quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Despesa militar global vai aumentar pela primeira vez desde 2009

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Esquerda - Em 2012, os Estados Unidos gastaram mais do que os dez países que se seguem na lista dos maiores orçamentos militares do mundo. E no ano passado a NATO foi responsável por 6 em cada 10 euros gastos em despesa militar.



Os números foram revelados pelo Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (SIPRI), uma das instituições mais prestigiadas no que toca à análise dos números do comércio de armas no mundo. De acordo com o site de notícias do Pentágono, os dados relativos a 2013 indicam uma despesa militar dos países da NATO de 744 mil milhões de euros, sendo que em 2012 foram gastos 1.27 biliões nos orçamentos de Defesa em todo o mundo.

Mas os cortes nos gastos militares em tempo de crise não vieram para ficar, já que o mesmo instituto prevê que este ano os orçamentos de defesa voltem a subir, o que não acontecia desde 2009. Segundo o portal "Rússia Hoje", o maior contributo para essa subida virá de Moscovo, que tem em marcha um programa de rearmamento e modernização das Forças Armadas, o maior desde a queda da União Soviética. O orçamento russo para a defesa vai disparar 13% em 2014 e serão investidos mais de 500 mil milhões de euros no setor até 2020. A par disso, as exportações de armamento russo continuam em alta, tendo como principais clientes a Índia, China, Vietname, Venezuela, Argélia e Malásia.

Se a Índia continua a ser o maior cliente de armamento da Rússia, ao fim de 40 anos Moscovo perdeu o lugar de principal fornecedor para os EUA. Em 2013, o governo indiano adquiriu 1385 milhões de euros em equipamento militar norte-americano, ultrapassando a Arábia Saudita como primeiro cliente. A informação é da consultora IHS, citada pelo portal indiano Business Standard. Também a China contraria a tendência de queda no investimento militar, prevendo-se que em 2015 gaste mais do que a soma da despesa militar alemã, francesa e britânica. Mas se russos e chineses lideram os investimentos militares a longo prazo, é no Médio Oriente que a despesa cresce mais rapidamente, diz o portal russo com base nos dados do SIPRI.

EUA gastam mais que o resto do "top 10" da despesa militar

Os dados do SIPRI relativos a 2012 indicam que os Estados Unidos sozinhos gastaram mais em Defesa do que a soma dos orçamentos militares da China, Rússia, Reino Unido, Japão, França, Arábia Saudita, Índia, Alemanha, Itália e Brasil - os países que se seguem aos EUA no ranking da despesa militar mundial. E no ano passado, a situação não foi diferente. Apesar dos cortes na despesa militar na maior parte dos países da NATO, a aliança liderada por Washington foi responsável por 60% da despesa militar global. E 70% da despesa militar dos 28 países da NATO tem origem nos EUA, que em 2013 lhe dedicaram 4.1% do PIB, cerca de 535 mil milhões de euros.


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Se o objetivo assumido pelos países da NATO era o de atribuir 2% do PIB para as suas forças armadas, houve alguns membros - como a Grécia, Reino Unido e Estônia - que também ultrapassaram esse valor de referência. Mesmo assim, os EUA gastaram em 2013 mais de dois terços das despesas totais da NATO, valor que inclui despesas com investigação ou pensões. Mas os cortes nas despesas militares em muitos países membros por causa da recessão econômica e a retirada das tropas da NATO do Afeganistão irão contribuir para a queda da despesa, contrabalançada pelo aumento da despesa militar em países como a Rússia e a China.

Em cada 10 euros de despesa militar no planeta, 6 foram gastos pelos países da NATO, um investimento que também se reflete no número de tropas. Com 3,37 milhões de militares ao seu serviço, a organização militar suplanta de longe a China (2,3 milhões) e a Rússia (766 mil). Para o diretor do departamento de análise de despesas militares do SIPRI, o desequilíbrio de forças só fica completo se juntarmos à NATO os países aliados dos EUA que estão na lista de maiores gastadores, como a Arábia Saudita ou Israel. "No que respeita à capacidade militar, os EUA e a NATO irão permanecer sem rival num futuro próximo", diz Samuel Perlo-Freeman.

Fonte: Diário Liberdade

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O bloco dos Desobedientes

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POR PABLO ORTELLADO 

A trágica morte de Santiago Andrade está sendo mobilizada para que medidas mais duras sejam tomadas para reprimir as manifestações e o Black Bloc em particular. Mas haveria alguma relação entre a morte do cinegrafista e os Black Blocs?

Os dois manifestantes que assumiram a autoria do disparo do rojão já declararam que não participam do Black Bloc. Não obstante, o Black Bloc está no centro do discurso contra a violência nas manifestações. Mas de que forma e em que medida esses manifestantes são violentos?

