sábado, 11 de janeiro de 2014

Capitalismo: uma história de amor - link para download do documentário




O documentário explora as raízes da crise financeira global de 2008, no período de transição entre a saída de George Bush e a posse de Barack Obama no governo dos EUA, as falcatruas políticas e econômicas que culminaram no que o diretor descreve como "o maior roubo da história dos EUA": a transferência de dinheiro dos contribuintes para instituições financeiras privadas. O arrocho da política fiscal, aplicado a toque de caixa a partir da administração Reagan (1981-89), a falta de regulação do Estado, um terreno fértil para que as operações do sistema financeiro se tornassem ainda mais complexas e a carta branca para as grandes corporações, especialmente os bancos, aumentarem a fortuna. Michael Moore apresenta uma análise de como o capitalismo corrompeu os ideais de liberdade previstos na Constituição dos Estados Unidos, visando gerar lucros cada vez maiores para um grupo seleto da sociedade, enquanto que a maioria perde cada vez mais direitos.


Dados técnicos:

Título no Brasil: Capitalismo: uma História de Amor
Título Original: Capitalism: a love story
País de Origem: EUA
Gênero: Documentário
Tempo de Duração: 127 minutos
Idioma: Inglês
Legendas: Português 
Ano de Lançamento: 2009
Estúdio/Distrib.: Paramount Pictures Brasil
Direção: Michael Moore


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Para assistir o filme online no Youtube:

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

50 verdades sobre Ernesto "Che" Guevara



Por Salim Lamrani


Continuando com a série de artigos sobre os 55 anos da Revolução Cubana, 50 verdades sobre o “guerrilheiro heroico” Ernesto "Che" Guevara, que perdura na memória coletiva como símbolo da resistência à opressão.

1. Ernesto Guevara nasce no dia 14 de junho de 1928 em Rosário, na Argentina, no seio de uma família de cinco filhos. Seus pais, Ernesto Guevara y Lynch e Celia de la Serna, fazem parte da classe acomodada e aristocrática. 


3. Leitor ávido, Guevara devora os livros desde muito novo e se apaixona por filosofia, particularmente a social. 

4. Em 1948, começa a faculdade de medicina na Universidade de Buenos Aires. Ele se formaria em 1953. 

5. Em 1950, Guevara realiza sua primeira viagem de moto pelo norte da Argentina e visita as regiões mais pobres do país. Percorre um total de 4500 km e a miséria que atinge seu povo o impressiona muito. A respeito, escreve: “Não me nutro das mesmas formas que os turistas [...]. A alma [do povo] está refletida nos doentes dos hospitais.” 

6. Um ano mais tarde, percorre a costa atlântica da América do Sul a bordo de um navio petroleiro da companhia nacional argentina que o recruta como médico da equipe. 

7. De janeiro a julho de 1952, aos 24 anos, Guevara realiza sua primeira viagem internacional de moto, com seu amigo Alberto Granado. Visitam o Chile, o Peru a Colômbia e a Venezuela. Em maio de 1952, em Lima, Guevara conhece o doutor Hugo Pesce, dirigente do Partido Comunista do Peru e discípulo de José Carlos Mariátegui, que trabalha em um leprosário. Este encontro, assim como os meses que passariam na instituição médica, se revelariam decisivos e orientariam seu futuro destino de luta a favor dos oprimidos. Durante esta viagem, Guevara descobre a miséria e a exploração dos povos latino-americanos, particularmente perpetrada pelas multinacionais estadunidenses. 

8. Em julho de 1953, depois de se formar médico, Guevara realiza uma nova viagem pela América Latina com seu amigo Carlos Ferrer. Na Bolívia, descobre o processo radical lançado pelo Movimento Nacionalista Revolucionário em 1952. 

9. No dia 24 de dezembro de 1953 chega à Guatemala, governada então pelo presidente reformador Jacobo Arbenz. Estaria nove meses vivendo lá em condições economicamente difíceis. 

10. Na Guatemala, Guevara faz amizade com Antonio “Ñico” López, exilado cubano que havia participado do ataque ao quartel Moncada comandado por Fidel Castro no dia 26 de julho de 1953. López seria quem daria o apelido “Che” a Guevara, em referência à intervenção tipicamente argentina usada pelo jovem médico. 

11. Guevara chega à Guatemala com um pensamento político bem definido, como mostra uma carta que escreve para sua tia Beatriz no dia 10 de dezembro de 1953. “Tive a oportunidade de passar pelos domínios da United Fruit, me convencendo uma vez mais do terríveis que são esses polvos. Jurei a uma imagem do velho e pranteado camarada Stálin não descansar até ver aniquilados esses polvos capitalistas. Na Guatemala, me aperfeiçoarei e conseguirei o que me falta para ser um revolucionário autêntico... Seu sobrinho, o da saúde de ferro, do estômago vazio e da reluzente fé no porvir socialista.” 

12. Guevara assiste ao golpe de Estado organizado pela CIA e pelo coronel Castillo Armas em junho de 1954, que bombardeiam a capital. Integra as brigadas juvenis comunistas que organizam a resistência e pedem em vão armas ao governo. O Estado Maior do Exército apoia o golpista e exige a saída de Arbenz, que é deposto em julho de 1954. 

13. Guevara conta as lições do golpe de Estado contra Arbenz em uma carta a sua mãe: “A traição continua sendo patriotismo do Exército, e uma vez mais se prova o aforismo que indica a liquidação do Exército como o verdadeiro princípio da democracia.” 

14. Depois de se refugiar na embaixada da Argentina, consegue, em setembro de 1954, um salvo-conduto para ir ao México, onde viveria por dois anos. Trabalha como fotógrafo e médico e consegue sobreviver a duras penas. Pouco depois de sua chegada, volta a se encontrar com seu amigo cubano López, que o convida a se juntar a outros sobreviventes de Moncada. 

