar dos exércitos humanos e não há qualquer remorso quanto a destruir os humanos que os desenvolveram. O quadro que emerge é mais ameaçador que as previsões de Alex Jones. Diante da pequena demanda por trabalho humano, muito poucos pensadores preveem que os ricos pretendem aniquilar a raça humana e viver num ambiente dentre poucos, servidos por seus robôs. Se essa história ainda não foi escrita como ficção científica, alguém deveria se dedicar a fazê-lo, antes que se torne algo comum da realidade.
Os cientistas de Harvard estão orgulhosos de sua conquista, assim como sem dúvida estavam os participantes do Projeto Manhattan, em relação à conquista por terem produzido uma arma nuclear. Mas o sucesso dos cientistas do Projeto Manhattan não foi muito bom para os residentes de Hiroshima e Nagasaki, e a perspectiva de uma guerra nuclear continua a lançar uma nuvem negra sobre o mundo.
A tecnologia de Harvard provará que é inimiga da raça humana. Esse resultado não é necessário, mas os ideólogos do livre mercado pensam que qualquer planejamento ou antecipação é uma interferência no mercado, que sempre sabe melhor (daí a atual crise financeira e econômica). A ideologia do livre mercado alia-se ao controle social e serve a interesses de curto prazo de gananciosos grupos privados. Em vez de ser usada para a humanidade, a tecnologia será usada para o lucro de um punhado.
Essa é a intenção, mas qual é a realidade? Como pode haver uma economia de consumo se não há emprego? Não pode, que é o que estamos aprendendo gradativamente com a exportação de empregos pelas corporações globais, para o exterior. Por um período limitado uma economia pode continuar a funcionar na base de empregos de meio turno, rebaixamento de salários, cartões de benefícios sociais – de segurança alimentar e auxílio-desemprego.
Quando a poupança cai, no entanto, quando os políticos sem coração que demonizam os pobres cortam esses benefícios, a economia deixa de produzir mercado para consumir os bens importados que as corporações trazem para vender.
Aqui vemos o fracasso total da mão invisível de Adam Smith. Cada corporação em busca de vantagens gerenciais maiores, determinadas pelos lucros obtidos em parte pela produção da destruição do mercado consumidor dos EUA e da miséria maior de todos.
A economia smithiana aplica-se a economias nas quais os capitalistas têm algum sentido de vida comum com outros cidadãos do país, como o tinha Henry Ford.
Algum tipo de pertencimento a um país ou a uma cidade. A globalização destrói esse sentido. O capitalismo evoluiu ao ponto em que os interesses econômicos mais poderosos, os interesses que controlam o próprio governo, não têm sentido de obrigação com o país nos quais seus negócios estão registrados. Fora as armas nucleares, o capitalismo é a maior ameaça que a humanidade já teve diante de si.
O capitalismo internacional levou a ganância a um patamar de força determinante da história. O capitalismo desregulado e dirigido pela ganância está destruindo as perspectivas de emprego no mundo desenvolvido e no mundo em desenvolvimento, cujas agriculturas se tornaram monoculturas para exportação a serviço dos capitalistas globais, para alimentarem a si mesmos. Quando vier a quebradeira, os capitalistas deixarão “a outra” humanidade à míngua.
Enquanto isso, os capitalistas declaram, em seus encontros de cúpula, “que há muita gente no mundo”.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Rocinha, terra sem lei