A destruição de propriedade praticada pelo Black Blocs nasceu nos EUA a partir de um debate sobre os limites táticos da desobediência civil não violenta. A desobediência civil não violenta tinha se estabelecido como paradigma dos movimentos sociais daquele país desde a vitória do movimento pelos direitos civis nos anos 1960. A tática consistia em desobedecer a uma lei injusta e não reagir à violência do Estado que tentava defendê-la.

Assim, no movimento pelos direitos civis dos negros, as imagens divulgadas pela imprensa de manifestantes de uma causa justa sofrendo a repressão violenta do Estado geraram indignação da opinião pública, que pressionou pelo fim da segregação racial.

Nos anos 1990, uma parte do movimento social norte-americano entendia que essa tática já não funcionava porque os meios de comunicação tinham se tornado insensíveis à violência policial. Sem a cobertura da violência da polícia, não havia como os ativistas sensibilizarem a opinião pública.

Foi assim que alguns deles decidiram importar da Europa o conceito do Black Bloc (grupos de autodefesa dos movimentos sociais na Alemanha) e ressignificá-lo à luz do debate norte-americano.

Os Black Blocs nos Estados Unidos se voltaram então para a destruição de propriedade privada de grandes empresas transnacionais com o intuito de recapturar a atenção dos meios de comunicação e comunicar seu repúdio ao neoliberalismo, no contexto da luta contra os acordos de livre-comércio.

É preciso enfatizar que havia o entendimento por parte deles de que essa destruição de propriedade não rompia totalmente com a tradição de não violência, já que a destruição era orientada a coisas e não a pessoas. Na verdade, a tática era frequentemente discutida na chave de uma intervenção autoexpressiva, na interface da política com a comunicação e a estética.

O sucesso parcial da tática, ao capturar a atenção da imprensa, fez com que ela se espalhasse pelo mundo.

Aqui, a tática tem sido empregada já há alguns anos segundo os princípios estabelecidos pelos primeiros Black Blocs norte-americanos: não atacar pessoas nem destruir propriedade dos pequenos comerciantes.

Até onde sei, há apenas duas pesquisas empíricas de maior fôlego sobre os Black Blocs no Brasil. Uma em São Paulo, conduzida pelos professores Rafael Alcadipani e Esther Solano, e outra em Belo Horizonte, pelo sociólogo Rudá Ricci. Ambas apontam que os manifestantes do Black Bloc entendem que a tática utilizada por eles é não violenta e de caráter fundamentalmente simbólico; entendem também que o ataque a pessoas e pequenos comércios deve ser condenado.

É por esse motivo que vincular a morte de Santiago aos Black Blocs não faz sentido, assim como não faz sentido tratar como uma violência da mesma natureza a destruição de vidraças de bancos e o ataque violento a seres humanos, parta ele de manifestantes ou da própria polícia.

Há pelo menos sete outros casos de cidadãos que, desde junho de 2013, morreram ao fugir de ataques da polícia a manifestantes. A imprensa quase não cobriu essas mortes — como se elas não existissem.

Há, na verdade, uma gradação de destaque na cobertura dos protestos: em primeiro lugar, a violência dos manifestantes; em seguida, a destruição de propriedade; por último, e nem sempre citados, a violência da polícia e a causa das manifestações. Essa desproporção está na raiz do fenômeno Black Bloc, que busca atrair a atenção dos meios de comunicação para comunicar uma insatisfação política.

A trágica morte de Santiago deve servir como oportunidade para refletirmos sobre a violência nos protestos, mas em todas as suas dimensões e expressões. A violência nas manifestações é um sistema no qual estão interligadas as ações dos manifestantes, a repressão policial e a cobertura dos meios de comunicação.

O que menos se compreende é que o destaque desigual dado à destruição de propriedade, à violência dos manifestantes e à violência da polícia seja um elemento central do problema.

Pablo Ortellado é professor e pesquisador da USP.


terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Lei antiterrorismo "é quase uma repetição da época da ditadura civil-militar", diz presidente do DHH


"O exemplo que temos de gente presa até hoje dói na carne. É o Rafael, um morador de rua, que carregava um pinho sol para higienizar o lugar em que ele dormia. Ele foi condenado a cinco anos. É isso que a gente quer? A gente tem que lembrar que polícia arbitrária é arbitrária para todos, essa polícia não serve a ninguém. Polícia que comete crime não presta, tem que ser evitada. Agora, pior é o governante que estimula a prática do crime", avalia o presidente do DHH

Por Cátia Guimarães,
João Tancredo é advogado e presidente do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (DDH), que tem atuado na defesa dos presos políticos das manifestações no Rio de janeiro.  Nesta entrevista, ele diz que a legislação brasileira atual dá conta de todos os crimes eventualmente cometidos nas manifestações e defende que o que está por trás da proposta de lei antiterrorismo, que tramita no Congresso Nacional, são os interesses econômicos ligados à Copa do Mundo.

Nos países em que existe alguma legislação específica sobre terrorismo, ela também vem como resultado de algum ato de comoção social, como a história da morte do Santiago Andrade?