15. Em 1955, Guevara conhece Raúl Castro, recém saído da prisão, com quem faz amizade. Pouco depois, ele o apresenta a Fidel Castro. Castro se lembra: “O Che era daqueles por quem todo mundo sentia imediatamente afeto, por causa de sua simplicidade, seu caráter, sua naturalidade, seu espírito de camaradagem, sua personalidade, sua originalidade. Não precisamos de muito tempo para entrarmos em acordo e o aceitarmos em nossa expedição [...]. Quando nos encontramos com Che, ele já era revolucionário formado; além disso, tinha um grande talento, uma grande inteligência, uma grande capacidade teórica”. Fidel Castro também se impressiona com o caráter do argentino: “O Che tinha asma. Ali estava em Popocatépetl, um vulcão que fica nas imediações do México, e todos os finais de semana ele subia o Popocatépetl. Preparava seu equipamento – a montanha é alta, 5482 metros, de neves perpétuas -, começava a subida, fazia um esforço enorme e não chegava ao topo. A asma era um obstáculo às suas tentativas. Na semana seguinte tentava de novo subir o “Popo” – como ele dizia – e não conseguia. Nunca chegava ao topo, e nunca chegou ao cume do Popocatépetl. Mas voltava a tentar de novo, e teria passado a vida toda tentando subir o Popocatépetl, fazia um esforço heroico, ainda que nunca chegasse ao cume. Vê-se o caráter. Dá uma ideia da fortaleza espiritual, de sua constância.” 

16. A personalidade de Fidel também assombra Guevara. Em uma carta a seus pais, escreve: “Fiz amizade com Raúl Castro, o irmão mais novo de Fidel. Ele me apresentou ao chefe do Movimento quando já estavam planejando invadir Cuba. [...] Conversei com Fidel uma noite inteira. Ao amanhecer, já era o médico de sua futura expedição […]. Fidel me impressionou como um homem extraordinário [...]. Tinha uma fé excepcional [...]. Compartilhei de seu otimismo”. Che pede então a Fidel Castro que lhe permita ir lutar na Argentina, uma vez que a Revolução triunfe em Cuba. 

17. No dia 2 de dezembro de 1956, Guevara desembarca em Cuba com os revolucionários liderados por Fidel Castro. O Exército já os espera e consegue dispersá-los. 

18. Guevara se distingue desde o início por sua audácia e sua capacidade para liderar. Fidel Castro lembra dos primeiros momentos: “Sobreveio o primeiro combate vitorioso e Che foi soldado já de nossa tropa, e, ao mesmo tempo, era ainda o médico; sobreveio o segundo combate vitorioso e o Che já não era apenas soldado, senão foi o mais distinto dentre os soldados nesse combate, realizando pela primeira vez uma daquelas proezas singulares que o caracterizavam em todas as ações [...]. Essa era uma de suas características essenciais: a disposição imediata, instantânea, de se oferecer para realizar a missão mais perigosa. E aquilo, naturalmente, despertava admiração, a dupla admiração, àquele companheiro que lutava junto a nós, que não tinha nascido nessa terra, que era um homem de ideias profundas, que era um homem em cuja mente borbulhavam sonhos de luta em outras partes do continente e que, no entanto, tinha aquele altruísmo, aquele desinteresse, aquela disposição para fazer sempre o mais difícil, para arriscar sua vida constantemente.” 

19. Fidel Castro decide nomeá-lo comandante em julho de 1957, e Guevara toma a frente da segunda Coluna chamada “Coluna n° 4” para enganar o inimigo sobre o número de guerrilheiros. Guevara é o primeiro a conseguir essa patente, muito antes de Raúl Castro. 

20. Implacável com os traidores, os assassinos, os ladrões e os estupradores, aos quais aplica a pena capital, Guevara se mostra, por outro lado, generoso com os soldados feridos. Guevara relata um episódio a esse respeito: “Quando tomamos de assalto o primeiro caminhão, encontramos dois soldados mortos e um ferido que, em sua agonia, parecia seguir lutando. Foi finalizado sem que lhe dessem a possibilidade de se render, coisa que não poderia fazer porque estava meio inconsciente. Este ato de vandalismo foi realizado por um combatente cuja família foi aniquilada pelo Exército de Batista. Reprovei violentamente seu ato sem perceber que o outro soldado ferido me escutava. Tinha se escondido debaixo das mantas e tinha ficado na plataforma do caminhão sem se mover. Ao ouvir isso e as desculpas que deu nosso companheiro, o soldado inimigo se apresentou e pediu que não lhe matassem; uma bala tinha fraturado sua perna e ele tinha ficado na lateral do caminho enquanto os combates continuavam nos outros dois caminhões. Cada vez que passava um combatente a seu lado, o homem gritava: “Não me matem, não me matem, o Che disse que não matariam os presos!” 

21. Em 1958, Fidel Castro decide nomear Che o chefe da Escola Militar recém-criada para formar os futuros guerrilheiros, com a finalidade de protegê-lo de seu caráter demasiadamente temerário: “Che era um soldado insuperável; Che era um chefe insuperável; Che era, do ponto de vista militar, um homem extraordinariamente capaz, extraordinariamente valente, extraordinariamente agressivo. Se, como guerrilheiro, tinha um calcanhar de Aquiles, esse calcanhar era sua excessiva agressividade, seu absoluto desprezo pelo perigo.” 

22. Em junho de 1958, Guevara forma a Coluna n°8 com os novos recrutas para fazer frente à ofensiva final lançada por Batista um mês antes, mandando 10 mil soldados à Sierra Maestra para esmagar a guerrilha. 

23. No dia 31 de agosto de 1958, depois do fracasso militar da ditadura, Fidel Castro lança a contraofensiva com a finalidade de estender a guerrilha a todo o país e ordena a Che e a Camilo Cienfuegos que se dirijam à capital. O périplo de mais de 500 km faz a tropa enfrentar um teste difícil, acossada pelas inclemências da natureza e pelo Exército governamental. Em uma carta a Fidel Castro, Cienfuegos conta os sofrimentos padecidos durante a odisseia: em 31 dias de caminhada, somente comem onze vezes, entre outras coisas, uma “égua crua sem sal”. “Somente os insultos e as ameaças de todo tipo faziam com que essa massa esgotada avançasse.” 

24. Na região de Villa Clara, Che cria o “Pelotão Suicida”, integrado pelos guerrilheiros experientes, encarregados das missões mais difíceis: “O ‘Pelotão Suicida’ era um exemplo da moral revolucionária e era composto apenas de voluntários selecionados. No entanto, cada vez que um homem morria – e isso acontecia a cada combate – no momento de designar o novo aspirante, os que não foram selecionados se doíam até os prantos. Era curioso ver os jovens guerreiros [...] mostrando sua juventude, deixando correr algumas lágrimas por não ter a honra de estar na linha de frente da morte.” 

