sábado, 13 de julho de 2013

Por que a Globo simboliza os podres da mídia brasileira?


globo manipulacao 

Por Intervozes,

Nesta quinta-feira, 11 de julho, uma mobilização convocada por mais de 80 organizações, movimentos sociais e centrais sindicais tomará novamente as ruas do Brasil pedindo transformações em nosso país. Ao lado de temas como a destinação de 10% do PIB para a edução, melhoria no SUS e garantia de investimentos na saúde, transporte público de qualidade, redução da jornada de trabalho para 40 horas e defesa da reforma agrária, a democratização da mídia também será uma reivindicação central dos manifestantes. Em várias capitais, os protestos terminarão em frente à sede da TV Globo, repetindo e reforçando atos que aconteceram em todo o país na última semana (página do protesto que acontecerá em São Paulo).

Mas por que a Globo como alvo, se a crítica cada vez maior da população acerca do papel dos meios de comunicação de massa aponta para problemas comuns ao conjunto das grandes empresas que controlam a maioria do que se lê, assiste e ouve no Brasil? Porque a Globo é um símbolo. É parte desse problema e uma de suas principais causas. Vale enumerar:

Concentração

O cenário na televisão brasileira é de quase monopólio – algo proibido pela Constituição Federal, mas nunca garantido na prática. Na TV aberta, a Globo controla 73% das verbas publicitárias, embora tenha 43% da audiência. No mercado de TV por assinatura, a Globosat participa de 38 canais e tem poder de veto na definição dos canais da NET e da SKY, que juntas controlam 80% do conjunto de assinantes. Em grandes cidades como o Rio de Janeiro, o grupo controla os principais jornais, TVs e rádios, situação que seria proibida nos Estados Unidos e em vários países da Europa, onde há regulação democrática da mídia anticoncentração.

Promiscuidade política

Várias emissoras afiliadas da Globo pelo Brasil são controladas por políticos envolvidos em inúmeros escândalos: no Maranhão, a família Sarney controla a TV Mirante; em Alagoas, Fernando Collor controla a Gazeta; entre outros. É importante lembrar que a Constituição Federal também proíbe, em seu artigo 54, que políticos detentores de cargos eletivos controlem concessionárias de serviço público. Historicamente, as Organizações Globo construíram seu poder econômico e político a partir de estreitos laços com a ditadura militar, que lhe garantiu o acesso a toda a estrutura da Telebrás e a expansão nacional do seu sinal.

Manipulação

A emissora opera politicamente, direcionando o noticiário jornalístico a partir de suas opiniões conservadoras e buscando definir a agenda pública do país a partir de entrevistados que têm visões alinhadas. A mudança que vimos recentemente na abordagem da cobertura dos protestos simboliza bem a transição entre a deslegitimação e a tentativa de cooptação das ruas a partir de sua própria pauta. Momentos grosseiros de manipulação, como a cobertura das Diretas Já ou a edição do debate entre Collor e Lula, que favoreceu a eleição do primeiro, ainda existem, mas perdem espaço para uma manipulação mais sutil, sofisticada e cotidiana – muitas vezes imperceptível para grande parte da população.

Corrupção

A recente denúncia de uma operação fraudulenta da Globo para sonegar impostos na compra dos direitos de exibição da Copa do Mundo de 2002 – sobre a qual a população ainda aguarda explicações – não é o primeiro caso de corrupção na história da empresa. Seu crescimento na década de 1960 se deu a partir de um acordo técnico ilegal com o grupo Time-Life, que mereceu uma CPI no Congresso Nacional, mas foi abafado. Além disso, a Globo – como outras emissoras – vende espaços editoriais para divulgação de filmes e artistas, numa conhecida prática de grilagem eletrônica, que termina por absorver recursos públicos incentivados do cinema nacional.

Por estes e outros motivos a Globo simboliza os podres da mídia brasileira. Por este e outros motivos, a democracia brasileira só será consolidada quando os meios de comunicação de massa forem também democratizados; quando os princípios previstos na Constituição para a comunicação social saírem do papel e quando a liberdade de expressão for um direito garantido a todos e todas.


(*) Fonte: CartaCapital.


sexta-feira, 12 de julho de 2013

Afinal quem foram esses tais vândalos?