Normalmente acontece a chamada legislação de ocasião. São leis criadas em decorrência de determinado fato e logo depois de comprova que isso é um equívoco. Inclusive, se você cria uma legislação que só tem a parte punitiva, ela tem vida útil muito curta.

O argumento que tem sido usado para a necessidade de criação de uma lei que tipifique o terrorismo é que os “vândalos” são presos mas não se consegue mantê-los presos porque não existe uma lei para enquadrá-los. Isso é verdade?

Não é verdade. O Brasil é um dos poucos países que têm lei para tudo. Então, basta usá-las. A questão é que eles querem uma legislação mais dura por conta da copa do mundo. Existem grupos econômicos poderosos que querem afastar as pessoas das ruas, de qualquer manifestação. Manifestante ser chamado de terrorista é um absurdo grande. Manifestante é manifestante. Agora, tem gente que é delinquente e aí o crime está lá previsto. Se cometeu algum crime previsto no código penal, tem que ser preso.  A legislação tem previsão para tudo. Não tem que criar mais nada, basta aplicar o existente.

Mas os parlamentares que defendem a nova lei garantem que ela não inibirá o direito de manifestação...

Há poucos dias, tentaram fazer uma legislação chamada crime do desaparecimento forçado. Desaparecimento forçado por agentes do Estado. Isso veio na esteira do Amarildo: de novo, são as histerias de momento para criar legislação para a época, que eu insisto que são um grande equívoco.Mas o que fizeram os senadores? Tiraram a expressão “agentes do Estado”. Qual era a intenção clara disso? Enquadrar qualquer pessoa que desapareça com outro naquele crime, que é um crime bárbaro, mais perverso de todos.  Na lei contra terrorismo, eles vão de certa maneira tentar criminalizar todo e qualquer movimento que seja contrário ao que está acontecendo: que reclame das despesas para a copa, peça mais saúde ou mais educação. O objetivo é criminalizar toda e qualquer pessoa. Esse é o nosso grande receio. O projeto de lei que o [José Mariano] Beltrame apresenta, por exemplo,  é quase uma repetição da época  da ditadura civil-militar. Bastava que se tivesse um pouco mais de decência para assumir que se está reeditando uma legislação muito atrasada. Hoje você enquadra: se alguém anda com morteiro ou alguma coisa que pode causar dano a outra é risco de dano, está na lei. Pode ser punido hoje. Se aqueles garotos acusados [da morte do Santiago Andrade] - que não se tem certeza absoluta de autoria exata - fossem pegos com aqueles morteiros, poderiam ser enquadrados pelo risco de crime de dano. Se aquele morteiro não tivesse pegado em ninguém, a ideia seria a mesma. Quando alguém morre ou sofre lesão corporal, tem os agravantes do fato, mas eles já tinham praticado atos contrários à lei. E, portanto, já poderiam ser punidos. Mas querem mártires, querem crucificar e vão tentando criar legislações mais duras.


O grande número de pessoas que foram presas nas manifestações foram, em sua maioria, soltas. Por quê?

Tem uma prática da polícia - e quando estou falando da polícia, estou falando do Estado, do secretário de segurança, não estou falando do PM, que está ali na frente cumprindo ordem – de fazer prisões ilegais. Boa parte das prisões foram inteiramente ilegais. Não vamos esquecer: o Santiago morreu, mas a polícia colocou muita bomba em mochila de manifestante; a polícia deu tiro com gente ferida, não podemos esquecer os jornalistas que foram feridos pela polícia em manifestação. Parece que nós passamos uma borracha nisso e agora só se fala do Santiago para frente. Esse é o grande equívoco. As pessoas foram soltas porque as prisões eram irregulares. A polícia tem essa prática, de fazer prisão irregular e depois querer legitimar com alguma confissão dessa pessoa. Como não consegue, tem que soltar. Aí vem aquela máxima que a polícia gosta de repetir: a polícia prende e a justiça solta. Solta porque é ilegal, se não a polícia manteria. O exemplo que temos de gente presa até hoje dói na carne. É o Rafael, um morador de rua, que carregava um pinho sol para higienizar o lugar em que ele dormia. Ele foi condenado a cinco anos. É isso que a gente quer? A gente tem que lembrar que polícia arbitrária é arbitrária para todos, essa polícia não serve a ninguém. Polícia que comete crime não presta, tem que ser evitada. Agora, pior é o governante que estimula a prática do crime.

Já em outros momentos dos protestos, tentou-se relacionar manifestantes com grupos organizados, inclusive com acusação de formação de quadrilha. Como isso se relaciona com a tipificação de terrorismo?