25. No dia 28 de dezembro de 1958, Guevara lança o ataque contra a cidade de Santa Clara, último bastião do regime antes de Havana, reforçado por tropas dez vezes superiores em número aos guerrilheiros, que não superavam os 300 homens. A batalha termina com a captura do trem blindado que veio da capital com reforços. Não obstante, os rebeldes pagam um preço alto. Guevara dá seu testemunho a respeito: “Lembro de um episódio que era revelador do espírito de nossa força nesses dias finais. Eu tinha repreendido um soldado que estava dormindo no combate e me respondeu que o tinha desarmado porque ele tinha perdido um tiro. Respondi com meu tom seco habitual: ‘Arrume outro fuzil e vá desarmado para a linha de frente... se for capaz de fazê-lo’. Em Santa Clara, enquanto eu estava reconfortando os feridos, um moribundo me tocou a mão e me disse: “Lembra-se de mim, Comandante? O senhor me mandou conseguir uma arma em Remédio...aqui está’. Tratava-se do [mesmo] combatente [...], feliz de ter demonstrado sua valentia. Assim é o nosso Exército Rebelde.” 

26. Ao se inteirar da queda de Santa Clara sob as mãos dos rebeldes, Batista decide fugir na noite de 1 de janeiro de 1959 para a República Dominicana. Fidel Castro ordena a Che e a Cienfuegos que se dirijam a Havana e tomem o controle dos quartéis de Columbia e La Cabaña. 

27. Durante os primeiros meses de 1959, Guevara se encarrega dos tribunais revolucionários que julgam os crimes cometidos durante a ditadura militar. Cerca de 1000 pessoas passam pela “justiça expeditiva” e cerca de 500 são fuziladas. A título de comparação, durante a “Depuração Francesa”, depois da Segunda Guerra Mundial, cerca de um milhão de pessoas foram detidas e cerca de 100 mil foram condenadas. Houve 10 mil execuções, 9 mil delas extrajudiciais. 

28. Em fevereiro de 1959, o presidente Manuel Urrutia declara Ernesto Guevara cidadão cubano pelos serviços prestados à nação. 

29. Guevara desempenha um papel chave na criação do Instituto Nacional de Reforma Agrária e na elaboração da Lei de Reforma Agrária promulgada em maio de 1959. Segundo ele, “o guerrilheiro é, fundamentalmente, e, antes de mais nada, um revolucionário agrário. Interpreta os desejos da grande massa camponesa de ser dona da terra, dona dos meios de produção, de seus animais, de tudo aquilo pelo que lutou durante anos.” 

30. Em 1959, Guevara é nomeado Ministro da Indústria e depois presidente do Banco Nacional e assina as notas com seu apelido “Che”, para mostrar seu desprezo pelo dinheiro e pelas riquezas materiais. Põe em curso a nacionalização dos setores estratégicos da economia do país. 

31. Em 1960, durante o Primeiro Congresso Latino-Americano de Juventudes, Guevara desenvolve o conceito de “novo homem socialista”, que privilegia o interesse geral sobre as aspirações pessoais. Insiste na importância do trabalho voluntário, uma “escola criadora de consciência”, e dá exemplo todos os finais de semana trabalhando voluntariamente nas fábricas, nos canaviais e nos portos. Também realiza uma turnê pelo bloco socialista e pela China e assina numerosos acordos comerciais. 

32. Feroz detrator da coexistência elaborada pelos Estados Unidos e pela União Soviética, depois da crise de outubro de 1962, Guevara multiplica a ajuda aos movimentos revolucionários na América Latina e no mundo em nome da solidariedade internacionalista. Seu sonho é desatar uma guerra insurrecional na Argentina. 

33. Em 1964, Che renuncia aos seus cargos no governo revolucionário para reiniciar a luta armada na América do Sul. Como as condições não estavam dadas, Fidel Castro lhe propõe ir ao Congo, na África, onde a CIA tinha assassinado Patrice Lumumba três anos antes. Situado no centro da África, fazendo fronteira com nove países, o Congo poderia ser o foco revolucionário que se expandiria para todo o continente. 

34. Em 1965, Guevara escreve a famosa carta de despedida a Fidel Castro, na qual renuncia definitivamente a seus cargos e à nacionalidade cubana e declara sua vontade de fazer a revolução em outras terras. A carta se tornaria pública em outubro de 1965, no primeiro congresso do Partido Comunista de Cuba. 

35. Em abril de 1965, Guevara chega a Tanzânia, dando retaguarda aos revolucionários congolenses. A presença do líder argentino no campo de batalha suscita a preocupação dos chefes da rebelião congolesa pelas implicações internacionais. Da mesma forma, enquanto aqueles passavam a maior parte do tempos [na cidade de] Dar es Salaam, na Tanzânia, Guevara lhes recorda com sua presença que um chefe deve estar entre seus homens na linha de frente. A experiência congolesa, que duraria nove meses, seria um “fracasso”, segundo Che, por causa de lutas internas, da falta de disciplina entre os rebeldes, e da decisão unilateral da Tanzânia de deixar de abastecer os rebeldes. Em uma carta ao presidente Julius Nyerere, Guevara expressa sua incompreensão e seu desgosto: “Cuba deu ajuda sujeita à aprovação da Tanzânia, esta aceitou e a ajuda foi efetiva. Sem condições ou limite de tempo. Compreendemos as dificuldades da Tanzânia hoje, mas não estamos de acordo com suas abordagens. Cuba não volta atrás em seus compromissos nem pode aceitar uma fuga vergonhosa deixando o irmão na desgraça à mercê dos mercenários.” 

36. Depois de uma estadia em Praga, Guevara volta secretamente a Cuba, de onde decide ir para a Bolívia, então sob o jugo da ditadura do general René Barrientos. O objetivo é lançar um movimento insurrecional que se expandiria por toda a América do Sul. 

37. No dia 7 de novembro de 1966, Guevara começa a escrever seu diário da Bolívia. Um total de 47 combatentes, entre eles 16 cubanos, compõe o Exército de Libertação Nacional da Bolívia e ocupam uma área montanhosa no sudeste do país, perto do rio Ñancahuazú. 

38. Em março de 1967, a prisão dos dois desertores alerta o regime militar, que solicita ajuda dos Estados Unidos para capturar Guevara e seus homens. No mesmo mês, começam os combates entre a guerrilha e o Exército boliviano, o qual inflige severas baixas a tropa de rebeldes. 

