sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Tarifa do transporte: o que está por trás dela?

Foto Passe Livre

Por Mauro Zilbovicius e Lúcio Gregori,

Há um ‘personagem’ que monopoliza a narrativa dos protestos e debates em torno da tarifa do transporte coletivo urbano: a “caixa preta” na qual se ocultam as distorções e gorduras de planilhas controladas pelas empresas do setor.

A planilha misteriosa atravessa os tempos: é a mesma utilizada pelo GEIPOT, ainda na ditadura.

A trajetória adensa as suspeitas e expectativas: uma vez aberta a caixa preta, resolve-se o desafio de baratear e qualificar o transporte coletivo?

Nada mais equivocado.

Os dois principais itens da operação são a mão de obra (entre 45% e 50% do custo total) e os combustíveis (em torno de 20% do total).

Manutenção, reposição, impostos, taxas, depreciação do investimento em novos veículos, garagens complementam o núcleo duro dos custos.

Nada disso está oculto, nem é difícil de medir. Antes dos reajustes, a prefeitura de São Paulo publica essa planilha no Diário Oficial e na internet.

Por aí a margem de manobra é estreita.

A verdadeira caixa preta consiste em destrancar a lógica que ordena a discussão.
Só se supera aquilo que se substitui.

A prefeitura precisa trazer para a cidadania e para as empresas outra lógica, ancorada em dois pilares de discussão: a) o custo total do sistema de ônibus e b) o critério de remuneração das concessionárias ou permissionárias, contratadas para executar o serviço.

Esta é a chave.

Essa ponderação permitirá à cidade e às autoridades avaliarem se o custo total do sistema é remunerado adequadamente ou não.

Um sistema de ônibus urbanos pode e deve ser dimensionado a partir da demanda e da concepção da cidade.

(Esse novo dimensionamento deve incluir os seguintes itens): trajetos, frequências, conforto da viagem, o nível de ocupação dos ônibus --passageiros por metro quadrado, no horário de pico ou de ‘vale’ –, tempo de viagem, tempo de espera no ponto, distância da origem e do destino dos pontos mais próximos, qualidade oferecida nos veículos (ar condicionado; motor traseiro; transmissão automática; piso baixo; nível de ruído interno e externo e outros).

Esse dimensionamento define os chamados capex e opex , respectivamente, os gastos de capital (capital expenditures) e da operação propriamente dita ( operational expenditures).

O conjunto define as condições do serviço a ser contratado. A formatação desse ‘pacote’ é um prerrogativa do planejamento urbano do contratante: a prefeitura, que não pode rebaixar o exercício dessa responsabilidade.

Feito isso, há que se reconhecer um fato crucial: dado um padrão de serviço exigido, seu custo é fixo em relação aos passageiros transportados. Em resumo: não importa quantos passageiros o veículo transportará.

O custo variável por passageiro, embora mensurável, é desprezível em relação ao custo fixo da operação. Um passageiro a mais não custa nada a mais (rigorosamente, custa uma fração infinitesimal do custo).

Os economistas dirão que, na margem, os passageiros custam zero.

O que modifica os custos são as variações significativas do nível de serviço (e consequentemente, dos insumos. Apenas quando acontecem, os custos mudam).

Assim, não tem o menor sentido falar-se em custo ou remuneração por passageiro.

O número de passageiros transportados não é, em si mesmo, o objeto de cálculo do custo do sistema, mas a base do seu dimensionamento.

Há situações correlatas que ajudam a entender essa escala do negócio.

Sistemas de TV a cabo, por exemplo, onde o novo assinante não representa custo, já que a rede está instalada para uma certa capacidade de ligações.

Ou ainda, sistemas de telefonia celular e fixo. Ou o passageiro adicional no avião que vai decolar de qualquer jeito, com lugares vazios.

A receita adicional nestes casos é bem vinda, desde que seja maior do que o custo variável e marginal do passageiro.

No caso do avião, este custo resume-se ao combustível gasto pelo peso do passageiro adicional.

O acréscimo tende a zero, comparado com os custos fixos da viagem.

Por isso, em todos estes negócios, o que importa é maximizar a receita usando o máximo do investimento feito: o custo, para todos os efeitos, é fixo.

O problema da companhia aérea é não transportar poltronas vazias... Razão pela qual existem planos promocionais desses serviços , caso da telefonia, por exemplo. Fale “x” minutos e não pague a mais , etc.