Favela da Rocinha. Foto: Roberto Neves
Favela da Rocinha. Foto: Roberto Neves

Diferente da promessa de pacificação feita pelo Governo do Estado, Sérgio Cabral Filho, a Rocinha se encontra numa situação delicada, onde os moradores permanecem reféns da violência, talvez, mais do que antes.
A cinematográfica ocupação militar – vendida pela grande mídia como um sonho de liberdade para as comunidades sob o domínio do poder paralelo – trouxe consigo a esperança de dias melhores para muitos moradores, que acreditavam que essa iniciativa seria a primeira etapa, feita pelo Estado, para retomar um território periférico antes entregue à própria sorte.
Passado o processo de ocupação militar e instalada a UPP na comunidade, os moradores perceberam que ainda estão à mercê da própria sorte. A polícia que deveria proteger a população é a principal acusada do caso Amarildo – desaparecido desde uma abordagem feita por policiais da unidade comunitária.
Depois das acusações de tortura e assassinato de Amarildo outras pessoas tomaram coragem e tornaram público a prática de tortura na rotina policial na comunidade. Em tempos que muito se propaga os direitos do cidadão e a democracia, a Rocinha, assim como outras favelas que receberam intervenção militar, revive tempos da ditadura.
Paralelo aos problemas de conduta da polícia, os conflitos se intensificaram entre os becos da favela. A situação de instabilidade na Rocinha é um reflexo da realidade nos territórios ditos pacificados: O crime organizado não foi desarticulado.
O medo assombra os moradores de áreas da comunidade que passaram a conviver com o risco de ser mais um na estatística de vitimas de bala perdida, ocasionadas por essa guerra urbana que parece não ter fim.
A violência na Rocinha vai além dos enfrentamentos entre polícia e bandido. No dia 5 de março, mais uma vítima de violência sexual foi encontrada morta. É o segundo caso em menos de seis meses.
Dessa vez, a vitima foi Gleice Oliveira, com idade de 18 anos, que estava desaparecida desde segunda-feira (3/3). Ela foi encontrada morta no banheiro de um bar localizado na Cachopa. A polícia investiga o caso para encontrar o autor do crime.
Gleice Oliveira. Foto extraída de página pessoal em rede social
Gleice Oliveira. Foto extraída de
página pessoal em rede social
Casos como esse levantam questionamentos do tipo: Por que antes da “pacificação” não era comum esse tipo de crime? Curiosamente, quando o poder paralelo era absoluto na comunidade, estabelecia regras (leis) de convivências que eram respeitadas por consequência das punições rigorosas.
Com a entrada do Estado, representado unicamente pela UPP, essas regras deixaram de existir. O problema não está na presença do Estado, e sim na sua ausência. A permanência da polícia, que deveria ser pacificadora, é apenas parcial…para fazer uma maquiagem social.
A falta de policiamento ostensivo faz da comunidade uma terra sem lei: nem o tráfico impõem suas regras e nem o Estado faz valer a lei e os direitos para assegurar um mínimo de segurança ao indivíduo favelado – tendo como resultado, uma barbárie como essa. Fica a ressalva, que estamos refletindo aqui – especificamente – a instituição militar urbana, sem levar em consideração outras instituições essenciais para uma vida social digna.
É importante questionarmos: para quê ou para quem está servindo essas intervenções políticas que não melhoraram em nada a vida na comunidade?

