domingo, 17 de novembro de 2013

Eike Batista, “orgulho do Brasil”?

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Há pouco, Dilma disse que brasileiros deviam sentir orgulho do empresário. Hoje ele vende seu império ao capital estrangeiro
por Armando Sartori, na Revista Retrato do Brasil
Ao longo deste mês a vida do empresário Eike Batista deve passar por importantes definições. No final de setembro, a OGX, empresa controlada por ele que atua no setor de gás e petróleo, deixou de honrar o pagamento de perto de 45 milhões de dólares em juros devidos por conta da emissão de títulos no valor de pouco mais de 1 bilhão de dólares. Os papéis vencem em 2022. Nesse meio tempo, como é de praxe, os que os compraram têm direito a receber juros. O que venceu em setembro foi uma dessas parcelas. A OGX tem outra dívida do mesmo tipo: são 2,6 bilhões de dólares que vencem em 2018, para os quais a empresa precisa honrar 110 milhões de dólares em juros no mês que vem. Uma equipe de negociadores foi enviada por Batista a Nova York no início do mês passado para, nos 30 dias de prazo previstos, renegociar com os credores.
O não pagamento deveu-se à frágil situação do caixa da empresa. A OGX vem investindo pesadamente e tem obtido resultados pífios em sua operação. Basicamente isso se dá porque as potencialidades dos campos arrematados em leilões promovidos pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) no passado recente ficaram a léguas de distância de se confirmarem. Foi com base nessas estimativas, antes mesmo que se produzisse uma gota sequer de óleo – o que ocorreu somente em janeiro do ano passado –, que a petroleira controlada por Batista valorizou-se espetacularmente, permitindo que ele alavancasse uma série de planos e se transformasse, no ano passado, no sétimo homem mais rico do mundo.
As dificuldades da OGX foram escancaradas a partir do momento em que, ainda em meados de 2012, a empresa anunciou que o campo Tubarão Azul, no litoral fluminense – o único da companhia em operação comercial, localizado numa área adquirida em 2007, na 9ª Rodada de Licitações promovida pela ANP – tinha vazão de apenas 5 mil barris de óleo equivalente (boe) por dia, 57% menos do que o anunciado pela empresa durante o pico da fase de testes e cerca de um terço do volume mínimo da meta estabelecida dez meses antes pela OGX.
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No início de julho, a empresa informou que não aumentaria os investimentos no campo e que a produção poderia ser encerrada no ano que vem por falta de tecnologia capaz de viabilizar economicamente investimentos adicionais. Anunciou também que devolveria os campos de Tubarão Areia, Tubarão Gato e Tubarão Tigre, igualmente adquiridos em 2007. Nesse meio tempo, a OGX começou a apostar suas fichas em outra área – a de Tubarão Martelo, situada nos blocos BM-C-39 e BM-C-40, também arrematados na 9ª Rodada. No início do mês passado, a empresa apresentou relatório da consultoria DeGolyer & MacNaughton, segundo o qual o campo possui reservas prováveis de 87,9 milhões de boe e reservas possíveis de 108,5 milhões de boe. A empresa havia informado em abril do ano passado que Tubarão Martelo teria “um volume total recuperável de 285 milhões” de boe.
Apesar de as novas estimativas ficarem muito abaixo da inicialmente divulgada pela OGX, é em Tubarão Martelo que repousam boa parte da esperança de superação da crise. Isso porque a companhia negocia com a empresa estatal Petronas, da Malásia, a venda de 40% da participação nos dois blocos onde se situa o campo. Trata-se de um negócio de 850 milhões de dólares. O pagamento inicial seria de 250 milhões de dólares; outros 500 milhões seriam repassados quando a produção fosse iniciada. E os demais 100 milhões seriam desembolsados de acordo com o ritmo da extração do petróleo. Os recursos da Petronas seriam muito bem-vindos pela OGX, especialmente o pagamento inicial, com os quais a empresa atenderia fornecedores para os quais vem postergando pagamentos, essenciais para iniciar a produção de Tubarão Martelo. O problema é que a direção da estatal asiática decidiu segurar os 250 milhões de dólares até enxergar com maior clareza o quadro em que a empresa de Batista está colocada.
Como se pode perceber, a crise da OGX ironicamente teve início apenas meses após Batista ter alcançado seu ápice, como a sétima pessoa mais rica do mundo. Foi nessa condição que ele recepcionou a presidente da República, Dilma Rousseff, e o governador do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em uma cerimônia realizada em abril do ano passado no Superporto do Açu – o mais ambicioso dos empreendimentos do empresário – para comemorar o princípio da produção de petróleo pela OGX.