O intuito é ocupar no tempo, inteiramente, a rede operacional, cujo capex (gasto de capital) já foi feito na instalação do sistema e o opex (custo da operação) não cresce por conta da ligação a mais que o usuário completa.

Outro exemplo é o táxi.

Um passageiro entra no táxi. e diz o endereço de destino. A meio caminho encontra um ou mais amigos andando a pé e os convida para entrar no táxi. Esses novos passageiros obviamente não pagam nada por isso, pois não significaram quase nenhum custo adicional, este já calculado quando dos custos registrados no taxímetro.

Decorre daí a pergunta que remete à questão original da tal da lógica que ordena o custo da tarifa em São Paulo: se o custo é fixo, porque remunerar os contratados pela Prefeitura por passageiro, como acontece hoje?

Porque licitar e contratar por um valor de remuneração por passageiro se isso implica que, por exemplo, mais passageiros transportados proporcionam maior receita, e nenhum custo?

A lógica tem que mudar. O problema está nela, não na tal caixa preta.

Pior ainda.

Mantida essa lógica, ocorrem situações absurdas.

Uma hipótese: se o numero de passageiros cai no sistema porque, por exemplo, ele é de péssima qualidade, o que motiva concorrentes clandestinos, o contratante pode incorrer no erro de avaliar que o “custo aumentou” ( porque a fração custo/passageiro se eleva).

Em outras palavras, o contratante é onerado por uma ineficiência do contratado.

O custo unitário por passageiro é uma grandeza falaciosa e leva a esses erros crassos de política pública (e privada também, é forçoso admitir).

Um último exemplo do equívoco embutido na lógica de remuneração por passageiro.

Quando surge o serviço clandestino na linha, com tarifa de R$ 0,80, digamos, ele rouba 10% dos passageiros ( para uma tarifa de R$ 1,00) por exemplo.

Quem faz a conta por passageiro entenderá, erroneamente, que o sistema desequilibrou, pois menos passageiros resultarão em menor receita.

“Racionalmente” o contratante vai ter que reajustar a tarifa para compensar a perda de receita.

Ou, ainda, diminuir os custos reduzindo a frota operante, o que agravará novamente a sua situação, pois os clandestinos ficarão mais competitivos...

Uma espiral típica de “cabeças de planilha” que leva a um ciclo suicida…

Alguns argumentarão que a remuneração por passageiro é um instrumento de controle da prefeitura.
Supostamente, evitaria o descaso com passageiros abandonados nos pontos etc.

Vejamos. Num táxi., é o usuário que controla o trajeto, caso o motorista queira estendê-lo indevidamente. Nos ônibus, é o poder contratante que deve fiscalizar o trajeto, bem como as paradas obrigatórias, o total de passageiros recolhidos etc.

Hoje mais do que nunca, isso pode ser feito instantaneamente, com o aparato tecnológico disponível.

Para resumir: num sistema como o atual, que leve em conta a remuneração também por passageiro, o empresário é levado a baixar seu custo ofertando menos viagens, de modo a lotar um número menor de veículos, o que significará serviço de pior qualidade.

Além disso, dará prioridade às linhas mais rentáveis, ou seja, com alto índice de passageiros por extensão rodada.

Para ser enfático: a linha de ônibus e número de passageiros transportados não deve e não pode ser uma variável sobre a qual o empresário tenha qualquer interferência.

Não lhe diz respeito: quem decide isso é o contratante.

Ademais, é preciso advertir que nem Thatcher ou Pinochet conseguiram resolver os desafios dos sistemas de transportes coletivos à mercado.

Ou seja, não tem cabimento a prefeitura adotar um regime de concessão de linhas e mesmo de áreas ou regiões homogêneas em termos de passageiros por quilômetro.

Dadas as características monopsônicas (inverso de monopólio) desse mercado, cabe-lhe calcular o custo operacional e de capital, pagando, tão somente esse custo . Adicionando-lhe uma margem de lucro competitiva em relação a outras oportunidades de aplicação do capital.

Ponto.

Redefinido o jogo com base nessa lógica, aí sim, o poder concedente, a prefeitura de São Paulo, no caso, conseguirá dimensionar o sistema exclusivamente em função do interesse dos usuários e da cidade.

Livra-se do círculo vicioso que é a discussão a gosto das empresas, baseada no rateio de linha mais ou menos rentável, custo por passageiro etc.

A distorção não se limita à esfera financeira. Ela prejudica todo o planejamento e a ação da prefeitura no sistema de transporte.