Essa questão da ação criminosa também ver deturpada. A legislação específica foi criada para a punição de milícia, organizações criminosas. Começam a trazer uma legislação específica para uma manifestação de pessoas na rua. Você vê como o objetivo é inteiramente oposto do que dizia a lei. Então, era impossível você enquadrar porque a lei diz com todas as letras que, para ser quadrilha, precisa-se unir mais de três pessoas de forma permanente para cometer crime. Então, tem gente que se encontra ali embaixo e comete um crime. Isso não é quadrilha porque eles precisam estar permanentemente unidos e se preparando para cometer crime. Chamar para ir a uma manifestação é cometer crime? Não.  Na democracia, há o direito a manifestação. Eles estão forçando a aplicação de legislações onde não é possível. Agora eles precisam criar uma legislação que, no entender deles, tenha mais efeito para que a sociedade se iniba de ir para a rua se manifestar.

As atitudes violentas que ocorreram nas manifestações não se configuram como terrorismo?

Não. O dano ao patrimônio público está previsto na lei. E responde sob duas hipóteses, sob o ponto de vista criminal e civil porque tem que reembolsar e pagar por aqueles danos. Isso não se configura objetivamente como terrorismo.

PLS 499/2013 fala de terrorismo contra coisas, como escolas, centrais elétricas, hospitais e estádios esportivos, considerados serviços essenciais. Isso faz sentido?

Não tem o menor sentido. O ato de terrorismo é aquele que coloca em risco a vida das pessoas. O maior bem que nós temos a proteger é a vida, a integridade física. Contra coisa é dano ao patrimônio público ou privado. Se você praticou dano ao patrimônio, pode responder legalmente, como eu já disse. Agora, quem jogou bomba dentro do Hospital Salgado Filho aqui no Rio de Janeiro foi a polícia, se teve que tirar gente doente de lá, inclusive. Se alguém está praticando atos de terrorismo é o agente do Estado.

As penas previstas no PLS 499/2013 são maiores do que as previstas pela lei da ditadura. Como se explica isso?

As pessoas começam a achar que quanto mais tempo você ficar na cadeia, mais de exemplo vai servir para a sociedade. Isso é um grande equívoco. O dia que cadeia for sinônimo de ressocialização de pessoas, será o ideal. Se fosse isso, os Estados Unidos seriam o melhor país do mundo; o Brasil também, porque tem a terceira maior população carcerária do mundo, um número muito grande. Pena longa não é sinônimo de que as pessoas não vão praticar delito. É sinônimo de que se vai ter mais gente presa durante mais tempo, nada além disso. O Rafael, que é o morador de rua que foi preso, vai sair da cadeia com uma formação importante na área do crime. Os castigos longos dados aos filhos são ineficazes. A gente precisa começar a rever essa questão da pena.

Alguns movimentos e militantes dos direitos humanos estão chamando esse Projeto de AI 5 da democracia. O Sr. concorda?

Os atos institucionais foram baixados por uma junta militar. Dessa feita seria pelo poder legislativo, são deputados eleitos. Eu tenho sinceras dúvidas dessa democracia representativa nos dias de hoje. Tenho dúvidas se muita gente que ali está efetivamente representa a sociedade ou se se representa ou representa grupelhos. Acho que é uma reedição de forma piorada, porque o momento é outro. A gente pode chamar de AI 5 da democracia. É um nome interessante. Mas com um agravante: não é baixado por junta militar, é votado por um congresso nacional, “legitimamente eleito” e sancionado por um poder executivo que também foi eleito pelo povo.  Eu acho que não é isso que nós precisamos.

O que o Brasil ganha com uma legislação sobre terrorismo?

A Copa acaba, o país fica. E eu acho que a gente não deveria guardar essa herança. Essa herança é muito ruim para a sociedade brasileira. Acho que essa copa não vai deixar nenhum benefício para a sociedade brasileira, quem vai ganhar dinheiro com isso são as grandes empresas. E a gente sabe que quem tem esses interesses não reverte em nenhum proveito para a sociedade brasileira. Eu acho que, com a força que nos resta, temos que lutar para que não recebamos isso como uma herança maldita para o país.


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Sobre Sheherazades, Batmans e demônios