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Por Felipe Deveza*

Os vândalos foram um povo que coexistiu com o Império Romano e no ano de 455 invadiu e submeteu Roma. Saquearam a cidade ao longo de 2 semanas. No século XVIII, temos notícias da utilização do termo para denominar depredações, destruições de obras de arte e prédios públicos.

Essa é a história que todos conhecem. Está lá na Wikipédia, na enciclopédia Barsa e a imprensa vez por outra coloca uma caixa explicativa ao lado de alguma notícia que trate as ações dos tais vândalos e baderneiros. Mas têm outros aspectos dessa história que poucos falam.

Em primeiro lugar o Império Romano era um império escravocrata, e não apenas um centro de arte e cultura da antiguidade, como muitas vezes pode parecer, devido às imagens que chegam até nós. Ou seja, para cada coluna do Senado ou do Coliseu foram necessárias milhares de vidas relegadas ao trabalho escravo, a uma existência de opressão e violência em benefício de uma minoria da elite romana.

E onde esses senhores de escravos romanos conseguiam essa gente para o trabalho escravo? Através da conquista de outros povos, que iam sendo submetidos após as campanhas militares romanas. Será que essa dominação dos povos na expansão do império se deu de forma pacífica? Sinto informar aos que viram as bonitas histórias sobre a "civilização" romana: o domínio desses povos não era feito de maneira pacífica.

Foi uma violência sem fim, povos inteiros sendo submetidos, escravizados, levados para os mais distantes lugares para servir de mão de obra aos interesses imperiais romanos. Mas a história da violência contra os povos submetidos você não conhece. Simples! Os registros das batalhas contra esses povos, gauleses, francos ou celtas foram feitos pelos romanos e, logicamente, foi essa versão que chegou até nós.

Naturalmente, foi assim que aconteceu com o período que ficou conhecido como as Invasões Bárbaras, quando diversos povos que viviam além dos limites do Império Romano atravessaram as fronteiras e pouco a pouco foram destruindo o mundo escravocrata romano.

E o que os vândalos têm com isso?

Eles foram um desses povos que conseguiram ultrapassar os limites do Império, junto com ostrogodos, visigodos e hunos... e no caso dos vândalos, tomaram a capital romana por duas semanas.

E como você acha que esses povos tratariam o império? Com carinho e admiração pelos grandes aportes que essa "civilização" relegou a arte? Claro que não!

E foi mais ou menos nesse contexto que os vândalos voltaram ao vocabulário e começaram a assumir o significado de destruidores e saqueadores. Durante a Revolução Francesa, no período de auge revolucionário, quando muitos dos antigos oprimidos passaram a radicalizar o processo político e lançaram seu ódio contra a monarquia absolutista e suas instituições, foram chamados de vândalos. O inventor da "injúria" foi um padre, membro do clero, antigo aliado do imperador francês que estava apavorado com o ódio das classes populares rebeladas, que ameaçavam avançar sobre seus privilégios sem piedade.

E hoje, não em contexto muito diferente, surge a referência aos vândalos nos jornais e TVs. Nada mais preciso, nada mais coerente.

São as massas populares, saturadas de tanta humilhação, opressão policial, violência e ódio que se lançam contra as instituições que representam o pior que existe no governo.

Vândalos atacam a Alerj! O que queriam? Que se tratasse com carinho um prédio onde se agrupam os piores tipos de delinquentes do Rio de Janeiro? Milicianos, assassinos, corruptos, deputados mafiosos pagos pelas empresas de ônibus. Gente que faz qualquer tramoia para garantir passagens absurdas e impedir o povo de usufruir o mais básico dos direitos: o direito de andar pela cidade, já que todos nós somos obrigados a pagar valores absurdos em nome do enriquecimento de duas ou três famílias donas de empresas de ônibus. Não! Não acho que os manifestantes teriam carinho com uma instituição tão apodrecida como a Alerj, como também não tiveram os vândalos de outrora, ou os populares da Revolução Francesa.

Em épocas de rebeliões, essa história de vândalos só me lembra as palavras do escravo rebelde Spartacus: "Roma treme toda vez que alguém diz não!".


* Felipe Deveza é petroleiro e historiador.


quarta-feira, 10 de julho de 2013

Um ato de pirataria aérea

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Ao negarem pouso ao presidente boliviano, governos europeus revelaram recalque colonial e produziram metáfora do gangsterismo que ameaça governar mundo

Por John Pilger | Tradução Cauê Seignemartin Ameni

Imagine a aeronave do presidente da França sendo forçada a descer na América Latina por suspeita de que esteja levando um refugiado político para algum lugar seguro – e não apenas um refugiado comum, mas alguém que revelou ao mundo uma série de atividades criminosas em escala épica.