Nos corredores de ônibus tal como operam atualmente, ocorre a mesma lógica perversa que descrevemos.

Mantido o equivoco do custo por passageiro, é fácil perceber-se porque eles acabam congestionados pelos próprios ônibus.

A razão é que as empresas vão disputar passageiros ali ferozmente, posto que também são remuneradas pela lotação.

Os corredores, desse modo, distanciam-se ainda mais da sua concepção original: um fluxo livre de um terminal a outro, salvo algumas eventuais exceções.

O corredor deve se mirar no metrô: não existe o caos da ‘ultrapassagem de veículos no metrô’; nenhum passageiro “espera o meu trem” numa estação de metrô. Assim deveria ser o corredor de ônibus.

Ao cancelar a maior licitação de linhas de São Paulo, a prefeitura abriu um espaço redefinir as bases do modelo de transporte que a cidade precisa e que ela vai contratar.

Repita-se, é sua prerrogativa definir as regras do jogo que tornem mais racional e eficiente o sistema de transporte na cidade.

O modelo de contratação e a fórmula de remuneração dos serviços devem ser debatidos de forma transparente com a cidadania.

A contratação por frota com exclusivo pagamento do opex calculado como acima mostrado e remuneração de capital, é de longe o que mais interessa à população.

Absurdos como o inverso, ou seja, frota pública operada pelas empresas, com gigantescos investimentos da Prefeitura/Estado em compra de frota, deixando às empresas o “filé” de terceirizar a mão de obra etc.; ou propostas de estatização completa do sistema, novamente fazendo uma enorme despesa de capital pela Prefeitura, são completamente fora de sentido no momento.

Curioso que essas “sugestões” são aventadas ao mesmo tempo em que o Prefeito diz não ter dinheiro para subsidiar R$0,20 na tarifa, ou diz que a Prefeitura corre o risco de insolvência.

O mais certo é a contratação de frota, como um fretamento.

Se mantido o sistema de concessão, que só tem vantagem para o empresário, é indispensável separar o custo da tarifa cobrada, se cobrada.

É o que prevê o artigo nono e parágrafos da Lei da Mobilidade promulgada pela presidenta Dilma, em janeiro de 2012.

Separa-se ali a tarifa (o opex) do que for a remuneração paga ao concessionário, conforme os custos. Estes devem ser calculados como mencionamos, da tarifa pública cobrada do usuário, desejavelmente subsidiada ou, no limite, zero.

A conjuntura atual tem muita semelhança com a de 1991, para melhor, pois a mobilização das ruas ampliou a margem de manobra da prefeitura.

Naquela oportunidade, os contratos em regime de concessões, que só interessam aos empresários, estavam vencidos como hoje.

A crise do transporte estava escancarada.

Como hoje, a ponto de o Prefeito suspender a concorrência para renovação das concessões.

Em 1991 os contratos de concessão foram substituídos pelos de fretamento, tal como descrito acima, com suas evidentes vantagens para a população.

Foram incorporados mais 2.000 novos ônibus em seis meses de contratos, para uma frota então existente de 8.000!

Um salto, tristemente revertido para o velho sistema de concessões e remuneração por passageiro, no governo de Marta Suplicy.

A irracionalidade dessa escolha é tanta que, por acaso, se a remuneração por passageiros for superior a dos custos do sistema (custo mais lucro), recursos adicionais serão indevidamente transferidos para os contratados. Um caso de enriquecimento ilícito?

Mas o inverso, em tese também pode ocorrer.

Se a remuneração for menor do que custo mais o lucro previamente definido, não se estará contribuindo para que o sistema se degrade, com retirada de ônibus?

No edital ora cancelado, propôs-se fazer a remuneração “50% por custos e 50% por passageiro”, algo que não tem qualquer sentido em termos de remuneração de custos reais.

É forçoso repetir à exaustão: a discussão sobre planilha de custos não deve ser o centro do debate; o que importa é a forma de remuneração dos serviços contratados.

A discussão de uma planilha absolutamente insuspeita, pode ser feita por um Conselho Municipal de Tarifas, com dois ou três representantes da Prefeitura, representantes da FIPE,
Dieese, Ministério Público, e outros representantes da sociedade civil, que estabelecerá essa planilha “acima de qualquer suspeita”.

Isso já aconteceu em 1989/1990 no governo municipal de São Paulo.

É hora de mudar, definitivamente, para o fretamento.

O que precisa ser estatizado, definitivamente, é a gestão do sistema.