Fonte: Fazendo Média

terça-feira, 18 de março de 2014

Sobre crianças e mentes colonizadas

140317-criança


Ao formar consumidores precoces, publicidade infantil inibe outras maneiras de socialização e sugere: relações humanas precisam ser validadas por mercadorias…
Por Lais Fontenelle
No dia 15 de março comemorou-se o Dia Internacional dos Direitos do Consumidor. Nessa mesma data, em 1962, o então presidente dos EUA, John F. Kennedy, enviou uma mensagem ao congresso norte-americano chamando atenção da sociedade para garantias básicas, até então pouco conhecidas e negligenciadas como o direito de proteção contra propagandas e embalagens fraudulentas, o direito de escolha e informação frente aos produtos e o direito de ser ouvido.
A mensagem deixava evidente a urgência da questão. Porém, a primeira comemoração da data se deu em 1983, e foi somente dois anos depois que a ONU reconheceu os direitos dos consumidores, legitimando internacionalmente a causa. Já no Brasil, o Código de Defesa do Consumidor, um dos mais completos e ousados do mundo, entrou em vigência em 1990, dois anos após a promulgação da atual Constituição Federal, e pode ser visto como resposta do poder público aos anseios da sociedade civil em relação aos avanços desgovernados da sociedade de consumo.
Curiosamente, é também dos anos 90 que muitos autores datam a crise conceitual da infância, pois foi quando as crianças, historicamente vistas e tratadas como um vir a serque precisavam ser preparadas para o mundo adulto, foram elevadas pelo mercado ao status de consumidoras – antes mesmo de poderem exercer plenamente sua cidadania. Tidas até então como filhas de cliente, as crianças passaram a ser consideradas como consumidoras finais, tornando-se um alvo importante do mercado de consumo de produtos e serviços – um potencial nicho comercial.
Foi nesse contexto que a publicidade dirigida às crianças entrou em cena com grande força. Passou a endereçar ao público infantil mensagens de apelo ao consumo, que se aproveitam da vulnerabilidade infantil para vender. Tornou-se, segundo pesquisa da Intersciense, de 2003, a principal influência de compras dos produtos infantis com embalagens e personagens famosos. Hoje, contudo, a publicidade não endereça às crianças somente mensagens de produtos infantis, mas também de objetos adultos. Isso deve-se ao fato deste público estar sendo encarado pelo mercado como porta de entrada para a influência nos hábitos de consumo de toda a família.
Dados mundiais a esse respeito apontam que a influência das crianças nas compras realizadas pela família chega a 80% em relação a tudo o que é consumido, inclusive em relação a bens e serviços de interesse exclusivo dos adultos, como, por exemplo, marcas de automóvel, imóveis, produtos de limpeza etc. No Brasil, só a moda infanto-juvenil movimenta a soma anual de R$10 bilhões, o que corresponde a um terço de toda a roupa consumida no país.
A partir desses dados podemos dizer que o mercado enxergou nas crianças uma rentável fonte de lucros, já que quanto mais cedo você fideliza a criança a uma marca, mais chances tem dela ser fiel à mesma do berço ao túmulo, como dizem os publicitários. Assim, aproveitando-se da fragilidade e vulnerabilidade infantil, o mercado passou, então, não somente a atrair os olhares das crianças, como a dirigir-se diretamente a elas com peças publicitárias feitas “sob medida”.
Não foi à toa, portanto, que o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro previu proteger as crianças de apelos de consumo, instituindo no Art. 37: “É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva (…)”, e explicando no seu parágrafo§2º que “É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. (…)”.
As crianças são convidadas pela publicidade – que lhes é ilegalmente dirigida – a ingressar cada vez mais cedo no complexo mundo adulto do consumo. A lógica do consumo domina as relações infantis e acaba restringindo a criatividade e as trocas afetivas das crianças, além de queimar etapas importantíssimas do seu desenvolvimento.
A criança será, em função do tempo em que vivemos, uma consumidora no futuro. Logo, além de protegê-la legalmente da comunicação mercadológica, como já fizeram 28 países do mundo, incluindo os dez com melhor qualidade de vida –,precisamos prepará-la para que seja uma cidadã e consumidora consciente e responsável. Isso é feito com Educação, principal ferramenta no processo de transformação social. Lembre-se: educar, assim como consumir, é um ato político.
Precisamos começar a educar nossas crianças para que tenham responsabilidade ao comprar. O direito à educação para um consumo consciente é não só um desafio, como também a solução para os problemas morais e ambientais de nossos tempos.
O principal direito das crianças é o direito à infância. Pensemos no direito de escolha e de proteção de nossas crianças frente ao bombardeio publicitário que as convida a tornar-se adultas antes do tempo. Elas são o prefácio para um mundo mais ético e sustentável, e têm nas mãos o poder de reinventar as relações de consumo. Tudo depende de vontade política e atuação conjunta em duas frentes: regulação e educação.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Indicadores econômicos e sociais de Cuba que você não vê na mídia corporativa




Abaixo algumas informações sobre as conquistas da Revolução Cubana. Esses indicadores econômicos e sociais de Cuba foram divulgados em artigo recente do francês Salim Lamrani.

- Cuba dispõe da taxa de mortalidade infantil (4,6 por mil) mais baixa do continente americano – incluindo Canadá e EUA – e do terceiro mundo.

- A American Association for World Health, cujo presidente de honra é Jimmy Carter, aponta que o sistema de saúde de Cuba é “considerado de modo uniforme como o modelo preeminente para o terceiro mundo”.

- A American Association for World Health aponta que “não há barreiras raciais que impeçam o acesso à saúde” e ressalta “o exemplo oferecido por Cuba, o exemplo de um país com a vontade política de fornecer uma boa atenção médica a todos os cidadãos”.

- Com um médico para cada 148 habitantes (78.622 no total), Cuba é, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a nação melhor dotada do mundo neste setor.

- Segundo a New England Journal of Medicine, a mais prestigiada revista médica do mundo, “o sistema de saúde cubano parece irreal. Há muitos médicos. Todo mundo tem um médico de família. Tudo é gratuito, totalmente gratuito […]. Apesar do fato de que Cuba dispõe de recursos limitados, seu sistema de saúde resolveu problemas que o nosso [dos EUA] não conseguiu resolver ainda. Cuba dispõe agora do dobro de médicos por habitante do que os EUA.

- Segundo o Escritório de Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Cuba é o único país da América Latina e do Terceiro Mundo que se encontra entre as dez primeiras nações do mundo com o melhor Índice de Desenvolvimento Humano sobre três critérios, expectativa de vida, educação e nível de vida durante a última década.

- Segundo a Unesco, Cuba dispõe da taxa de analfabetismo mais baixa e da taxa de escolarização mais alta da América Latina.