39. No dia 20 de abril de 1967, o Exército prende Regis Debray e Ciro Bustos, dois membros da rede de apoio à guerrilha. Ambos são submetidos à tortura e fornecem informações que permitem ao regime localizar os revolucionários. 

40. Mario Monje, secretário-geral do Partido Comunista da Bolívia, em vez de dar à tropa a ajuda logística e humana prevista, abandona Guevara e os guerrilheiros à própria sorte. 

41. Longe de se se dar por vencido, Guevara lança sua famosa “Mensagem aos povos do mundo” e chama os revolucionários a “criarem dois, três, muitos Vietnãs”. 

42. Em agosto de 1967, o Exército aniquila a coluna n°2 e Guevara fica só com duas dezenas de combatentes a frente da coluna n°1. 

43. No dia 7 de outubro de 1967, Guevara está perto de La Higuera com 16 combatentes e escreve sua última reflexão em seu diário, depois de “onze meses” de luta. 

44. No dia 8 de outubro de 1967, o Exército surpreende a tropa na Quebrada del Churo. Para permitir que os feridos escapem, Che decide enfrentar o Exército com os poucos homens válidos. Depois de várias horas de combate, Guevara, ferido em uma perna, é capturado pelo Exército, que o leva a uma escola em La Higuera. Somente cinco guerrilheiros sobreviveriam e conseguiriam se refugiar no Chile. 

45. No dia 9 de outubro, o ditador Barrientos, seguindo as ordens da CIA, ordena a execução de Che. O coronel boliviano Miguel Ayoroa, que participou da captura de Che, dá seu testemunho: “Um dos homens da CIA era Félix Rodríguez, um cubano exilado que entrou na escolinha gritando “Você sabe quem eu sou?”. Che o olhou com asco e respondeu. “Sim, um traidor”, e cuspiu na cara dele. 

46. Félix Rodríguez contaria mais tarde: “Mandei [ao sargento] Terán que efetuasse a ordem. Disse que deveria disparar sob seu pescoço já que assim poderíamos provar que tinha sido morto em combate. Terán pediu um fuzil e entrou na sala com dois soldados. Quando escutei os disparou anotei no meu caderno 1:10 pm, 9 de outubro de 1967.” 

47. O sargento Mario Terán relataria sua experiência em 1977 à revista francesa Paris-Match: “Hesitei 40 minutos antes de executar a ordem. Fui falar com o coronel Pérez com a esperança de que ele a tivesse anulado. Mas o coronel ficou furioso. Assim é que eu fui. Esse foi o pior momento de minha vida. Quando cheguei, Che estava sentado em um banco. Ao me ver, disse: ‘O senhor veio me matar’. Eu me senti coibido e baixei a cabeça sem responder. Então, me perguntou: ‘O que os outros disseram?’. Respondi que não tinham dito nada e ele disse: ‘Eram um valentes!’. Eu não me atrevi a disparar. Nesse momento, vi Che grande, muito grande, enorme. Seus olhos brilhavam imensamente. Sentia que vinha para cima de mim e, quando me olhou fixamente, senti uma tontura. Pensei que, com um movimento rápido, Che poderia tirar a minha arma. ‘Fique tranquilo – me disse – e aponte bem! Vai matar um homem!’. Então, dei um passo para trás, até o limiar da porta, fechei os olhos e disparei a primeira rajada. Che, com as pernas destroçadas, caiu no chão, se contorceu e começou a jorrar muitíssimo sangue. Eu recuperei o ânimo e disparei a segunda rajada, que o atingiu em um braço, no ombro e no coração. Já estava morto.” 

48. Em 1997, os restos de Che e de seus companheiros de luta são levados para Cuba, onde descansam no Memorial Ernesto Guevara, na cidade de Santa Clara. 

49. Dotado de grande inteligência, Guevara deixou muitos escritos e uma filosofia política chamada guevarismo. Segundo Fidel Castro, “Che era um homem de pensamento profundo, de inteligência visionária, um homem de profunda cultura. Isso é, reunia em sua pessoa o homem de ideias e o homem de ação [...]. O pensamento político e revolucionário de Che terá um valor permanente no processo revolucionário da América Latina.” 

50. Guevara fica na memória coletiva dos povos como o defensor dos oprimidos, que se indignou com as injustiças, o símbolo do desinteresse e o homem que pegou em armas em nome do interesse superior dos condenados da terra. 



Fonte: Opera Mundi

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Simone de Beauvoir: o que é ser mulher?


Justamente por ter uma lógica própria de se colocar no mundo, Simone decidiu escrever “O Segundo Sexo” ao perceber que nunca havia se perguntado: o que é ser mulher? Essa continua sendo uma pergunta atual, que deve ser feita por todas nós em algum momento da vida.