Imagine a reação de Paris, ou da “comunidade internacional”, como eles mesmos se denominam. Um coro de indignação erguendo-se de Londres a Washington, Bruxelas a Madrid. Forças especiais heroicas seriam enviadas para resgatar seu líder, e esporte, esmagar a fonte deste ato de gangsterismo internacional. Editoriais iriam aclamar a atitude, talvez lembrando aos leitores que o tipo de pirataria derrotado teria sido praticado pelo Reich alemão em 1930.

Negar espaço aéreo à aeronave do presidente boliviano na França, Espanha e Portugal; e depois forçar seu pouso na África, submetendo-o a 14 horas de confinamento na Áustria, enquanto oficiais inspecionavam o avião por suspeita de que o “fugitivo” Edward Snowden estivesse aborto foi um ato de pirataria aérea e terrorismo de Estado. Foi uma metáfora para o gangsterismo que governa hoje o mundo e a covardia hipócrita dos espectadores que não ousam em dizer seu nome.

Em Moscou, perguntaram a Morales sobre Snowden – que continua preso no aeroporto da cidade. Respondeu: “se houver um pedido [de asilo político], claro que iremos analisar e considerar a ideia.” Isso foi suficientemente provocativo para o Chefão. “Estamos em contato com diversos governos que poderiam ter permitido a Snowden aterrisar em seu país ou atravessá-lo”, disse um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA.

A França – que tanto gritou contra o esquema de espionagem de Washington, revelado por Snowden – foi os primeiros a se curvar, seguida por Portugal. Em seguida, a Espanha fez sua parte, proibindo voos em seu espaço aéreo, dando tempo o suficiente para os mercenários vienenses do Chefão, descobrirem se Snowden havia invocado o artigo 14 da Declaração dos Direitos Humanos, que sustenta: “Todas as pessoas têm o direito de solicitar asilo político em outros países, em caso de perseguição”.

Aqueles pagos para seguir os procedimentos à risca fizeram sua parte no jogo de gato-e-rato. Reforçaram as mentiras do Chefão, para quem este jovem heroico esta fugindo do Judiciário e não enfrentando uma máquina que encarcera por vingança e tortura — vide Bradley Manning e os fantasmas que vivem em Guantánamo.

Os historiadores parecem concordar que a ascensão do fascismo na Europa poderia ter sido evitada, se a classe política liberal e de esquerda compreendesse a natureza do seu inimigo. Os paralelos de hoje são muito diferentes, mas a espada de Dâmocles sobre Snowden, como o rapto informal do presidente da Bolívia, deveria nos estimular a reconhecer a verdadeira natureza do inimigo.

As revelações de Snowden não são apenas sobre privacidade, liberdade civil ou espionagem maciça. São sobre o inominável: a fachada democrática dos EUA agora mal esconde um gangsterismo sistemático, historicamente identificado o fascismo, embora, não necessariamente na forma clássica. Na terça-feira, um drone norte-americano matou 16 pessoas no Waziristão do Norte, “onde os militantes mais perigosos vivem”. Estão longe de ser os militantes mais perigosos, se os próprios drones forem levadas em conta. Drones enviados pessoalmente por Obama toda terça-feira.

Quando aceitou o prêmio Nobel de Literatura, em 2005, Harold Pinter referiu-se a “uma vasta tapeçaria de mentiras, das quais nos alimentamos”. Ele perguntou porque “a sistemática brutalidade, as atrocidades generalizadas” da União Soviética eram bem mais conhecida no Ocidente, enquanto os crimes da América eram “superficialmente registrados, menos documentados e menos reconhecidos”. O silêncio mais duradouro da era moderna encobriu a morte e a desapropriação de inúmeros seres humanos, por um país violento e seus agentes. “Mas você não saberia”, disse Pinter. “Nunca aconteceu. Mesmo enquanto acontecia, nunca aconteceu”.