- Segundo a Unesco, um aluno cubano tem o dobro de conhecimentos do que uma criança latino-americana. O organismo enfatiza que “Cuba, ainda que seja um dos países mais pobres da América Latina, dispõe dos melhores resultados quanto à educação básica”.

- Um informe da Unesco sobre a educação em 13 países da América Latina classifica Cuba como a primeira em todos os aspectos.

- Segundo a Unesco, Cuba ocupa o décimo sexto lugar do mundo – o primeiro do continente americano – no Índice de Desenvolvimento da Educação para todos (IDE), que avalia o ensino primário universal, a alfabetização dos adultos, a paridade e a igualdade dos sexos, assim como a qualidade da educação. A título de comparação, EUA está classificado em 25° lugar.

- Segundo a Unesco, Cuba é a nação do mundo que dedica a parte mais elevada do orçamento nacional à educação, com cerca de 13% do PIB.

- A Escola Latino-americana de Medicina de Havana é uma das mais prestigiadas do continente americano e já formou dezenas de milhares de profissionais da saúde de mais de 123 países do mundo.

- O Unicef enfatiza que “Cuba é um exemplo na proteção da infância”.

- Segundo Juan José Ortiz, representante da Unicef em Havana, em Cuba “não há nenhuma criança nas ruas. Em Cuba, as crianças ainda são uma prioridade e, por isso, não sofrem as carências de milhões de crianças da América Latina, que trabalham, são exploradas ou caem nas redes de prostituição”.

- Segundo o Unicef, Cuba é um “paraíso para a infância na América Latina”.

- O Unicef ressalta que Cuba é o único país da América Latina e do terceiro mundo que erradicou a desnutrição infantil.

- A organização não governamental Save the Children coloca Cuba no primeiro lugar entre os países em desenvolvimento no quesito condições de maternidade, à frente de Argentina, Israel ou Coreia do Sul.

- A primeira vacina do mundo contra o câncer de pulmão, a Cimavax-EGF, foi elaborada por pesquisadores cubanos do Centro de Imunologia Molecular de Havana.

- Desde 1963, com o envio da primeira missão médica humanitária à Argélia, cerca de 132 mil médicos cubanos e outros profissionais da saúde colaboram voluntariamente em 102 países.

- Ao todo, os médicos cubanos atenderam mais de 85 milhões de pessoas e salvaram 615 mil vidas em todo o planeta.

- Atualmente, 38.868 colaboradores sanitários cubanos, entre eles 15.407 médicos, oferecem seus serviços em 66 nações.

- Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) “um dos exemplos mais exitosos da cooperação entre os cubanos com o Terceiro Mundo tem sido o Programa Integral de Saúde América Central, Caribe e África”.

- Em 2012, Cuba formou mais de 11 mil novos médicos: 5.315 são cubanos e 5.694 são de 69 países da América Latina, África, Ásia… e inclusive dos Estados Unidos.

- Em 2005, com a tragédia causada pelo furacão Katrina em Nova Orleans, Cuba ofereceu a Washington 1.586 médicos para atender as vítimas, mas o presidente da época, George W. Bush, rejeitou a oferta.

- Segundo Elías Carranza, diretor do Instituto Latinoamericano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, Cuba erradicou a exclusão social graças “a grandes conquistas na redução da criminalidade”. Trata-se do “país mais seguro da região, [enquanto que] a situação em relação aos crimes e à falta de segurança em escala continental se deteriorou nas últimas três décadas com o aumento do número de mortes nas prisões e no exterior”.

- Em relação ao sistema de Defesa Civil cubano, o Centro para a Política Internacional de Washington, dirigido por Wayne S. Smith, ex-embaixador norte-americano em Cuba, aponta em um informe que “não há nenhuma dúvida quando à eficiência do sistema cubano. Apenas alguns cubanos perderam a vida nos 16 furacões mais importantes que atingiram a ilha na última década, e a propabilidade de se perder a vida em um furacão nos EUA é 15 vezes maior do que em Cuba”.

- O informe da ONU sobre “O estado da insegurança alimentar no mundo 2012” aponta que os únicos países que erradicaram a fome na América Latina são Cuba, Chile, Venezuela e Uruguai.

- Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), “as medidas aplicadas por Cuba na atualização de seu modelo econômico com vistas a conseguir a soberania alimentar podem se converter em um exemplo para a humanidade”.

- Segundo o Banco Mundial, “Cuba é reconhecida internacionalmente por seus êxitos no campo da educação e da saúde, com um serviço social que supera o da maioria dos países em vias de desenvolvimento e, em alguns setores, é comparável ao de países desenvolvidos”.

