terça-feira, 5 de novembro de 2013

Uma premonição?: Clube da Luta é nosso presente e futuro


 (Antes de começar, tudo bem, eu já sei: Infringi as duas primeiras regras do Clube da Luta. Talvez arranquem minhas bolas por causa disso, mas é por um bom motivo.)




           Imortalizado nas telonas, o rebelde Clube da Luta, do americano Chuck Palahniuk, simplesmente surpreende. Facilmente a obra mais conhecida do escritor, o livro transgride e ultrapassa qualquer fronteira temporal, filosófica e social, revelando-se atual para nossa geração e ainda mais para as futuras. Isso porque as mais de duzentas e cinquenta páginas trazem reflexões essenciais à vida em sociedade do jeito mais eficaz possível: Com um soco na cara. 
           É fácil se identificar com o personagem principal, um homem comum sem nome (dê seu próprio nome a ele e provavelmente depois da segunda leitura você já estará com olhos roxos). Repleto de problemas familiares e profissionais que o levam à insônia e a um passo da insanidade, ele resolve reacender a chama da vida presenciando a morte: Começa a frequentar grupos de apoio de doenças terminais, onde as pessoas têm problemas reais em comparação aos dele. Depois disso, Clube da Luta se desenrola em tragédias e bizarrices que levam a vida do homem ao fundo do poço — ou pelo menos é o que ele acha. A história já é conhecida, na verdade, e por isso não pretendo entrar tanto no mérito do enredo, que de tão bom já foi adaptado para o cinema e é considerado um ícone cult. O interessante é descobrir, mesmo com o poderio arrebatador do filme estrelado por gigantes como Brad Pitt e Edward Norton, que o livro consegue sem problemas superar a versão cinematográfica.


           Composto por trinta contos recheados de frases de impacto e diálogos perspicazes, Clube da Lutarevela-se um agressivo manifesto a favor do desapego material. Eu poderia até arriscar a dizer que Tyler Durden, o revolucionário que se torna a peça-chave para o desenlace da vida do protagonista, distorceu a filosofia de Gandhi para que se adequasse a um mundo cercado pelo capitalismo e pela futilidade. A cena no livro onde o personagem principal conhece Tyler, aliás, não foi para as salas de cinema: Uma inóspita aparição em uma praia de nudismo, onde o transgressor está enfileirando troncos na areia para que suas sombras formem uma mão em um dado minuto. Nesse minuto, então, ele profere uma de suas sentenças mais preciosas: "Um momento é tudo que você pode esperar de algo perfeito". É ali que, mesmo sem ter visto o filme, você sabe que algo muito grandioso te espera, e com razão: O livro é um convite para a proliferação de ideias calcadas na transmutação da sociedade como a conhecemos.
           Enquanto isso, é até divertido ver os erros de Chuck na contagem das regras do Clube (ora sete, ora oito) e se entreter com a peculiar escrita dele, cheia de referências e "informações úteis", como o protagonista diria. Se eu fosse escrever essa resenha como Chuck Palahniuk, você veria várias frases soltas e haicais por aí, como um apanhado geral da mente perturbada do personagem principal — sim, para piorar ainda mais sua cabeça, o livro é em primeira pessoa.

           Mas não.
           Não farei isso.
           Olho para o alto e vejo madeiras rangendo com o vento como em um filme de terror.
           Terror.

           "Mãos rentes a mim
           O vento sopra forte
           Blá-blá-blá e fim."

           É mais ou menos assim que Chuck escreve.
           Sei disso porque Tyler sabe disso.


           Ver as cenas do livro com os olhos de Jim Uhls, o roteirista que se deu ao trabalho de transformar os contos em coesas duas horas e dez minutos de gravação, também faz parte da diversão. Fazer com que os contos se encaixassem em um roteiro de filme foi visivelmente uma tarefa complicada, mas feita com esmero e, ao seu modo, paixão: Personagens foram suprimidos, diálogos foram recolocados e o último capítulo não recebe nem uma singela referência no registro em vídeo, e ainda assim tudo parece nos devidos lugares. A mensagem ainda está lá, em todos os sábados de briga no porão de um bar e em todos os beijos de soda cáustica dados por Tyler. Livro e filme são irmãos siameses, embora um deles — o livro — seja mais desenvolvido do que o outro, contando com uma gama inusitada de situações que tornam a obra escrita mais atrativa e ainda mais real.
           Clube da Luta é, por mais estranho que esse adjetivo pareça, adorável. É um mundo próximo ao nosso e cheio de situações que gostaríamos de presenciar. Esse foi o combustível para que muitos clubes da luta fossem criados ao redor do planeta, o que é nada além do maior reflexo que um livro de ficção pode ter em uma sociedade: Tornar-se não-ficção. Estou esperando pelos planetas e galáxias com nomes de corporações e pela destruição completa da civilização. Depois desse livro, a pergunta que foi feita em seu lançamento em 1996 persiste: Chuck realmente inventou tudo isso? Será que não existe um pouco de verdade entre essas páginas? Uma premonição, talvez? Só o futuro — se é que temos um — pode dizer.


4 Pêssegas e meia

OBS.:

           No DVD de Clube da Luta, logo após os avisos anti-pirataria, foi colocada uma tela com dizeres de Tyler Durden que fica visível por poucos segundos, fazendo menção ao emprego de editor de filmes que ele tem, onde o personagem coloca quadros com imagens pornográficas em animações infantis. A mensagem (em um momento do DVD onde não é possível pausar a reprodução para que possamos ler) é a seguinte:


           Ou em bom português: "Aviso: Se você está lendo isso, então esse aviso é para você. Cada palavra que lê desse texto inútil é um segundo a menos da sua vida. Você não tem outras coisas para fazer? A sua vida é tão vazia que você honestamente não consegue pensar numa maneira melhor de vivê-la? Ou você fica tão impressionado com a autoridade que você respeita e confia em todos que a proclamam para si? Você lê tudo o que deveria ler? Você pensa tudo o que deveria pensar? Compra tudo o que lhe dizem pra comprar? Saia do seu apartamento. Encontre alguém do sexo oposto. Pare de comprar tanto e se masturbar tanto. Peça demissão. Comece a brigar. Prove que está vivo. Se não fizer sua humanidade valer, você se tornará estatística. Você foi avisado."

(Por Alaor Rocha, ou @alalarocha, ou /alalarocha.)

(Um post-scriptum porque é válido: Esse texto é old-but-gold de outro blog meu, já aposentado e no Retiro dos Artistas depois de uma vida pouco frutífera. Talvez por isso ele não esteja tão "pessegal", mas se você chegou até aqui para ler esses parênteses, então isso não deve ter sido de todo mal.)


Fonte: Pêssega d'Oro 

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