Essa história oculta – não realmente oculta, é claro, mas excluída da consciência das sociedades mergulhadas nos mitos e prioridades norte-americanas – nunca foi tão vulneráveis à exposição. A denúncia de Snowden, assim como a de Manning e Julian Assange, do Wikileaks, corre o risco de quebrar o silêncio que Pinter descreveu. Ao expor o vasto aparato policial orwelliano a serviço da maior máquina de guerra da história, ele iluminam o verdadeiro extremismo do século 21. Em um comentário sem precedentes para ela, a revista alemã Der Spiegel descreveu o governo Obama como “totalitarismo soft”. Em momentos de crise, devemos olhar mais de perto nossa casa.



domingo, 7 de julho de 2013

O significado e as perspectivas das mobilizações de rua - Entrevista com João Pedro Stedile

Para João Pedro Stedile, a juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando de uma luta ideológica. Assim, estão sendo disputados pelas ideias da direita e da esquerda

Por Nilton Viana


E diz também “Precisamos tomar a iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas; exigir que a prioridade de investimentos públicos seja em saúde, educação, reforma agrária.”

“É hora do governo aliar-se ao povo ou pagará a fatura no futuro.” Essa é uma das avaliações de João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sobre as recentes mobilizações em todo o país. Segundo ele, há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras, provocada por essa etapa do capitalismo financeiro.

“As pessoas estão vivendo um inferno nas grandes cidades, perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar com a família, estudando ou tendo atividades culturais”, afirma. Para o dirigente do MST, a redução da tarifa interessava muito a todo o povo e esse foi o acerto do Movimento Passe livre, que soube convocar mobilizações em nome dos interesses do povo.

Nesta entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Stedile fala sobre o caráter dessas mobilizações, e faz um chamamento: devemos ter consciência da natureza dessas manifestações e irmos todos para a rua disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. “A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política burguesa, mercantil”, constata.

E faz uma alerta: o mais grave foi que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se moldaram a esses métodos. Envelheceram e se burocratizaram. As forças populares e os partidos de esquerda precisam colocar todas as suas energias para ir para a rua, pois está ocorrendo, em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. “Precisamos explicar para o povo quem são os principais inimigos do povo”.

Brasil de Fato – Como você analisa as recentes manifestações que vêm sacudindo o Brasil nas últimas semanas? Qual é base econômica para elas terem acontecido?

João Pedro Stedile – Há muitas avaliações de porque estarem ocorrendo estas manifestações. Me somo à analise da professora Erminia Maricato, que é nossa maior especialista em temas urbanos e já atuou no Ministério das Cidades na gestão Olivio Dutra.

Ela defende a tese de que há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras provocada por essa etapa do capitalismo financeiro. Houve uma enorme especulação imobiliária que elevou os preços dos aluguéis e dos terrenos em 150% nos últimos três anos.

O capital financiou sem nenhum controle governamental a venda de automóveis, para enviar dinheiro pro exterior, e transformou nosso trânsito um caos. E nos últimos dez anos não houve investimento em transporte público. O programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, empurrou os pobres para as periferias, sem condições de infraestrutura.

Tudo isso gerou uma crise estrutural em que as pessoas estão vivendo num inferno nas grandes cidades, perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar com a família, estudando ou tendo atividades culturais.

Somado a isso, a péssima qualidade dos serviços públicos em especial na saúde e mesmo na educação, desde a escola fundamental, ensino médio, em que os estudantes saem sem saber fazer uma redação. E o ensino superior virou lojas de vendas de diplomas a prestações, onde estão 70% dos estudantes universitários.

E do ponto de vista político, por que aconteceu?

João Pedro Stedile – Os quinze anos de neoliberalismo e mais os últimos dez anos de um governo de composição de classes transformou a forma de fazer política refém apenas dos interesses do capital. Os partidos ficaram velhos em suas práticas e se transformaram em meras siglas que aglutinam, em sua maioria, oportunistas para ascender a cargos públicos ou disputar recursos públicos para seus interesses.

Toda juventude nascida depois das diretas já, não teve oportunidade de participar da política. Hoje, para disputar qualquer cargo de vereador, por exemplo, o sujeito precisa ter mais de 1 milhão de reais. Deputado custa ao redor de 10 milhões de reais. Os capitalistas pagam, e depois os políticos obedecem. A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política burguesa, mercantil.

Mas o mais grave foi que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se moldaram a esses métodos. Envelheceram e se burocratizaram. E, portanto, gerou na juventude uma ojeriza a forma dos partidos atuarem. E eles têm razão. A juventude não é apolítica, ao contrário, tanto é que levou a política às ruas, mesmo sem ter consciência do seu significado.