No costumeiro papel de juiz, júri e tribunal conjugados, mídia adota cinismo como forma de ideologia.
Por Carlos Eduardo Rebuá
Nas últimas semanas, dois episódios ocorridos no Rio de Janeiro não saem dos noticiários, dos papos de botequim, das redes sociais, dos jornais de 0,70 centavos: o adolescente negro assaltante que foi “justiçado” por jovens de classe média no Flamengo, que apanhou e foi algemado nu por uma tranca de bicicleta junto a um poste; e a morte do cinegrafista da Rede Bandeirantes de televisão por um rojão lançado por dois jovens “black-blocs”, na manifestação contra o reajuste das passagens de ônibus.
Trata-se de dois fatos que não guardam semelhança entre si, a não ser pela “odisseica” cobertura midiática, em seu papel costumeiro de juiz, júri e tribunal, conjugados num mesmo corpo institucional. Se em relação ao primeiro episódio vimos distintos setores sociais defenderem o “justiçamento” contra a bandidagem e clamarem pelo exercício da violência por conta do Estado, que nos “desprotege”, em se tratando do segundo caso o que estamos presenciando é a condenação sumária dos jovens envolvidos no ato, antes mesmo de serem apurados os fatos. Cometeram um assassinato e responderão por isso, mas antes mesmo da “fala do especialista” da vídeo-esfera (SEMERARO, 2006) analisar as imagens, já estavam sentenciados.
Nada de novo no front midiático tupiniquim, que numa primeira mirada encontrou seus Nardoni e Richthofen da vez e garantiu pauta para os próximos dez dias. Todavia, um segundo olhar sobre o ocorrido mostra que a prisão de Fabio Raposo e Caio Silva de Souza não é apenas mais um julgamento espetacular dos mass media, na acepçãodebordiana, mas a “revanche” que tanto queria o establishment burguês, “alvejado” pela opinião pública com suas próprias balas de borracha, lançadas à exaustão pela polícia militar em Pinheirinho ou no Junho Rebelde.
O caso do “pelourinho do Flamengo”, onde um negro pobre “pagou” por seu crime ao velho estilo Batman #(o herói aristocrata que não mata, mas pune os infratores e redime aquela sociedade corrupta e desigual) em Gotham City, teve seu ápice midiático no comentário autoral de Rachel Sheherazade1 (em 04/02/2014), apresentadora do SBT Brasil, que destilou o mais raivoso ódio de classe (assim como fez em relação aos rolezinhos2, organizados por “arruaceiros”), ao estilo TFP (Tradição, Família e Propriedade), contra o “marginalzinho de ficha mais suja que pau de galinheiro” e em defesa dos cidadãos “de bem”, lançando a campanha “Adote um bandido” para os militantes de direitos humanos e a campanha “Legítima defesa coletiva” para as “vítimas de bem” da indefesa sociedade civil.
O vídeo já tem quase um milhão de visualizações do Youtube (entre entusiastas e críticos), mas talvez seu “direito de resposta”, no mesmo SBT Jornal3 de dois dias depois (06/02) exponha de forma mais crua o conservadorismo atroz de nossa sociedade, quando a jornalista – apresentada por seu colega de programa como uma mulher cristã e mãe – diz que é uma ferrenha crítica da violência, que está ali todo dia “batendo na violência”, defendendo as “pessoas de bem” que estão “abandonadas à própria sorte” e “desesperadas”. Quem ouve as palavras de Sheherazade #– que em Mil e uma noitessobrevive após ludibriar o sultão por noites seguidas – sem saber do que se trata pode achar que se refere a algum jovem da periferia de uma grande cidade, provavelmente negro, provavelmente sem perspectivas. Só que não! O programa termina dizendo que o que deve prevalecer sempre é a liberdade de expressão. É o cinismo como forma de ideologia na manutenção da lei dos “de cima”. O direito de resposta na verdade é o endosso do agressor, que não apenas reitera o que disse como zomba daqueles que o criticaram.
Como diz Zizek (1996): “O modo mais destacado dessa ‘mentira sob o disfarce da verdade’, nos dias atuais, é o cinismo: com desconcertante franqueza, ‘admite-se tudo’, mas esse pleno reconhecimento de nossos interesses não nos impede, de maneira alguma, de persegui-los; a fórmula do cinismo já não é o clássico enunciado marxista do ‘eles não sabem, mas é o que estão fazendo’ agora, é ‘eles sabem muito bem o que estão fazendo, mas fazem assim mesmo’”.