Ou seja, a Prefeitura deve exercer integralmente sua prerrogativa e o direito de dimensionar linhas tendo em vista os interesses dos usuários e a cidade que se deseja.

Remunerar as empresas contratadas exclusivamente por custos operacionais e adicional de capital é o ponto de partida para se abrir e democratizar a discussão do transporte e da tarifa com a cidade.

A cidadania, através da Prefeitura, precisa exercer o seu poder de mando sobre as linhas. E isso inclui definir a lógica da remuneração pelo serviço prestado aos operadores da malha.

Trata-se de uma questão política. Não é contabilidade: é o poder de a cidade comandar o seu próprio destino.


Mauro Zilbovicius é ex-secretário interino de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo, professor doutor do Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP e membro do Conselho Curador da Fundação Vanzolini. 

Lúcio Gregori é engenheiro e ex-secretário de Transportes da cidade de São Paulo (1990-1992).



quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Ode ao burguês (Poema de Paulicéia Desvairada), de Mário de Andrade

Burguesia: quem é e qual a origem dessa classe social? - Politize!
Pintura “O cambista e a sua mulher”, de Quentin Massys.


Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
O burguês-burguês!

A digestão bem feita de São Paulo!

O homem-curva!, o homem-nádegas!

O homem que sendo francês, brasileiro,italiano
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!


Eu insulto as aristocracias cautelosas!

Os barões lampiões! Os condes Jões, os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os " Printemps" com as unhas!

Eu insulto o burguês funesto!

O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!

Fora os que algarismam os amanhãs!

Olha a vida dos nossos setembros!

Fará sol? Choverá? Arlequinal!

Mas á chuva dos rosais

o extâse fará sempre o sol

Morte á gordura!

Morte ás adiposidades cerebrais

Morte ao burguês mensal,
ao burguês-cinema! ao burguês-tíburi!
Padaria suíssa! Morte viva ao Adriano!
"- Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
- Um colar... - Conto e quinhentos!!!
mas nós morremos de fome ! "

Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!

Oh! purée de batatas morais!

Oh! Cabelos nas ventas ! Oh! Carecas!

Ódio aos temperamentos regulares!

Ódio aos relógios musculares! Morte á infâmia!

Ódio á soma! Ódio aos secos e molhados!

Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!

Dois a dois! Primeira posição! Marcha!

Todos para a central do meu rancor inebriante!

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!

Morte ao burguês de giolhos
cheirando religião e que não crê em Deus!

Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico

Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burguês!...


Paulicéia Desvairada - Mário de Andrade, 1922.




Mário de Andrade goza os burgueses, que ampliam suas barrigas à proporção que murcham o cérebro. A rebeldia social encontra correspondência estilística: em lugar de adjetivos são usados substantivos com função adjetiva (“homem-curva”, “homem-nádegas”). O Futurismo preconizava o abandono do adjetivo e da pontuação regular. 

Em profundo desabafo pessoal, o poeta denuncia a mesquinhez, o pão - durismo dos imigrantes bem - sucedidos.

Ode ao burguês é o poema mais famoso do autor. O título em si, parecia indicar um canto de triunfo (como eram as odes gregas) à burguesia, mas, na realidade, quando lido, revela sua intenção crítico - agressiva, pois o que se entende, ao pronunciá-lo é “Ódio ao Burguês”, o que o texto, efetivamente, é.

Repetindo a mesma técnica de composição fragmentária do poema, este poema é quase inteiriçamente, uma violenta declaração de ódio à aristocracia e à burguesia paulistanas, por causa de sua incapacidade de sonhar, de dar o verdadeiro valor às coisas do espírito. Este tipo de crítica vinha se desenvolvendo desde o romantismo, mas alcança neste texto, que é quase um panfleto político, um momento destacado. Nele o artista que aí se vinga o mundo da opressão burguesa e aristocrática, nos é apresentado como alguém capaz de humanizá-lo, pois tem o poder de produzir “o êxtase” que fará sol!”

No poema o tom agressivo e exclamativo, sugere os gritos e revolta; a irreverência contra a estrutura social; o uso do verso livre; e a substantivação dupla. 

É um poema rebelde de Mário de Andrade, mostrando o ódio e insulto ao burguês, a mesmice do cotidiano artificial da burguesia citadina. Ódio ao burguês – níquel (dinheiro) que tem digestão em quanto muitos passam fome, as formas, as curvas, as nádegas, as preocupações com o corpo. Que tem sempre algo de francês italiano.