Estão dizendo que não aguentam mais assistir na televisão essas práticas políticas, que seqüestraram o voto das pessoas, baseadas na mentira e na manipulação. E os partidos de esquerda precisam reapreender que seu papel é organizar a luta social e politizar a classe trabalhadora. Senão cairão na vala comum da história.

E porque as manifestações eclodiram somente agora?

João Pedro Stedile – Provavelmente tenha sido a soma de diversos fatores de caráter da psicologia de massas, mais do que alguma decisão política planejada. Somou-se todo o clima que comentei, mais as denúncias de superfaturamento das obras dos estádios, que é um acinte ao povo. Vejam  alguns episódios. A Rede Globo recebeu do governo do estado do Rio e da prefeitura, 20 milhões de reais de dinheiro público para organizar o showzinho de apenas duas horas, no sorteio dos jogos da Copa das Confederações.

O estádio de Brasília custou 1,4 bilhões de reais e não tem ônibus na cidade! A ditadura explícita e as maracutais que a FIFA/CBF impuseram e os governos se submeteram. A reinauguração do Maracanã foi um tapa no povo brasileiro. As fotos eram claras: no maior templo do futebol mundial não havia nenhum negro ou mestiço!

E aí o aumento das tarifas de ônibus foi apenas a faísca para ascender o sentimento generalizado de revolta, de indignação. A gasolina para a faísca veio do governo Geraldo Alckmin, que protegido pela mídia que ele financia e acostumado a bater no povo impunemente, como fez no Pinheirinho, jogou sua polícia para a barbárie. Aí todo mundo reagiu.

Ainda bem que a juventude acordou. E nisso houve o mérito do Movimento Passe Livre, que soube capitalizar essa insatisfação popular e organizou os protestos na hora certa.

Por que a classe trabalhadora ainda não foi à rua?

João Pedro Stedile – É verdade, a classe trabalhadora ainda não foi para a rua. Quem está na rua são os filhos da classe média, da classe média baixa, e também alguns jovens do que o André Singer chamaria de sub-proletariado, que estudam e trabalham no setor de serviços, que melhoraram as condições de consumo, mas querem ser ouvidos. Esses últimos apareceram mais em outras capitais e nas periferias.

A redução da tarifa  interessava muito a todo povo e esse foi o acerto do MPL. Soube convocar mobilizações em nome dos interesses do povo. E o povo apoiou as manifestações e isso está expresso nos índices de popularidade dos jovens, sobretudo quando foram reprimidos.

A classe trabalhadora demora a se mover, mas quando se move, afeta diretamente ao capital. Coisa que ainda não começou a acontecer. Acho que as organizações que fazem a mediação com a classe trabalhadora ainda não compreenderam o momento e estão um pouco tímidas. Mas acho que enquanto classe, ela também está disposta a lutar. Veja que o número de greves por melhorias salariais já recuperou os padrões da década de 80.

Acho que é apenas uma questão de tempo e se as mediações acertarem nas bandeiras que possam motivar a classe a se mexer. Nos últimos dias, já se percebe que em algumas cidades menores, e nas periferias das grandes cidades, já começam a ter manifestações com bandeiras de reivindicações bem localizadas. E isso é muito importante.

E vocês do MST e camponeses também não se mexeram ainda.

João Pedro Stedile – É verdade. Nas capitais onde temos assentamentos e agricultores familiares mais próximos já estamos participando. E inclusive sou testemunha de que fomos muito bem recebidos com nossa bandeira vermelha, com nossa reivindicação de Reforma Agrária e alimentos saudáveis e baratos para todo povo.

Acho que nas próximas semanas poderá haver uma adesão maior, inclusive realizando manifestações dos camponeses nas rodovias e municípios do interior. Na nossa militância está todo mundo doido para entrar na briga e se mobilizar. Espero que também se mexam logo.

Na sua opinião, qual é a origem da violência que tem acontecido em algumas manifestações?

João Pedro Stedile – Primeiro vamos relativizar. A burguesia através de suas televisões tem usado a tática de assustar o povo colocando apenas a propaganda dos baderneiros e quebra-quebra.  São minoritários e insignificantes diante das milhares de pessoas que se mobilizaram.