Por Bia Cardoso
Hoje é o aniversário de Simone de Beauvoir. Se estivesse viva, ela faria 104 anos. É dela uma das principais frases do movimento feminista: “Não se nasce mulher, torna-se mulher.” A mulher não tem um destino biológico, ela é formada dentro de uma cultura que define qual o seu papel no seio da sociedade. As mulheres, durante muito tempo, ficaram aprisionadas ao papel de mãe e esposa, sendo a outra opção o convento. Porém, a própria Simone rompe com esse destino feminino e faz de sua vida algo completamente diferente do esperado para uma mulher.
Nascida em uma família da alta burguesia francesa, Simone era a mais velha de duas filhas. Durante sua infância a família faliu e, por considerar que as filhas não conseguiriam bons casamentos, pois não havia dinheiro para um bom dote, George de Beauvoir se convenceu de que somente o sucesso acadêmico poderia tirar as filhas da pobreza.
De fato, Simone de Beauvoir teve mais poder de escolha que muitas mulheres de sua época. A educação e o desenvolvimento acadêmico são até hoje maneiras de forjar mulheres mais independentes, que rompem com os padrões de sua época. Ela faz uma crítica aos valores burgueses nos quais foi criada no livro “Memórias de uma moça bem comportada”.
Simone de Beauvoir tinha 41 anos quando publicou “O Segundo Sexo”, em 1949. Já naquela época a obra levantou inúmeras polêmicas. Uma das principais acusações é que Simone ridicularizava os homens. Isso é uma acusação que muitos usam contra o feminismo. Porém, as pessoas parecem não querer compreender o que realmente se passa na vida das mulheres e como todo o poder está concentrado nas mãos dos homens. “O Segundo Sexo” não é uma fonte historiografica para conhecer a história da mulher desde a antiguidade. É uma obra de inspiração, fundamental para descortinar a maneira pela qual as mulheres são criadas justamente para serem menos que os homens. Você pode baixar “O Segundo Sexo” em .pdf no blog Livros Feministas.
Lendo algumas das críticas que foram feitas a “O Segundo Sexo”, muitas parecem absurdas, mas ainda lemos opiniões conservadoras e moralizantes em diversos cadernos de opinião da mídia brasileira, especialmente quando se trata da sexualidade feminina. Entre seus críticos estava François Mauriac, escritor francês, que em uma de suas enquetes no Figaro Littéraire perguntou: “Estaria a iniciação sexual da mulher no seu devido lugar no sumário de uma revista literária e filosófica séria?” A questão dividiu os intelectuais. Para muitos “O Segundo Sexo” é um “manual de egoísmo erótico,” recheado de “ousadias pornográficas”; não passa de “uma visão erótica do universo”, um manifesto de “egoísmo sexual.” Jean Kanapa insiste: “Mas sim, pornografia. Não a boa e saudável sacanagem, nem o erotismo picante e ligeiro, mas a baixa descrição licenciosa, a obscenidade que revolta o coração.” A polêmica mistura tudo. A contracepção e o aborto são ligados nas mesmas frases às neuroses, ao vício, à perversidade, e à homossexualidade. Segundo uma carta da enquete, “a literatura de hoje é uma literatura de esnobes, de neuróticos e de impotentes.” Claude Delmas deplora “a publicação por Simone de Beauvoir dessa enjoativa apologia da inversão sexual e do aborto.” Pierre de Boisdeffre em Liberté de l’ésprit assinala “o sucesso de O Segundo Sexo junto aos invertidos e excitados de todo tipo.” Leia mais em O Auê do Segundo Sexo de Sylvie Chaperon, publicado no Cadernos Pagu 12, de 1999.
Nenhuma obra, literária ou acadêmica, de Simone de Beauvoir foi recebida com indiferença. Sua principal contribuição é sempre propor a discussão democrática e as rupturas das estruturas psíquicas, sociais e políticas. Por ser escrito por uma mulher e para mulheres, “O Segundo Sexo” levanta diversas questões, até mesmo no meio literário. Há muito tempo a literatura classificada como feminina é sinônimo de textos sem grande aprofundamento teórico. Além disso, não era comum tratar de assuntos como sexualidade, maternidade e identidades sexuais, mesmo na França do pós-guerra.
Em 2009, Fernanda Montenegro estreou a peça “Viver Sem Tempos Mortos”, baseada nas cartas autobiográficas de Simone de Beauvoir. A temporada de 2011 foi encerrada em dezembro, mas há a possibilidade da peça reestrear novamente no futuro. Em entrevista a Revista Bravo, Fernanda Montenegro respondeu algumas perguntas sobre sua relação com a obra de Beauvoir:
Qual o primeiro livro dela que você leu?
Foi O Segundo Sexo, que saiu em 1949 e se transformou num clássico da literatura feminista, sobretudo por apregoar que as mulheres não nascem mulheres, mas se tornam mulheres. Ou melhor: que as características associadas tradicionalmente à condição feminina derivam menos de imposições da natureza e mais de mitos disseminados pela cultura. O livro, portanto, colocava em xeque a maneira como os homens olhavam as mulheres e como as próprias mulheres se enxergavam. Tais ideias, avassaladoras, incendiaram os jovens de minha geração e nortearam as nossas discussões cotidianas. Falávamos daquilo em todo canto, nos identificávamos com aquelas análises. Simone, no fundo, organizou pensamentos e sensações que já circulavam entre nós. Contribuiu, assim, para mudar concretamente as nossas trajetórias.
De que modo alterou a sua?
Sou descendente de italianos e portugueses, um pessoal muito simples, muito batalhador, e me criei nos subúrbios cariocas. Desde cedo, conheci mulheres que trabalhavam. E reparei que, entre os operários, na briga pela sobrevivência, os melindres do feminino e as prepotências do masculino se diluíam. Era necessário tocar o barco, garantir o sustento da família sem dar bola para certos pudores burgueses. Nesse sentido, a pregação feminista de que as mulheres deviam ir à luta profissionalmente não me impressionou tanto. Um outro conceito me seduziu bem mais: o da liberdade. A noção de que tínhamos direito às nossas próprias vidas, de que poderíamos escolher o nosso rumo e de que a nossa sexualidade nos pertencia. Eis o ponto em que o livro de Simone me fisgou profundamente. Lembro-me de quando vi pela primeira vez a cena da bomba atômica explodindo. Ou de quando me mostraram as imagens dos campos de concentração nazistas. O impacto negativo que aquilo me causou foi parecido com o impacto positivo que O Segundo Sexo exerceu sobre mim. Garota, já suspeitava que não herdaria o legado de minha mãe e de minhas avós, que não caminharia à sombra masculina. O livro de Simone me trouxe os argumentos para levar a suspeita adiante. Continue lendo em A vida é um demorado adeus.
Justamente por ter uma lógica própria de se colocar no mundo, Simone decidiu escrever “O Segundo Sexo” ao perceber que nunca havia se perguntado: o que é ser mulher? Essa continua sendo uma pergunta atual, que deve ser feita por todas nós em algum momento da vida.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O PSDB e sua "indignação seletiva" para casos de corrupção.

A indignação tucana é um primor de seletividade e parcialidade: só há indignação se houver suspeita de malfeito que envolva o PT ou Dilma Rousseff.

Orlando Brito / OBritoNews

Por Daniel Quoist

Impressiona a indignação seletiva do PSDB com casos de corrupção. Mas a frase, para ser verdadeira, não pode terminar aí.


É que a indignação tucana é um primor de seletividade e parcialidade: só há indignação se houver suspeita de malfeito que envolva, mesmo que com meros sinais de fumaça, o PT ou Dilma Rousseff, seja o governo, seja a pessoa.


Qualquer denúncia urdida na grande imprensa - das rotativas de Veja às empresas de comunicação da Globo, passando pelos jornais Folha de S.Paulo e Estado de São Paulo – que tenha poder de desgastar o PT ou o governo Dilma Rousseff, recebe desdobramentos previsíveis e imediatos por parte do PSDB.


No Senado, a indignação assoma à tribuna juntamente com Álvaro Dias. Na Câmara, perfaz o espetáculo “indignadosinho de sempre” emulado por Carlos Sampaio. Na blogosfera tucana repercute nos textos de Augusto Nunes e Reinaldo Azevedo, ambos abrigados no portal de Veja.