A subjetividade do poeta insulta a cautela o cuidado a aristocracia e critica os barões lampiões, donos de terra que são verdadeiros donos de bandos, jagunços, os condes joões, nobres com nomes populares e origem humilde e os duques zurros (vozes de burro) esses burgueses que vivem dentro de seus domínios (seus muros) e não coragem para mudar (pular o muro) chorando alguns mil – réis gastos com aulas de francês para as filhas.

O insulto ao burguês que diz ser mantenedor das tradições mas acha indigesto o feijão com toucinho, os que contam o amanhã autor pede morte à, gordura, a gordura cerebral, o burguês mensal dia – dia que frequenta o cinema com carruagens. O burguês que se vê obrigado a dar de aniversário da filha um cola 1500 réis mesmo que tenha de morrer de fome. 

O burguês come a si, ele é um purê de batatas morais. Ódio ao comportamento regular, normal, as rotinas (o relógio muscular) hora de almoço, jantar ... ódio a soma (o capitalismo) ao comércio, a quem não se arrepende a quem não desmaia, as convenções sociais. Morte a falsa religião. Ódio vermelho, alusão ao comunismo, contra o burguês, sem perdão ao burguês.

terça-feira, 30 de julho de 2013

O choro de Cabral e o choro de Amarildo

Cadê?



"Não me dão pena os burgueses
vencidos. E quando penso que vão me dar pena,
aperto bem os dentes e fecho bem os olhos.
Penso em meus longos dias sem sapatos nem rosas.
Penso em meus longos dias sem abrigos nem nuvens.
Penso em meus longos dias sem camisas nem sonhos.
Penso em meus longos dias com minha pele proibida.
Penso em meus longos dias".
("Burgueses", de Nicolás Guillén)

Por Lúcio de Castro de seu Blog em ESPN

Nicolás Guillén é um poeta maior. Poeta e revolucionário. Quando essas duas coisas se juntam numa só pessoa, virtudes das mais nobres entre as outras, temos aqueles raros: os imprescindíveis. Teoria e prática, intelectuais e homens de ação...Guillén, Ernesto Cardenal, Marti... Pensei muito em Guillén na tarde dessa segunda-feira. Perseguido tantas vezes na ditadura de Fulgêncio Baptista, voltou para Cuba depois da saída do tirano. E quando alguns de seus algozes foram presos, perguntaram a ele o que sentia. Respondeu com o poema "Burgueses", (com trecho acima reproduzido).

Lembrei-me de Guillén ao ver o governador do Rio acuado, em tom choroso, pedindo ternamente, feito um menino indefeso, que os manifestantes deixassem de fazer seu legítimo protesto próximo a casa dele. Não teve o pudor em poupar o nome e a idade dos filhos para alcançar seu intento. Já não tivera pudor para botar os filhos no helicóptero do amigo empreiteiro da Delta. Mas crianças são crianças e sempre nos tocam. Por algum momento, tal qual o poeta, pensei que iam me dar pena. Por algum momento, pensei em considerar seus argumentos.

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Mas tal qual o poeta, apertei bem os dentes e fechei bem os olhos. Pensei nos filhos de Amarildo, o pedreiro da Rocinha que sumiu depois de ser visto pela última vez nas mãos dos servidores de Cabral, símbolos da política de segurança do governador. Tal qual o poeta, pensei nos longos dias da mulher e dos filhos de Amarildo. Sem camisa nem sonho, com a pele proibida...São tantos Amarildos nesse Brasil onde pobres não tem sapatos nem rosas nem tampouco direitos. Muitos no Rio de Cabral, que nunca pensou no filho de nenhum deles.

Tal qual o poeta, pensei nos longos dias das famílias da Maré, dos trabalhadores assassinados sem qualquer razão. Cabral ainda não falou sobre eles...Poderia lembrar de tantos outros como os da Maré...Pensei nos longos dias das pessoas vítimas de crimes forjados, prática tão comum por aqui, mais ainda com a política de Cabral.


Pensei nos meninos da Escola Friedenreich. Alguém há de me lembrar que ela é municipal. Não esqueci. Mas está saindo para que o governador melhor sirva seus amigos que ganharam o Maracanã. Tal qual o poeta, pensei nos longos dias sem abrigo nem nuvens daqueles meninos. Alunos de uma escola de excelência, forjaram ouro no meio do nada. Imaginem o trauma desses meninos quando souberam que iam sair dali. Cabral pensou neles?

