sexta-feira, 25 de abril de 2014

Diego Grossi: "O Tiradentes que conhecemos tem muito de construção mitológica"


Brasil - Diário Liberdade - 21 de abril é feriado nacional no Brasil, devido à lembrança da morte de Tiradentes, herói nacional, em 21 de abril de 1792.



Nascido em Minas Gerais em 1746, Joaquim José da Silva Xavier foi um dentista (por isso o apelido “Tiradentes”) e um dos militantes do movimento conhecido como Inconfidência Mineira. Tiradentes e seus companheiros foram traídos, e ele, condenado à morte na forca e esquartejado em público. Seus restos mortais foram expostos para que toda a população soubesse as consequências de uma revolta contra a coroa portuguesa.

O Diário Liberdade entrevistou o historiador Diego Grossi, que conta um pouco da breve história da Inconfidência Mineira e os mitos e verdades que envolvem o nome de Tiradentes.

O que tem a dizer sobre Tiradentes, do ponto de vista revolucionário / libertário?

O Tiradentes que conhecemos é muito mais uma construção memorialística, mitológica, do que realmente a história de um indivíduo revolucionário. Não sou especialista em Brasil Colonial nem em Tiradentes, mas pelo que posso perceber existem, na verdade, poucas informações sobre o Joaquim José, vulgo Tiradentes. A própria imagem dele barbudo com a corda no pescoço foi feita depois.
Tiradentes foi um herói perfeito para personificar a identidade de um republicanismo elitista que servisse às classes dominantes brasileiras. Foi mártir, porém não derramou sangue alheio (o movimento foi descoberto ainda na fase de conspiração), foi soldado, era pobre, homem do povo, mas instruído. Não é por acaso que todos conhecem Tiradentes, mas desconhecem os mártires da Conjuração Baiana, movimento muito mais radical e popular, porém, ignorado pela historiografia oficial. Claro que tudo isso não inviabiliza o valor pessoal do Joaquim José, pois é fato que ele foi um revolucionário, que deu sua vida pela independência. O único aliás, pois de todos os conspiradores era o mais pobre, por isso pegou a pena máxima, foi feito de bode expiatório (possivelmente não era líder nenhum, pagou caro por ser um filho humilde do povo brasileiro).
É uma memória em disputa. A elite impôs o Tiradentes "pacífico", imaculado, quase um Cristo (e a semelhança na "aparência" construída não é coincidência), cabe ao povo resgatar o heroísmo, o martírio dos humildes e os sentimentos inabaláveis de justiça e libertação nacional. Nesse sentido podemos observar alguns processos na própria Ditadura Militar, como o Movimento Revolucionário Tiradentes (uma das organizações armadas com maior presença da classe trabalhadora) e uma comparação feita por Zuzu Angel que, diante do martírio do seu filho, Stuart Angel (guerrilheiro morto sob torturas de forma bárbara, já que, entre outras formas, foi preso num carro com a boca no cano de descarga e arrastado durante longo tempo), disse que o mesmo seria pra sempre lembrado como um "Tiradentes dos tempos modernos".

Qual era a situação do povo de Minas Gerais naquela época?

A situação da população em Minas era extremamente contraditória, pois o desenvolvimento local ocasionado pela extração do ouro atendia apenas a uma minoria, enquanto a maior parte era excluída.
Como a migração para o local foi muito grande ao longo do século XVIII, a "infraestrutura" local não era capaz de atender a todos, além disso, por motivos óbvios, nem todos que iam pra lá enriqueciam como acreditavam, muitos ficavam na miséria. Logo aumentou a população, aumentou o número de miseráveis, cresceu a criminalidade e a violência e, de quebra, o poder público não tinha como oferecer seus serviços básicos.
Somava-se a isso a exploração de Portugal, que exigia uma grande "fatia do bolo", do ouro. Quando começou a reduzir a quantidade de ouro retirado, eles não foram inteligentes o suficiente para reduzir também a quantidade absoluta do que recebiam, forçando a manutenção de seu enriquecimento enquanto os mineiros já não conseguiam a mesma quantidade elevada de antes. Isso jogou a própria elite local contra Portugal e daí os motivos da Inconfidência Mineira ser um movimento, no geral, de caráter elitista.