Se é contra o PT/Dilma Rousseff a força da marola é potencializada em tsunami indonésio.


Mas se o assunto é corrupção envolvendo próceres tucanos, o silêncio, além de constrangedor, é sepulcral. É o caso do cartel permeando contratos dos trens de São Paulo. É o caso da máfia do ISS também em São Paulo. É o caso do mensalão tucano, envolvendo o deputado Eduardo Azeredo e dando origem aos esquemas criminosos chancelados por Marcos Valério, personagem-chave e onipresente no chamado mensalão do PT.


Este maniqueísmo tucano é o mesmo maniqueísmo midiático que vem solapando a fugidia credibilidade de veículos de nossa grande imprensa, acima nomeados. A mídia tonifica a indignação tucana com supostos escândalos envolvendo seu inimigo figadal, o PT, e reduz a poucos tons de cinza a repercussão de maracutaias das grossas envolvendo os quase vinte anos de poder tucano em São Paulo, passando pelos governos Covas, Alckmin e Serra.


É tão desigual – e tão partidarizada – a cobertura de uns e de outros que não tardará o dia em que a Associação Nacional de Jornais e o Instituto Millenium irão requerer participação no Fundo Partidário, a par com o PSDB, PT, PMDB, DEM, PSOL.


A defesa do PSDB é valsa de uma nota só. “Tudo é armação. Não passa de perseguição. Isso se chama aparelhamento do Estado”. No caso do “trensalão tucano” nenhum porta-voz pessedebista estranhou que o procurador Rodrigo de Grandis tenha justificado a perda do prazo de cooperação com as autoridades suíças afirmando que havia arquivado numa pasta errada os ofícios do Ministério da Justiça que continham os pedidos de cooperação sobre o cartel da CPTM. E o engavetamento, ôpa!, o arquivamento em pasta errada vem desde 2010. Não é algo por demais estranho? E exótico, mesmo para os padrões brasileiros?


Ninguém viu Álvaro Dias no Senado pedindo instalação de CPI para investigar o cartel dos trens de São Paulo e muito menos propor a convocação do procurador De Grandis para receber aula da Comissão Permanente do Senado sobre a arte de arquivar corretamente documentos. A TV Câmara não transmitiu nenhum discurso estabanado de Carlos Sampaio descendo a lenha em Rodrigo De Grandis. Trens, então, nenhum piado.


Ao mesmo tempo, sempre em conluio com a grande imprensa, o PSDB se fez de morto com a recente operação em que a Polícia Federal apreendeu 445 quilos de cocaína em helicóptero do senador mineiro Zezé Perrela. Optou por fazer gênero indignação zero. Também nenhum chiado. Silentes estavam, calados ficaram. E por quê? Simples, é muito delicado colocar em uma mesma frase palavras como Cocaína – PSDB – Aécio. E no caso do helicóptero o que mais se especulou foi a muito próxima amizade entre Zezé Perrela e o senador Aécio Neves, ambos torcedores apaixonados do Cruzeiro, mas não só isso, atestam muitos perfis nas redes sociais da internet.


Fato é que imagem de helicóptero com quase meia tonelada de cocaína apreendida, sendo de propriedade de um figurão da política mineira e cujo piloto é lotado como assessor de seu filho, deputado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, jamais deixaria de ser capa de revistas semanais e de jornais de circulação nacional.


Mas no Brasil, país que tanto se preza a liberdade de imprensa, simplesmente deixou de ser capa. No caso de Veja, a capa foi sobre games. Peculiar, não? E é assim que com pés e mão de barro desejam empunhar a bandeira da moral e dos bons costumes, onde imoralidade e maus costumes só se pode ver no lado do governo.


Ridículo se não fosse pateticamente risível.


Fonte: Carta Maior

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Europa: o espectro da extrema-direita