Por sua vez, o episódio da morte do cinegrafista da Bandeirantes representa mais uma cruzada midiática contra setores radicalizados da sociedade civil, que desde junho do ano passado trouxeram para a cena política pautas sociais que, em outros momentos, passavam ao largo dos noticiários televisivos, com destaque para o preço das passagens dos transportes que deveriam ser públicos. A morte de Santiago de Andrade foi a revanche esperada e ensaiada há meses pelo main stream da mídia brasileira, ávida por “desmascarar” os black blocs, tratando-os como uma organização homogênea, institucionalizada, porém controlada de fora.
Após o rojão ferir fatalmente o funcionário da Band, foi rápida a construção de um consenso que costurava entre si: a suposta associação dos envolvidos com o deputado estadual do PSOL-RJ, Marcelo Freixo, opositor ferrenho do governador Sérgio Cabral, do prefeito Eduardo Paes e da grande mídia; a “ficha suja” de Fabio e Caio, com passagens pela polícia e participação em outras manifestações (pasteurizando de forma magistral todas as pessoas que ousam se manifestar de forma mais incisiva, como por exemplo aquelas que ocupam prédios públicos ou enfrentam o cerco policial); a defesa de que a nação brasileira e os brasileiros são pacíficos e que a violência de alguns é esporádica, injustificável e intolerável, forjando o “mito da não-violência”, que apaga a “realidade das divisões sociais e da luta de classes, reduzindo sua emergência à situação de meros momentos enlouquecidos da sociedade” ((CHAUÍ, 2006).
O nó final dessa costura ideológica é a recuperação da chamada Teoria dos Dois Demônios, adaptada ao contexto atual. Muito conhecida de sociedades latino-americanas que passaram por ditaduras civil-militares no século passado, notadamente a Argentina, tal concepção representa um “malabarismo retórico” (SAFATLE, 2011) de quem crê que esquerda e direita cometeram “excessos” e que, por isso, deixar as coisas no passado seria o melhor a ser feito. De um lado, um demônio popular, terrorista de esquerda que despertou outro demônio, militar, terrorista de Estado. Em meio a isso tudo estaria a atemorizada sociedade civil, inocente e ingênua, que assiste impassível ao drama da violência (IRAMAIN, 2009-2010).
Num contexto atual, como de praxe, a mídia encena o acontecimento, forjando e manipulando simulacros do real (CHAUÍ, 2006), onde o fato cede lugar à sua versão, sintonizada com os interesses dos grupos dominantes do país. Os Dois Demôniosretornam com vigor, sob nova roupagem (não deixando coisas no passado), com os manifestantes – que “precipitam as coisas” – e o Estado, agora “democrático”, nos dois polos opostos, e a frágil e não-violenta sociedade civil no meio do tiroteio. Apaga-se dos noticiários a questão da violência como recurso sempre à mão do chamado Estado de Direito – Estado de Exceção para os subalternos e paradigma de governo dominante na política contemporânea (AGAMBEN, 2004) –, que salvaguarda a propriedade privada burguesa e mantém a desigualdade como pressuposto
Na atual cena política brasileira Sheherazades, Batmans e Demônios estão à solta, em meio à planejada resposta-revanche dos grandes meios de comunicação a Junho de 2013, colocada na rua no momento oportuno, tendo como alvos personagens reais e lutas reais, que na “mídia-esfera” aparecem como simulacros, mas no mundo concreto são ameaças reais à hegemonia que a mídia representa.
Eduardo Rebuá é historiador e doutorando em Educação pela UFF, professor da Unigranrio
1# Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=at89CynMNIg
2# Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=8hZ4cewFSl4&list=TLLlCgkVVvOiYhISOuNzxx4wtcn1nxL3fL
3# Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=KO8S1ZJCJEc
Referências
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia: Inferno. São Paulo: Editora 34, 2008.
CHAUÍ, Marilena. Simulacro e poder: uma análise da mídia. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
IRAMAIN, Demetrio. Una historia de las Madres de Plaza de Mayo (suplemento coleccionable). Revista Sueños Compartidos. Fundación Madres de Plaza de Mayo. 2009-2010.
SAFATLE, Vladimir. Dois demônios, 2011. Disponível em http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/vladimir-safatle-dois-demonios.html
ZIZEK, Slavoj. O Espectro da Ideologia. In.: ZIZEK, Slavoj. Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Ucrânia: da insurreição ao golpe