Pensei de novo nos versos citados do poeta, dos dias sem abrigo nem nuvens (que imagem!) das vítimas das remoções criminosas de todos aqueles que estão no caminho dos "grandes eventos". Quão longos e traumáticos devem ser os dias dos meninos que tem um "X" desenhado na porta da casa humilde indicando que ela será posta abaixo. Cabral pensou neles? Alguém novamente lembrará que muitas dessas remoções são municipais. A força que dá o pé na porta é estadual. E afinal, seria ser muito idiota da objetividade achar que @sergiocabralrj e @eduardopaes_ são tão diferentes assim.

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Pensei nos longos dias dos meninos que iam pelos braços dos pais na geral do Maracanã. Viam o jogo na carcunda dos pais, naquele ritual que todo homem sonha, o rito da passagem. Agora exclusivo dos que podem pagar o setor vip. Do Maracanã ferida que não fecha, como definiu tão bem Pedro Motta Gueiros. Destruído por Cabral rasgando a lei. Destruído com aval do IPHAN na calada da noite, como agem aqueles que não são transparentes. Ele mesmo que agora diz não ser um ditador. Ele mesmo que publicou o decreto 44.302/2013, da CEIV, Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas, que rasgava a constituição. Quem rasga a constituição é o que? O governador de tantos atos de exceção.

Por sorte, a sociedade civil e todos seus instrumentos se fizeram representar e vem forçando essa recuada do ditador que sonhou ser, acuado, patético como todo ditador acuado. Espécie de Sadam Hussein no buraco, Kadafi na manilha. Ele, Cabral, desnudo em sua patética biografia que vai se desmilinguindo. Que há poucos dias tirou os mesmos manifestantes debaixo de pauladas e gases, sem pensar nos filhos deles, na calada da noite. Agora, na fragilidade do buraco e da manilha onde os ditadores se esvaem, apela para um discurso emocional.

 :

Mesmo pensando em nossos longos dias, não deixaremos de pensar em duas crianças. Que não pediram isso. Oxalá possam lá na frente superar o trauma do pai ter deixado tal obra. Realmente elas nada tem a ver com tudo isso. Não precisam ver que na esquina do pai deles falam um monte de verdades sobre ele. Ainda bem que tem a opção nesses dias de sair dali. Ir por um tempo para o Palácio das Laranjeiras. Ou quem sabe para a Mansão de Guaratiba. Talvez não dê mais para ir de helicóptero, abateram o governador-voador, o do reino do guardanapo, em plena farra aérea. Mas ainda dá para passar uma temporada longe dos protestos na mansão comprada com o suor do trabalho do pai deles. Desejo isso do fundo do coração. Crianças não tem mesmo que passar por isso.

Lamento apenas que os filhos do Amarildo não tenham palácios ou mansões pra onde correr. Lamento apenas que os filhos da Maré não tenham para onde correr. Lamento apenas que os meninos que iam na carcunda do pai na geral do Maracanã não tenham para onde correr. Lamento apenas que os filhos dos removidos não tenham para onde correr. E então, "quando penso que vão me dar pena, aperto bem os dentes e fecho bem os olhos". Pela certeza de que os acampamentos seguirão. Até que se preste conta de tudo. E para que se saiba que foi longe demais na farra.

Ps- se botar um pouquinho a cabeça para fora do buraco ou da manilha, o governador vai ver que as pessoas passam pelos acampados buzinando, abrindo a janela dos carros, gritando palavras de força. Para aqueles acampados pacificamente, vale dizer. E que os vizinhos, que poderiam estar incomodados, levam refeições, agasalhos. Pelo menos se pouparia de perder tanto tempo pensando em teorias da conspiração, manipuladores. É apenas a conta de tanto desmando que chegou. É aquela turma da "pele proibida" que veio cobrar a conta.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Stedile: “Se não viabilizarmos uma constituinte, entraremos numa crise política prolongada”


Para João Pedro Stedile, a mobilização popular por reforma política e conquistas sociais deve continuar para arrancar uma constituinte exclusiva que faça as reformas necessárias

Nilton Viana,
da Redação

Em junho, no auge dos protestos que sacudiram o país, o Brasil de Fato publicou uma entrevista com João Pedro Stedile, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e membro das articulações dos movimentos sociais brasileiros por mudanças sociais, para fazer um balanço e entender o significado daquele momento.