Em três países, partidos ultraconservadores e xenófobos podem vencer eleições para Parlamento Europeu. Ascensão revela, em contrapartida, oportunidade para esquerda.
Por Antonio Martins
Como o bom jornalismo, mesmo quando produzido com viés conservador, ajuda a enxergar os fatos e a interferir sobre seu desfecho. A revista inglesa Economist acaba de publicar um editorial e uma análise sobre uma das tendências políticas mais preocupantes da atualidade: o rápido crescimento, na maioria dos países da Europa, de partidos políticos de extrema-direita. Os textos revelam: tais agremiações podem conquistar até 10% das 751 cadeiras do próximo Parlamento Europeu, a ser eleito em maio. Mais: em nações com influência destacada sobre o continente e além dele — como Inglaterra, França e Holanda — a ultradireita pode ser majoritária, nesse pleito. Não se trata apenas de um fenômeno eleitoral. O estado de bem-estar social, que constituiu uma espécie de identidade comum europeia no pós-II Guerra, entrou em declínio agudo, com a crise econômica pós-2008. A esquerda não foi capaz, ainda, de apresentar uma alternativa. Diante do vazio, uma parcela considerável das populações busca refúgio em três atitudes: uma crítica difusa e desesperançada às instituições políticas, vistas como elitistas e corruptas; a nostalgia em relação a um passado comunitário ou nacional supostamente glorioso; e, em especial, o ressentimento — ou o ódio — em relação ao outro, em especial o não-europeu.
A extrema-direita que cresce, mostram os textos de Economist, não é homogênea. Em alguns casos, ela assume claramente seu caráter truculento e brutal. O partido gregoAurora Dourada (7% dos votos, em 2012), por exemplo, assemelha-se aos nazistas tanto em seu símbolo (muito semelhantes à suástica) quanto em suas práticas. Constitui milícias armadas, agride imigrantes e envolveu-se em assassinatos. Já Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional francesa (17,9%, em 2012) e Nigel Farage, à frente do Partido Independentista do Reino Unido procuram construir para suas agremiações uma imagem respeitável. Rejeitam associação a regimes autoritários, participam sem exaltação de debates na TV.
Há divergências inclusive em relação a questões que simbolizaram a atitude da extrema-direita no passado: a postura diante dos judeus, por exemplo. A Frente Nacional não dissociou-se de seu passado antissemita (Jean-Marie Le Pen, pai de Marine e fundador do partido, afirmava que o Holocausto promovido pelos nazistas foi “um detalhe” na História). Já o Partido da Liberdade (PVV) holandês é ardorosamente pró-Israel (além de defender o casamento gay).
Mas todos estes partidos têm, em comum, um tipo de crítica às instituições e ao status-quo que merece ser examinado atentamente, inclusive porque pode fazer sucesso não apenas na Europa. Eles denunciam o empobrecimento de parcelas crescentes da população. Não desejam, é claro, associar este fenômeno a suas causas reais — em especial, o avanço da desigualdade e o surgimento de uma oligarquia financeira. Mas são hábeis em apontar, como culpados, os “políticos” (em especial a Comissão Europeia) e, em especial, o estrangeiro. Apresentam os imigrantes como bárbaros que vão à Europa para disputar os serviços sociais com os cidadãos “nacionais”. Odeiam, em especial o Islã e os muçulmanos. Estes representam, em seu discurso, o mesmo papel de “ameaça externa” que Hitler associava aos judeus.
Esta capacidade de capitalizar o sentimento social e dirigi-lo para causas retrógradas torna a extrema-direita perigosa não apenas pelo risco de sua eventual chegada ao poder. Ela contamina, crescentemente, as agendas nacionais. Os partidos da direita tradicional (e mesmo da antiga social-democracia) têm aprovado, cada vez mais, leis e medidas que restringem a imigração e limitam os direitos e liberdades dos estrangeiros.
Embora sombrio, o cenário revela, visto por outro ângulo, uma janela de oportunidade. Se parcelas crescentes dos europeus assumem posições anti-establishment, não seria possível oferecer-lhes outras saídas? Como fazê-lo? Dependerá, provavelmente, de dois fatores. Um deles está nas ruas: os movimentos autônomos de protesto, que eclodiram em diversos países do Velho Continente em 2011, conseguirão se rearticular — e mais que isso, formular reivindicações e programas claros? O outro encontra-se no cenário institucional: os partidos de esquerda serão capazes de dar outro sentido ao desconforto das populações?
Vale registrar um fato animador. Na semana passada, Alexis Tsipras, líder do partido grego Syriza, foi escolhido num congresso de partidos de esquerda europeus como candidato do grupo à presidência da Comissão Europeia. Esta condição torna-o uma espécie de porta-voz comum dos partidos, nas eleições europeias de maio. O Syriza(27% nas eleições gregas de 2012) é conhecido precisamente por sua capacidade de dialogar com amplos setores do eleitorado e de articular ação institucional com mobilização dos movimentos sociais.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Pão de Açúcar e a exploração do trabalho adolescente


Justiça determina que unidade da rede de supermercados em Ribeirão Preto (SP) deixe de praticar irregularidades trabalhistas.