- O Fundo das Nações Unidas para a População salienta que Cuba “adotou, há mais de meio século, programas sociais muito avançados, que permitiram ao país alcançar indicadores sociais e demográficos comparáveis aos dos países desenvolvidos”.

- Desde 1959, e da chegada de Fidel Castro ao poder, nenhum jornalista foi assassinado em Cuba. O último que perdeu a vida foi Carlos Bastidas Argüello, assassinado pelo regime militar de Batista em 13 de maio de 1958.

- Segundo o informe de 2012 da Anistia Internacional, Cuba é um dos países da América que menos viola os direitos humanos.

- Segundo a Anistia Internacional, as violações de direitos humanos são mais graves nos EUA do que em Cuba.

- Segundo a Anistia Internacional, atualmente, não há nenhum preso político em Cuba.

- O único país do continente americano que não mantém relações diplomáticas e comerciais normais com Cuba são os EUA.

domingo, 16 de março de 2014

Os traficantes malvados e a cerveja de milho


Já provou cerveja de milho? Se você já bebeu Bohemia, Skol, Antarctica ou Nova Schin, por exemplo, a resposta é sim. Todas elas levam na sua receita até 45% de milho – substituto barato da cevada maltada, ingrediente da receita original desta nobre bebida. Já se sabe dessa malandragem pelo menos desde o ano passado, quando uma pesquisa da USP e da Unicamp analisou as cervejas brasileiras e constatou que as cervejarias nacionais usam nos seus produtos quase 45% de milho, limite máximo permitido por lei. A novidade, noticiada pela Folha, é que as cervejarias estão batalhando para colocar ainda mais milho na sua cerveja – até 50%. Seria a verdadeira cerveja de maizena.
A cerveja é a bebida mais antiga que a humanidade produziu. E ela sempre foi feita de cevada, primeiro cereal que o homem plantou e colheu. E esse pioneirismo do grão talvez não seja coincidência – estudiosos da revolução do neolítico (período em que desenvolvemos a agricultura, há de 10 mil anos), consideram a hipótese de o homem ter desenvolvido as primeiras técnicas agrícolas justamente para fabricar cerveja. Se você leu o Almanaque das Drogas, já sabe disso. Na era medieval, a Europa começou a ter problema de intoxicação por causa de cervejas feitas com ingredientes duvidosos e monges alemães que fabricavam cerveja baixaram um decreto com os ingredientes essenciais e obrigatórios da cerveja – e lá estava o malte de cevada como único grão aceito. É dele que vem o açúcar que as leveduras usam na fermentação para produzir álcool e gás carbônico. Quando se muda o grão que as leveduras “comem”, muda também o sabor do produto final.
Os mestres cervejeiros daqui apelam para essa mistura porque a produção de cevada brasileira é pequena, e nosso know how sobre o processo de maltagem é baixo. Então praticamente todo malte usado em nossas cervejas é importado e, logo, caro. Então eles colocam milho para deixar a cerveja mais barata. Uma grande sacanagem com o consumidor. Porque cerveja com mais milho é menos cerveja. Não tem saída, ela fica diferente mesmo. Só não dá para dizer que fica pior porque tem gosto para tudo – quem sabe você não gosta mesmo é do fermentado de milho?
A sacanagem é ainda mais cruel se levarmos em conta algumas questões econômicas. A primeira é que já pagamos um preço absurdamente caro por uma garrafa de cerveja. Em São Paulo e Rio de Janeiro não é difícil achar um bar que venda 600 ml por R$ 8. A outra questão é que a Ambev, produtora das marcas mais vendidas do país, é dona da 4a maior margem de lucro sobre a venda entre as empresas brasileiras. De cada R$ 100 vendidos pela cervejeira, R$ 49,80 é lucro.*
Isso quer dizer que eles não precisam piorar a cerveja para manter seu negócio lucrativo. Os donos da Ambev são os homens mais ricos do país – Jorge Paulo Leman, sócio majoritário, tem uma fortuna de R$ 38 bilhões. Esses comerciantes de drogas poderiam ganhar um pouquinho menos por garrafa para manter nossa cerveja ruim como já é. Não precisava piorá-la. Mas eles preferem fazer isso a ganhar alguns centavos a menos. E ainda acham que só os fabricantes de drogas ilícitas é que são malvados e gananciosos, capazes de “malhar” seus produtos.
***
Agora que você sabe dessa história, confira as cervejas brasileiras feitas com malte de verdade.