Os inconfidentes tinham influências dos iluministas. Quais eram suas principais características e objetivos para o Brasil e Minas?

Sim, nessa época os filhos da elite brasileira tinham que estudar na Europa se quisessem uma boa educação e um dos locais mais visitados era Paris, centro de difusão do pensamento iluminista. Lá eles tinham contato com o pensamento progressista da época e acabavam até mesmo trazendo literatura burguesa pra cá (se não me engano o próprio Tiradentes entrou em contato com essa literatura por conta de um parente que visitou o exterior e lhe trouxe alguns livros).
Existem poucas fontes históricas sobre os Inconfidentes, ao que parece o núcleo dos estudos foram os próprios processos, ou seja, algo arriscado, já que estamos estudando alguém de acordo com o que o adversário dizia dele. De qualquer forma, tudo indica uma perspectiva republicana e separatista, ou seja, queriam libertar Minas de todo o sistema colonial, inclusive outras regiões do Brasil, para assim construir uma república, ainda que elitista (aparentemente, não era objetivo dos inconfidentes tocar na questão da escravidão). Possivelmente a perspectiva federativa, de se unir com outras repúblicas que viessem a acompanhar o processo, estava também no horizonte.

Então, se tivesse êxito, a insurreição inconfidente seria uma "revolução burguesa"?

O conceito de "revolução burguesa" não é consensual, mas os objetivos dos inconfidentes estavam em sintonia direta com o pensamento burguês típico da Europa e seus objetivos levariam ao capitalismo. Logo, sim, foi uma tentativa de revolução burguesa (e vale lembrar que clássicos do liberalismo, como Locke e Jefferson admitiam a escravidão sem o menor problema, portanto não seria uma "peculiaridade brasileira").

Mas o povo mineiro sabia da Inconfidência, ele havia aderido ao movimento ?

O movimento foi traído ainda na fase de preparação, quando Joaquim Silvério dos Reis, um dos conspiradores, o entregou para as autoridades portuguesas, esperando ser recompensado.
Os revoltosos haviam planejado conclamar o levante quando as autoridades portuguesas fossem recolher os impostos do ouro, porém, antes dessa data, sem terem tido qualquer comunicado público ou trabalho com as massas, foram traídos e presos.
Logo, a população, com exceção dos poucos conspiradores (e, possivelmente, de um círculo de amigos e contatos políticos individuais muito próximos destes que jamais se revelaram e que, portanto, dificilmente serão registrados pela história), não ficou sabendo até as próprias autoridades portuguesas denunciarem os "criminosos" e assassinarem Tiradentes para que ninguém ousasse repetir a tentativa.

E o que aconteceu com o movimento após a morte de Tiradentes?

A morte do Tiradentes é um aspecto que, por si só, não pode dizer os destinos do movimento, pois, como eu havia citado, possivelmente ele não era nenhum tipo de liderança maior, não era chefe dos outros inconfidentes. No entanto, todo o movimento foi desarticulado, já que outras pessoas foram presas, expulsas do país, etc.
A Inconfidência é derrotada por Portugal antes de poder fincar raízes profundas. Talvez seja um trabalho ainda a ser realizado pelos historiadores a identificação de alguma herança desse movimento. Se houve, ainda não foi registrada pela "história oficial", mas acredito que, pela falta de trabalho popular, origem social dos dirigentes, propaganda portuguesa criando uma imagem dos conspiradores enquanto criminosos, etc. toda essa fama de Tiradentes e da Inconfidência Mineira seja realmente, como eu disse acima, uma reconstrução já dos tempos republicanos.

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