Por Carlos Serrano Ferreira
O golpe se consolidou hoje na Ucrânia. Tenho alertado desde o início deste processo que nessa ex-república soviética não ocorria um processo revolucionário, ao contrário do que diz a mídia internacional, como atestam os depoimentos dos mais variados setores organizados da esquerda naquele país, de anarquistas aos comunistas. A confusão se relaciona ao caráter de massas do movimento dos primeiros momentos. Contudo, isto não basta para definir um processo revolucionário, como provam os movimentos de massas que levaram ao poder Mussolini ou Hitler. Para ser algo mais que uma insurreição – que pode ser tanto progressista como reacionária – deve entrar na conta o sentido dessas manifestações e suas direções.
O processo ucraniano começou como uma insurreição de massas e se tornou ao longo do tempo, com seu esvaziamento e captura pelos setores de ultradireita, um golpe, que alcançou um ponto alto na queda de Yanukovich hoje, mas que não tende a se esgotar nisto. Para entender os fatos de hoje e o caráter do processo é preciso voltar atrás no tempo.
Com o fim da URSS a Ucrânia se tornou independente e passou por processos sociais e econômicos muito parecidos com as demais ex-repúblicas soviéticas: destruição e desorganização econômicas que ampliaram as desigualdades sociais e ampliaram a pobreza das massas e permitiram que setores secundários do antigo aparato estatal se aproveitassem para se apropriar dos espólios do Estado em desmoronamento e enriquecessem. Estes são conhecidos como oligarcas. As privatizações que lhes fizeram a riqueza foram um escândalo só e totalmente corrompidas. Estes grandes monopolistas que florescem através de suas relações com o aparato estatal e por meio de negócios escusos. Contudo, como o Estado não pode garantir o funcionamento dos negócios de todos os oligarcas, as disputas em torno ao controle do Estado de cada um dos “clãs”, e esta tem sido a marca da história ucraniana desde 1991, como ocorreu em 2004, na chamada “Revolução” Laranja, e agora novamente.
A principal líder do maior partido oposicionista (Batkivshchyna) a ex-primeira-ministra Yulia Timoshenko é um dos exemplos dos oligarcas, tendo sido presa em 2001 e em 2011 por seus negócios escusos. Ela emergiu através de um golpe contra as finanças do Estado, em parceria com o então primeiro-ministro, hoje também preso nos EUA, Pavlo Lazarenko, especulando com o preço do gás russo e em parceria com o chamado clã de Dnipropetrovsk, liderado pelo então presidente Kuchma. Ela entrou em desgraça quando Kuchma passou a se relacionar com outros clãs locais, incluindo o clã de Donetsk (do sudeste do país). Este é encabeçado pelo homem mais rico do país e um dos cinqüenta mais ricos do mundo, acusado de ligação com a máfia, Rinat Leonidovych Akhmetov, um dos grandes patrocinadores do Partido das Regiões, de Viktor Yanukovich, que é de Donestk.
A “Revolução” Laranja se assemelhou às outras revoluções coloridas, particularmente ser uma disputa entre setores oligárquicos emersos do aparato estatal. Isto se repetiu novamente agora, nos eventos do chamado EuroMaidan, de fins de 2012 e início de 2013.
Sobre a disputa entre estas frações da oligarquia incidem as potências imperialistas, apadrinhando cada setor em sua disputa geopolítica e para colonizar economicamente este país, com algumas das terras mais férteis do mundo e com um razoável parque industrial no Leste. Timoshenko se aproximou da UE e dos EUA, enquanto outra fração, ligada aos interesses industriais e da oligarquia do sul e leste se aproximaram naturalmente da Rússia.
Contudo, até as portas da assinatura do Acordo de Associação com a UE, houve uma convergência das oligarquias em torno ao mesmo. Mas, as pressões moscovitas, através de um embargo; a crise econômica – para qual a UE não a oferecia nenhum tipo de saída – e os próprios termos do acordo levaram ao recuo presidencial e ao adiamento do mesmo. Os termos do AA significavam o fim das relações econômicas com a Rússia e as outras ex-republicas soviéticas participantes da União Aduaneira, principal destino das exportações ucranianas, principalmente industriais, mas também das importações, como do gás russo. Mas, não só isso: significaria a desindustrialização do país, que se tornaria uma enorme fazenda fornecedora de produtos primários para a Alemanha; e os custos de adequação às normas da UE seriam de insustentáveis 165 bilhões de euros (em Portugal 165 mil milhões de euros).
O tamanho do retrocesso atingiria em cheio as oligarquias do sul e do leste, financiadores do Partido das Regiões. Não só isso: atingiria a base eleitoral principal desse partido, a população dessas duas regiões. Pela história ucraniana, sendo sempre dividida entre o Leste e o Oeste, tornou-se muito diferente: as partes leste e sul, mais industrializadas, são ligadas culturalmente e linguisticamente à Rússia; a parte norte e oeste são mais agrárias e de língua ucraniana. Do ponto de vista econômico a associação com a UE seria terrível, e para a oligarquia do Sul e do Leste seria um suicídio. O embargo russo só deixou isto claro.
A Rússia se aproveitou e estendeu a mão à Yanukovich e abriu os cofres e usou sua principal arma: o preço do gás. Esta reaproximação com a Rússia e a negação do AA com a UE levou à revolta popular nas regiões norte e oeste do país, que já se acumulava contra a fração oligárquica governante, pela incapacidade de superar a crise econômica e pelos laços com a Rússia, com quem estas regiões queriam se afastar. Somem-se a isto as ilusões de progresso que as frações oligárquicas ligadas aos EUA e à UE disseminavam sobre um possível acordo com o bloco imperialista europeu. Como a Grécia e Portugal e outros países do Leste mostram, não passam do que são, meras ilusões. Mas, quando as idéias ganham as massas, como já dizia Marx na introdução a sua “Crítica à filosofia do direito de Hegel”, elas se tornam forças materiais.