Agora, passado um mês daquele momento histórico, e após a realização do dia nacional de paralisações, convocado pelas centrais sindicais e pelos movimentos sociais, publicamos nova entrevista com Stedile. O dirigente acredita que está definitivamente enterrada qualquer possibilidade de mudança política através do atual Congresso. E ele é taxativo: “Se não viabilizarmos uma assembleia constituinte, entraremos numa crise política prolongada, cujos desdobramentos ninguém sabe como acontecerão”.

Brasil de Fato – Passado o primeiro mês das grandes mobilizações e da paralisação de 11 de julho, que balanço você faz?
João Pedro Stedile – O resultado das grandes mobilizações ocorridas em junho é extremamente positivo. A juventude passou a limpo a política institucional e rompeu com a pasmaceira da política de conciliação de classes, em que se dizia que todos ganhavam. Depois, tivemos a paralisação nacional do dia 11 de julho – organizada pelas centrais sindicais e pelos setores organizados da classe trabalhadora – que apesar da manipulação da imprensa burguesa foi realmente um sucesso. A maior parte da classe trabalhadora nos grandes centros do país não foi trabalhar. E seguiu-se em muitas cidades mobilizações representativas ou massivas, por demandas locais, contra a prepotência da polícia, contra os governos locais, como o caso do Rio de Janeiro, Vitória, Porto Alegre, etc. Tudo isso recolocou as massas em movimento atuando na luta política concreta e usando as ruas como espaço de disputa.

E qual o significado disso do ponto de vista programático?
Do ponto de vista programático, estamos assistindo a uma conjugação de dois polos: de um lado a juventude contestando a forma de fazer política, a falta de representatividade do Congresso, do poder Judiciário e governos. Desnudando a gravidade da crise urbana, na situação dos transportes e a vida nas cidades. E fazendo a crítica à Rede Globo e apoiando a democratização dos meios de comunicação. E de outro lado, com a entrada em cena dos setores organizados da classe trabalhadora, foi posto na agenda as demandas por reformas estruturais, relacionadas com as necessidades socioeconômicas de todo o povo. Como é a garantia dos direitos sociais, contra a lei de terceirização e precarização das condições de trabalho, pela redução da jornada de trabalho e o fator previdenciário. Também a pauta da soberania nacional contra os leilões de petróleo e a pauta da política econômica, contra as altas taxas de juros, por uma reforma tributária, que revise inclusive a política de superávit primário que vem sendo aplicada desde o governo FHC.

Por que a proposta da presidenta Dilma de realizar uma constituinte e um plebiscito não prosperou?
A presidenta Dilma sentiu o barulho das ruas e num primeiro momento apresentou a proposta de realização de uma constituinte e a convocação de um plebiscito oficial para consultar o povo sobre essas mudanças. Foi uma boa iniciativa, apesar de que o plebiscito proposto estava relacionado a pequenas mudanças eleitorais, que não tinham uma relevância maior de reforma política. Mas, por incrível que pareça, ela foi boicotada e derrotada. Primeiro por sua base parlamentar, que na verdade não é base do governo, é base das empresas que financiaram suas campanhas. Segundo, foi boicotada pelo PMDB e por parte da própria bancada do PT. E assim está definitivamente enterrada qualquer possibilidade de mudança política através do atual Congresso. Ou seja, se comprovou, mais uma vez, que ninguém corta seus próprios privilégios. Pior. Em meio a toda essa mobilização, os principais representantes dos poderes constituídos se comportaram com escárnio frente às demandas das ruas, ao usar os jatinhos da FAB para ir a festas e jogo da seleção. E as maracutaias do presidente do STF com suas mordomias, sua promiscuidade com a Globo, empregando um filho, e a denúncia de que recebeu mais de 500 mil reais sem trabalhar da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Tudo isso deixou a presidenta derrotada politicamente. Acho que seu futuro depende agora de muita coragem. Primeiro deveria fazer uma reforma ministerial para trocar imediatamente vários ministros da área política, Casa Civil, da Justiça e da Comunicação que ainda não escutaram as ruas... E dar uma prova de que quer mudar. Se afastar o mais rápido possível do PMDB e seguir ouvindo as ruas!