Igor Ojeda
Da Repórter Brasil
O supermercado Pão de Açúcar é “lugar de gente feliz”, diz o comercial na TV. Clientes felizes e ecologicamente sustentáveis encontram, em qualquer loja da rede, funcionários igualmente felizes e ecologicamente sustentáveis sempre dispostos a atendê-los.
De acordo com a juíza Francieli Pissoli, da 5ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto (SP), no entanto, a realidade é um pouco diferente. Em decisão de novembro deste ano, ela concedeu liminar favorável ao Ministério Público do Trabalho (MPT) determinando ao Grupo Pão de Açúcar (GPA) que deixe de praticar uma série de irregularidades trabalhistas, entre estas, a submissão de jovens aprendizes a desvios de função e de seus funcionários em geral a jornadas excessivas. As violações foram fl agradas por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na loja do grupo localizada na avenida João Fiúsa, na Zona Sul de Ribeirão Preto, interior de São Paulo.
Segundo a fiscalização, a gerência da unidade obrigava os adolescentes contratados pelo programa de aprendizagem a trabalhar como caixas e empacotadores, em períodos noturnos e em regime de compensação de jornada, condições não permitidas pela legislação brasileira. Além disso, a empresa não cumpria o número mínimo de 5% de aprendizes em relação ao total do quadro de empregados.
De acordo com a fiscalização do MTE, além de desrespeitar as violações dos direitos dos adolescentes aprendizes, o Pão de Açúcar Fiúsa, como a unidade era conhecida, não cumpria com algumas obrigações trabalhistas dos funcionários adultos. Extensão de jornadas acima do permitido, ausência de intervalos regulares e descanso semanal, e falta de registro de horário de entrada e saída dos empregados foram algumas das práticas fl agradas.
Em nota enviada à reportagem, o Grupo Pão de Açúcar afi rma que cumpre a legislação trabalhista e “repudia qualquer situação de violação aos seus preceitos”. Sobre os adolescentes, a rede garante que seu programa direcionado a aprendizes possui diretrizes “orientadas pelas leis vigentes”, o objetivo de “possibilitar a entrada desses jovens no mercado de trabalho” e a premissa do “desenvolvimento e aperfeiçoamento profissional dos participantes da iniciativa”.
A Ação Civil Pública (ACP) havia sido ajuizada pelo procurador Henrique Lima Correia, da Procuradoria do Trabalho do Município de Ribeirão Preto, após o Pão de Açúcar ter se negado a firmar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) proposto por Correia. “As denúncias de irregularidades chegaram a nós através do site da Procuradoria. Chamei o Pão de Açúcar para se manifestar sobre elas. Se fossem verdadeiras, que firmássemos um acordo extrajudicial, um TAC. A empresa negou que houvesse irregularidades e não aceitou firmar o TAC. Então requisitei uma fiscalização junto aos fiscais do trabalho. Esta foi feita e foram constatadas várias irregularidades”, explica o procurador à Repórter Brasil.
Uma vez flagradas as violações, e como a rede de supermercados já havia se recusado a firmar qualquer acordo extrajudicial, Correia decidiu entrar com a ação solicitando, por meio de antecipação de tutela, que a empresa imediatamente cessasse de realizar tais práticas irregulares. “Em razão das graves irregularidades, além de pedir para que fosse regularizado tudo isso, solicitei à Justiça a condenação, por danos morais coletivos, ao pagamento de R$ 400 mil”, esclarece o procurador. Caso o Judiciário condene o Pão de Açúcar, esse valor será revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
A inspeção à unidade do Pão de Açúcar na Zona Sul de Ribeirão Preto, realizada pela Gerência Regional do Trabalho e Emprego (GRTE) do município, teve como resultado 11 autos de infração. Foram encontrados jovens aprendizes em jornadas abusivas e trabalhando em horários noturnos – depois das 22 horas. Além disso, os auditores verificaram que adolescentes estavam incluídos em banco de horas, que controlava a realização de horas-extras e a concessão de folga compensatória.
“Registre-se que a situação ora autuada contraria o disposto no artigo 432, caput, da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], que assim dispõe: ‘A duração do trabalho do aprendiz não excederá de seis horas diárias, sendo vedadas a prorrogação e a compensação de jornada’”, argumenta a ação ajuizada pelo procurador Henrique Lima Correia.
Trabalho infanto-juvenil
A psicóloga Fabrícia Rodrigues Amorim Aride, estudiosa da questão do trabalho adolescente, lamenta que o caso do Pão de Açúcar não seja isolado. Segundo ela, há no Brasil uma cultura de valorização do labor de crianças e adolescentes como um meio de afastá-los da ociosidade e da possível delinquência, e, quando vinculado às tradições familiares de organização econômica, fazê-los aprender um ofício e auxiliar na mão de obra familiar. “Em contrapartida, pode ocorrer a exploração da mão de obra infanto-juvenil, legitimada pelo governo, que muitas vezes é a única forma de sustento formal da família”, pondera.
De acordo com a psicóloga, apesar de trazer um retorno imediato, o trabalho nessa idade pode ter consequências de longo prazo. “Por exemplo, abandono escolar e diminuição da interação social devido ao cansaço físico, afastamento de amigos que passam a ver esse jovem de uma forma diferente (e ele também pode passar a se ver dessa maneira) e, entre outras questões, inserção precoce nas angústias características dos trabalhadores.”
Além disso, segundo ela, a entrada dos jovens no mercado de trabalho geralmente não traz a possibilidade de ascensão social, perpetuando, desse modo, a pobreza e a desigualdade social. “Infelizmente, pode-se dizer que os jovens de baixa renda sofrem mais impactos negativos do que os jovens de classes mais privilegiadas, visto que aos segundos são dadas possibilidades de aprendizagens bem diferenciadas, como por exemplo, cursos, intercâmbios, viagens, enquanto aos primeiros, as atividades profissionalizantes que funcionam sob a égide ‘mente vazia é oficina do Diabo’”, analisa Fabrícia.
Aprendizagem
De acordo com a legislação brasileira, não é permitido empregar jovens de idade inferior a 18 anos em trabalhos noturnos, perigosos ou insalubres. Adolescentes de 16 anos ou menos não podem ser contratados para nenhum trabalho, salvo na condição de aprendiz, permitida a partir dos 14 anos. Segundo o MTE, “aprendiz é o empregado com um contrato de trabalho especial e com direitos trabalhistas e previdenciários garantidos. Parte do seu tempo de trabalho é dedicada a um curso de aprendizagem profissional e outra é dedicada a aprender e praticar no local de trabalho aquilo que foi ensinado nesse curso”.
A aprendizagem foi estabelecida oficialmente no Brasil pela Lei 10.097/ 2000 e regulamentada pelo Decreto 5.598/2005. Lei e decreto determinam que qualquer empresa de médio e grande porte é obrigada a contratar adolescentes e jovens entre 14 e 24 anos, cujo contrato terá, no máximo, dois anos de duração.
Ao mesmo tempo, estes devem ser matriculados em cursos de aprendizagem ministrados por instituições qualificadoras reconhecidas, que serão as responsáveis pela certifi cação – por exemplo, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), escolas técnicas e entidades sem fi ns lucrativos que tenha como objetivo a educação profissional. A carga horária máxima é de seis horas diárias, podendo chegar a oito caso estejam incluídos os períodos dedicados ao aprendizado teórico. “A aprendizagem deve ter caráter mais pedagógico do que de trabalho. As funções que os adolescentes estavam ocupando na loja do Pão de Açúcar de Ribeirão Preto não eram condizentes com a aprendizagem”, explica o procurador do trabalho responsável pela ação.
Para Fabrícia, a regulamentação da aprendizagem pelo governo federal foi uma iniciativa importante, que propiciou a legalização e o reconhecimento dos direitos dos adolescentes, uma vez que, segundo ela, o trabalho é uma atividade estruturante da vida e tem importância fundamental na construção da identidade do jovem. “Entretanto, não há uma lei que defina o que de fato seja o trabalho educativo e imponha limites a ele. Observamos, por exemplo, jovens universitários trabalhando em organizações sem ligação nenhuma com sua futura formação profissional, e acobertando um problema ainda mais amplo: a ausência de contratações efetivas pelas instituições. Portanto, essa é uma questão que não se restringe apenas aos jovens do programa”, alerta.
Pão de Açúcar
De acordo com sua própria página na internet, o Grupo Pão de Açúcar – empresa do Grupo Casino, de origem francesa – é um dos líderes mundiais no varejo de alimentos. É a maior companhia da América Latina no setor, com quase 2 mil pontos de venda e mais de 155 mil funcionários. Controla ainda estabelecimentos como Extra, Casas Bahia e Ponto Frio. Em 2012, registrou lucro recorde: R$ 1,1 bilhão, crescimento de 60,7% em relação ao ano anterior. Em 2013, os primeiros nove meses já renderam R$ 709 milhões, alta de 14,8% em comparação ao mesmo período do ano passado.
No tópico “Missão, visão e pilares” de seu site, o grupo chama seus trabalhadores de “nossa gente”, que são, de acordo com o site, “profissionais com excelência técnica, bem preparados e motivados para assumir desafios, riscos e atitudes inovadoras. Pessoas que gostem de servir, que valorizem o respeito em suas relações internas com o cliente, fornecedores e parceiros”. Entre os princípios da empresa, figuram, entre outros, a garantia de que “nossa gente é gente que faz a diferença” e o compromisso “com o crescimento de uma sociedade justa, humana e saudável”. Sobre o Instituto Pão de Açúcar, voltado à responsabilidade social, o GPA diz que “acredita e sempre trabalhou com foco no potencial humano, acreditando que, quando estimulada, sua força latente se revela e dá novos sentidos a vida”.
Já a unidade Fiúsa, de Ribeirão Preto, foi inaugurada em novembro de 2009. De acordo com informações da imprensa da época, foi a segunda do grupo na cidade e o primeiro “supermercado Verde” local: foram investidos R$ 11 milhões para que todas as etapas da implementação da loja fossem concebidas sob critérios de responsabilidade socioambiental, segundo a empresa.