Para a direita interessa colocar no imaginário da população que isso é apenas bagunça, e no final se tiver caos, colocar a culpa no governo e exigir a presença das forças armadas. Espero que o governo não cometa essa besteira de chamar a guarda nacional e as forças armadas para reprimir as manifestações. É tudo o que a direita sonha!

Quem está provocando as cenas de violência é a forma de intervenção da Policia Militar. A PM foi preparada, desde a ditadura militar, para tratar o povo sempre como inimigo. E nos estados governados pelos tucanos (SP, RJ e MG), ainda tem a promessa de impunidade.

Há grupos direitistas organizados com orientação de fazer provocações e saques. Em São Paulo atuaram grupos fascistas e leões de chácaras contratados. No Rio de Janeiro atuaram as milícias organizadas que protegem seus políticos conservadores. E claro, há também um substrato de lumpesinato que aparece em qualquer mobilização popular, seja nos estádios, carnaval, até em festa de igreja tentando tirar seus proveitos.

Há então uma luta de classes nas ruas ou é apenas a juventude manifestando sua indignação?

João Pedro Stedile – É claro que há uma luta de classes na rua. Embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando de uma luta ideológica.

Vejam, eles estão fazendo política da melhor forma possível, nas ruas. E ai escrevem nos cartazes: somos contra os partidos e a política? Por isso tem sido tão difusa as mensagens nos cartazes. Está ocorrendo em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas idéias da direita e pela esquerda. Pelos capitalistas e pela classe trabalhadora.

Por outro lado, são evidentes os sinais da direita muito bem articulada, e de seus serviços de inteligência, que usam a internet, se escondem atrás das mascaras e procuram criar ondas de boatos e opiniões pela internet. De repente uma mensagem estranha alcança milhares de mensagens. E aí se passa a difundir o resultado como se ela fosse a expressão da maioria.

Esses mecanismos de manipulação foram usados pela CIA e o departamento de estado estadunidense na primavera árabe, na tentativa de desestabilização da Venezuela, na guerra da Síria. E é claro que eles estão operando aqui também para alcançar os seus objetivos.

E quais são os objetivos da direita e suas propostas?

João Pedro Stedile – A classe dominante, os capitalistas, os interesses do império estadunidense e seus porta-vozes ideológicos que aparecem na televisão todos os dias, têm um grande objetivo: desgastar ao máximo o governo Dilma, enfraquecer as formas organizativas da classe trabalhadora, derrotar qualquer propostas de mudanças estruturais na sociedade brasileira e ganhar as eleições de 2014, para recompor uma hegemonia total no comando do estado brasileiro, que agora está em disputa.

Para alcançar esses objetivos eles estão ainda tateando, alternando suas táticas. As vezes provocam a violência, para desfocar os objetivos dos jovens. As vezes colocam nos cartazes dos jovens a sua mensagem. Por exemplo, a manifestação do sábado em São Paulo, embora pequena, foi totalmente manipulada por setores direitistas que pautaram apenas a luta contra a PEC 37, com cartazes estranhamente iguais e palavras de ordem iguais.

Certamente a maioria dos jovens nem sabe do que se trata. E é um tema secundário para o povo, mas a direita está tentando levantar as bandeiras da moralidade, como fez a UDN (União Democrática Nacional) em tempos passados. Isso que já estão fazendo no Congresso, logo logo, vão levar às ruas.

Tenho visto nas redes sociais controladas pela direita que suas bandeiras, além da PEC 37, são a saída do Renan do Senado, CPI e transparência dos gastos da Copa, declarar a corrupção crime hediondo e fim do foro especial para os políticos. Já os grupos mais fascistas ensaiam “Fora Dilma” e abaixo-assinados pelo impeachment.

Felizmente essas bandeiras não tem nada ver com as condições de vida das massas, ainda que elas possam ser manipuladas pela mídia. E objetivamente podem ser um tiro no pé. Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e políticos que são os maiores corruptos e corruptores. Quem se apropriou dos gastos exagerados da Copa? A Rede Globo e as empreiteiras!

Quais os desafios que estão colocados para a classe trabalhadora e as organizações populares e partidos de esquerda?

João Pedro Stedile – Os desafios são muitos. Primeiro devemos ter consciência da natureza dessas manifestações e irmos todos para a rua, disputar corações e mentes, para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. Segundo, a classe trabalhadora precisa se mover. Ir para a rua, manifestar-se nas fábricas, campos e construções, como diria Geraldo Vandré. Levantar suas demandas para resolver os problemas concretos da classe, do ponto de vista econômico e político.