Como você vê o comportamento e os objetivos da burguesia brasileira frente a essas mobilizações?
Os setores organizados da burguesia brasileira e que a representam nos mais diferentes espaços também ficaram atônitos diante das mobilizações, sem saber o que fazer e tateando suas táticas. Vejam a própria postura da Globo como foi se alternando ou as orientações que davam para suas polícias militares. Eles continuam divididos. Uma parte continua apoiando o governo Dilma, embora preferisse que o Lula voltasse para dar mais segurança ao pacto de classes que se estabeleceu em 2002. E outra parte da burguesia, mais ligada ao agronegócio e ao setor rentista do capital financeiro, se articula em torno de um único objetivo: desgastar ao máximo o governo Dilma para colher os frutos nas eleições de 2014. Porém, eles ainda não têm um candidato que consiga representar seus interesses e ao mesmo tempo capitalizar os desejos de mudança das ruas. Até porque eles não são a mudança, eles são o retrocesso, a volta aos programas neoliberais e a maior dependência do Brasil aos interesses estrangeiros. Eles vão continuar tentando motivar a juventude para que coloque temas reacionários ou utilizar o 7 de setembro para exaltação da pátria, como faziam no passado. Mas, para nossa sorte, acho que eles também estão mal na foto, como diz o ditado. E a juventude não entrou nessa. E com a entrada da classe trabalhadora em cena, se colocaram temas da luta de classe na rua.

O que deve acontecer nas ruas daqui para frente?
É muito difícil prever o desdobramento. É certo que as mobilizações vão continuar. Tanto de maneira pontual contra questões locais, como o caso do governador do Rio de Janeiro, os pedágios de Vitória, a luta pela tarifa zero, que só está começando... E os setores organizados da classe trabalhadora já se programaram para diversas mobilizações durante todo o mês de agosto. Dia 6 de agosto teremos manifestações dos setores sindicais, na frente de todas as sedes patronais, contra o projeto de terceirização e pela redução da jornada de trabalho. Na semana de 12 de agosto, teremos uma grande mobilização dos jovens estudantes, por temas relacionados com a educação. Dia 30 de agosto está marcada nova paralisação nacional com a mesma pauta política e econômica da mobilização do dia 11 de julho. Tenho certeza que essa paralisação será ainda mais significativa. E na semana de 7 de setembro teremos mobilizações contra os leilões do petróleo, da energia elétrica, as mobilizações do grito dos excluídos que envolvem as pastorais das igrejas etc. Assim, teremos um agosto muito ativo. Mas o principal é que consideramos que está se abrindo um novo período histórico de mobilizações de massa, que será prolongado, até que se altere a correlação de forças políticas na institucionalidade.

E qual é a proposta dos movimentos sociais frente a essa situação?
Frente a essa conjuntura, temos discutido nos movimentos sociais e realizado inúmeras plenárias locais, estaduais e nacionais dos mais diferentes espaços para ir acertando os passos unitários. Achamos que devemos estimular todo tipo de mobilização de massa nas ruas, como já descrevi sobre o mês de agosto. E por outro lado, a única saída política a curto prazo é lutarmos pela convocação de uma constituinte exclusiva para promover as reformas políticas que abrirão espaço para as necessárias reformas estruturais. Como o Congresso não quer constituinte e derrotou o próprio governo, cabe às forças populares se mobilizarem e convocarem por conta própria um plebiscito popular que pergunte ao povo uma única questão: você acha necessário uma assembleia constituinte exclusiva para realizar as reformas? E com esse plebiscito popular, organizado por nós mesmos, colher milhões de votos, por exemplo, entre setembro e novembro, e aí fazer uma grande marcha a Brasília e entregar ao parlamento a proposta, para que eles convoquem a eleição dos constituintes junto com a eleição de 2014. E aí teríamos o Congresso temporário, funcionando, e outra assembleia constituinte que teria, por exemplo, seis meses (durante o primeiro semestre de 2015) para promover as reformas que as ruas estão exigindo. No próximo dia 5 de agosto, realizaremos uma plenária nacional de todos os movimentos sociais brasileiros, para debater essa e outras propostas e aí darmos os encaminhamentos necessários. Espero que os dirigentes que por ventura lerem essa entrevista se motivem a participar dessa importante plenária que será realizada em São Paulo.

Mas você acha que essa proposta tem viabilidade política?
Nesse momento estamos fazendo muitas consultas entre os movimentos sociais, correntes partidárias, forças populares e a aceitação é muito grande. Se conseguirmos organizar um plebiscito popular e ele recolher milhões de votos, isso será a pressão para encontrar uma saída política. Se não viabilizarmos uma assembleia constituinte, entraremos numa crise política prolongada cujos desdobramentos ninguém sabe como acontecerão. Até porque as eleições de 2014 não vão resolver os impasses colocados nas ruas.



 Fonte: Brasil de Fato