O primeiro a ficar claro, então, é que nunca houve uma maioria pró-UE em toda a Ucrânia, como mostram as pesquisas do instituto de pesquisa independente ucraniano Research & Branding Group (R&B): apenas 46% nacionalmente apoiavam o acordo com a UE, sendo majoritário o apoio apenas no norte e oeste. Da mesma maneira, o EuroMaidan só era apoiado majoritariamente nessas regiões, enquanto era rejeitado pela maioria esmagadora do leste e sul, que apóiam esmagadoramento a União Aduaneira da Rússia.
O segundo é que o EuroMaidan se moveu desde o início por bandeiras pouco claras, que se materializavam por uma progressiva rejeição ao governo e sua fração oligárquica, mas regressivamente não ao conjunto da oligarquia; uma rejeição à aproximação com o imperialismo russo, mas em defesa de um acordo que estabeleceria a colonização do país pelo o imperialismo europeu e teria conseqüências ainda mais devastadoras para a economia e o povo ucraniano; em nenhum momento esteve colocado como pauta nada que envolvesse direitos dos trabalhadores ou posições de classe. De fato, essa confusão serviu unicamente para que com o tempo a fração oligárquica oposicionista ligada aos imperialismos estadunidense e alemão passagem a dirigir as manifestações em favor de seus próprios interesses, seqüestrando o movimento insurrecional e convertendo-o num golpe.
Assumiram a direção então o partido de Timoshenko (ligado ao imperialismo estadunidense), o UDAR do ex-boxeador Vitali Klitschko, ligado à Alemanha, e o Svoboda (que até alguns atrás se chamava Partido Nazista da Ucrânia). Klitschko nem mesmo tem moradia fixa na Ucrânia, mas mora na Alemanha, e seu partido foi criado e financiado pelos conservadores alemães da democracia cristã, que salivam com as possibilidades de saquear as riquezas ucranianas. O líder do Svoboda, Oleh Tyannybok é um fascista conhecido, anti-semita e russófobo raivoso.
Destas três forças, o setor mais organizado e com mais militância é o partido fascista, que deu a tônica nos últimos tempos. A derrubada da estátua do Lênin, festejada pela grande mídia mundial foi perpetrada pelos membros do Svoboda e rejeitada por 70% da população de Kiev, sendo apoiada por apenas 13%, como mostra a pesquisa da R&B.
Mas, há inclusive mais forças nessas manifestações, existindo claro alguns militantes de esquerda, mas que são ultra-minoritários e não dão de forma nenhuma a dinâmica do movimento. Há inclusive um setor que, junto aos militantes do Svoboda, foram os responsáveis centrais pelos distúrbios violentos e quebra-quebras incendiários, e que se intitula apenas de “A Direita”. Este setor é contrário aos acordos com a UE e à Rússia, considerando o Svoboda muito recuado e estão no movimento para desestruturar o regime e tomar o poder.
A transição da insurreição para o golpe passa também pelo esvaziamento do movimento, que ocorreu conforme o tempo passou e os setores fascistas começaram a se tornar majoritários e atuar de forma mais violenta. Se no início de dezembro o movimento era apoiado nacionalmente por 49% e rejeitado por 45%, no fim desse mesmo mês era rejeitado por 50% e apoiado por 45%. Nessa mesma pesquisa, 43% achavam que os resultados seriam negativos e apenas 31% que seriam positivos; 47% consideravam o acordo com a Rússia fechado por Yanukovich positivo e apenas 27% negativo e o candidato com mais intenções de votos era o próprio presidente (com 25%), apesar de o resultado ser muito fracionado. Numa pesquisa entre 25 e 27 de janeiro deste ano da R&B apontava que 51% eram contrários ao EuroMaidan, apenas 44% favoráveis, mas, o mais importante, 60% eram contrários à tomada dos prédios públicos e apenas 32% eram favoráveis e apenas 20% acreditavam que não havia risco de uma guerra civil.
Hoje a insurreição capturada pelas oligarquias se confirmou enquanto golpe, com um impeachment relâmpago. Isto é o resultado de um acordo das duas frações oligárquicas, temerosas com o crescimento do desafio dos fascistas nas ruas. Afinal, o crescimento do fascismo é um fato por todo o Leste Europeu, como a ascensão do Jobbik húngaro demonstra. Os resultados reacionários para o povo ucraniano já podem ser sentidos: além da libertação da oligarca Yulia Timoshenko; as ameaças de pogrom contra judeus crescem e o rabino Moshe Reuven Azman já sugeriu aos judeus que deixem o país; o afastamento completo do acordo de ajuda russo, que tinha ótimas condições; e a UE sinaliza com a liberação do empréstimo do FMI acertado em 2011, que se baseia em draconianas contrapartidas, como a subida em 40% do preço do gás para as residências, o que levaria de imediato no inverno ucraniano milhares de desempregados e aposentados à morte, pois não teriam condições de pagar suas contas de calefação.
Porém, o jogo não terminou. Não se sabe como os fascistas atuarão, se continuarão em seus planos de desestabilização, mas tudo indica que sim. O setor “A Direita” já anunciou em comunicado à Reuters que continuará com as manifestações. Tentarão se aproveitar do vazio de poder. Não está descartada nem mesmo a volta de Yanukovich nas próximas eleições de 25 de maio, apesar de que os golpistas provavelmente o impedirão de concorrer, senão o prenderem. A guerra civil parece mais longe, mas a divisão do país, ao menos da Criméia, de maioria russa e onde está a importante base naval russa do mar Negro é possível. Vladislav Surkov, conselheiro do Kremlin que esteve por trás dos intentos das regiões separatistas da Geórgia Abkházia e Ossétia do Sul foi visto andando por Kiev e Criméia. O cenário é ainda incerto. Só é certo que o povo ucraniano sairá pior do que entrou nessa espiral de caos.
[N.A.] Para saber mais sobre os aspectos históricos, as forças políticas principais do EuroMaidan e os interesses das várias potências na crise ucraniana, veja meu artigo que sairá na edição de março de História & Luta de Classes, intitulado “A Batalha pela Ucrânia”.