Terceiro, precisamos explicar para o povo quem são seus principais inimigos. E agora são os bancos, as empresas transnacionais que tomaram conta de nossa economia, os latifundiários do agronegócio, e os especuladores.

Precisamos tomar a iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas; exigir que a prioridade de investimentos públicos seja em saúde, educação, reforma agrária.

Mas para isso o governo precisa cortar juros e deslocar os recursos do superávit primário, aqueles 200 bilhões de reais que todo ano vão para apenas 20 mil ricos, rentistas, credores de uma dívida interna que nunca fizemos, deslocar para investimentos produtivos e sociais.

É isso que a luta de classes coloca para o governo Dilma: os recursos públicos irão para a burguesia rentista ou para resolver os problemas do povo?

Aprovar em regime de urgência para que vigore nas próximas eleições uma reforma política de fôlego, que no mínimo institua o financiamento público exclusivo da campanha. Direito a revogação de mandatos e plebiscitos populares auto-convocados.

Precisamos de uma reforma tributária que volte a cobrar ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) das exportações primárias, penalize a riqueza dos ricos e amenize os impostos dos pobres, que são os que mais pagam.

Precisamos que o governo suspenda os leilões do petróleo e todas as concessões privatizantes de minérios e outras áreas públicas. De nada adianta aplicar todo royalties do petróleo em educação, se os royalties representarão apenas 8% da renda petroleira, e os outros 92% irão para as empresas transnacionais que vão ficar com o petróleo nos leilões!

Uma reforma urbana estrutural, que volte a priorizar o transporte público, de qualidade e com tarifa zero. Já está provado que não é caro e nem difícil instituir transporte gratuito para as massas das capitais.
Controlar a especulação imobiliária.

E finalmente, precisamos aproveitar e aprovar o projeto da Conferência Nacional de Comunicação, amplamente representativa, de democratização dos meios de comunicação. Para acabar com o monopólio da Globo e para que o povo e suas organizações populares tenham amplo acesso a se comunicar, criar seus próprios meios de comunicação, com  recursos públicos. Ouvi de diversos movimentos da juventude que estão articulando as marchas, que talvez essa seja a única bandeira que unifica a todos: Abaixo ao monopólio da Globo!   

Mas para que essas bandeiras tenham ressonância na sociedade e pressionem o governo e os políticos, somente acontecerá se a classe trabalhadora se mover.

O que o governo deveria  fazer agora?

João Pedro Stedile – Espero que o governo tenha a sensibilidade e a inteligência de aproveitar esse apoio, esse clamor que vem das ruas, que é apenas uma síntese de uma consciência difusa na sociedade, que é hora de mudar. E mudar a favor do povo.

E para isso o governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Enfrentar a burguesia rentista, deslocando os pagamentos de juros para investimentos em áreas que resolvam os problemas do povo. Promover logo as reformas políticas, tributárias. Encaminhar a aprovação do projeto de democratização dos meios de comunicação. Criar mecanismos para investimento pesados em transporte público, que encaminhem para a tarifa zero. Acelerar a Reforma Agrária e um plano de produção de alimentos sadios para o mercado interno.

Garantir logo a aplicação de 10% do PIB em recursos públicos para a educação em todos os níveis, desde as cirandas infantis nas grandes cidades, ensino fundamental de qualidade, até a universalização do acesso dos jovens à universidade pública.

Sem isso, haverá uma decepção, e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, que levarão a novas manifestações visando desgastar o governo até as eleições de 2014. É hora do governo aliar-se ao povo, ou pagará a fatura no futuro.

E que perspectivas essas mobilizações podem levar para o país nos próximos meses?

João Pedro Stedile – Tudo ainda é uma incógnita. Porque os jovens e as massas estão em disputa. Por isso que as forças populares e os partidos de esquerda precisam colocar todas suas energias para ir à rua. Manifestar-se, colocar as bandeiras de luta de reformas que interessam ao povo, porque a direita vai fazer a mesma coisa e colocar as suas bandeiras conservadoras, atrasadas, de criminalização e estigmatização das idéias de mudanças sociais.

Estamos em plena batalha ideológica que ninguém sabe ainda qual será o resultado. Em cada cidade, cada manifestação, precisamos disputar corações e mentes. E quem não entrar, ficará de fora da História.