No evento, com duração de quase 50 minutos, Cabral e a presidente não economizaram elogios ao empresário. “Para nós, do Rio de Janeiro, […] ter você [Eike Batista] como grande líder de todos os investimentos privados da América do Sul é extraordinário”, disse o governador. “É muito bom ver um brasileiro entre os dez homens mais ricos do mundo colocando dinheiro produtivo, gerando emprego na produção”. “O Eike é o nosso padrão, nossa expectativa e sobretudo o orgulho do Brasil quando se trata de um empresário do setor privado”, disse a presidente.
Batista sempre foi muito próximo de Cabral – são amigos pessoais. Além disso, o empresário ajudou a financiar, com mais de 100 milhões de reais, programas de natureza “social” do governo dirigido pelo amigo, como a implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e a realização de obras voltadas à despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas, na capital fluminense.
No caso da presidente, ela possivelmente o conhece, pelo menos, desde os tempos em que era ministra de Minas e Energia, antes de passar a ocupar a Casa Civil, em substituição a José Dirceu, que deixou o cargo com a eclosão do escândalo do chamado “mensalão”. Foi durante a permanência de Dilma na Casa Civil que ocorreu a 9ª Rodada da ANP. Em novembro de 2007. Até poucos dias antes, estava previsto que seriam leiloados blocos localizados na área do pré-sal, cuja descoberta havia sido anunciada publicamente naquele mesmo ano. Houve intensa pressão de membros do governo, de dirigentes da Petrobras e de lideranças dos movimentos sociais para que o leilão fosse cancelado. O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu retirar da disputa 41 blocos situados na área delimitada como sendo do pré-sal, mas manteve blocos localizados nos limites imediatamente externos. Entre esses blocos estavam os do chamado Arco de Cabo Frio, no norte do litoral fluminense, dos quais a OGX arrematou 21, gastando mais de 1,5 bilhão de dólares.
Segundo Ildo Sauer, ex-diretor de Gás da Petrobras e atualmente diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, na altura da realização da 9ª Rodada, Batista já havia investido muito dinheiro na OGX, empresa fundada naquele mesmo ano, para a qual contratara vários funcionários da Petrobras, com destaque para Rodolfo Landim e Paulo Mendonça (respectivamente, ex-diretor e ex-gerente de Exploração e Produção da estatal). Landim tornou-se presidente da OGX (em 2010 ele deixaria o EBX em litígio com Batista) e Mendonça o sucedeu, permanecendo no posto até meados do ano passado. Se o leilão fosse suspenso, “ele ia ficar sem nada”, avalia Sauer em entrevista publicada pela Revista Adusp em janeiro do ano passado. O leilão não foi cancelado, segundo o ex-diretor da Petrobras, devido às relações de Batista com a alta cúpula do governo petista e a presença em sua empresa de ex-ministros do governo de Fernando Henrique Cardoso.
No início deste ano, Lula esteve no Superporto Açu, quando passou uma manhã em visita às obras. De acordo com relato publicado pela revista semanal Veja em março, a visita faria parte de articulações realizadas por Batista para obter apoio governamental, dada a frágil situação financeira do Grupo EBX, controlador da OGX e outras empresas. Uma das saídas apontadas por ele teria sido a transferência dos investimentos do estaleiro Jurong Shipyard – um dos maiores do mundo, controlado pelo governo de Cingapura – do Espírito Santo para a área do superporto. A ideia teria sido discutida anteriormente entre os dois e Cabral. Até meados de março, os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, participaram de encontros com dirigentes do estaleiro cingapurense, embora tenham negado que com o objetivo de transferir o investimento do Espírito Santo para o Rio de Janeiro. Ao final, ao saber da suposta trama, o governador capixaba, Renato Casagrande (PSB), foi ao ministro Pimentel cobrar explicações. Este teria atribuído a confusão ao embaixador brasileiro em Cingapura. E o caso, aparentemente, morreu por aí, sem sucesso para Batista.
O nome do empresário tornou-se notório no carnaval de 1998, quando a modelo e atriz Luma de Oliveira apareceu diante das câmeras de TV usando uma gargantilha – que, se colocada no pescoço de um cachorro, seria chamada de coleira – que trazia “Eike” bordado sobre tecido negro em pedras brilhantes, com letras maiúsculas. Indagada, Luma explicou que se tratava de uma homenagem a seu então marido – Eike Batista – que se sentia incomodado quando ela desfilava.
A essa altura Batista era um empresário que tinha obtido algum sucesso na área de mineração. Começou vendendo seguro de porta em porta após largar um curso de engenharia na Alemanha. No início da década de 1980 foi à Amazônia, onde iniciou atividade de intermediação na venda de ouro extraído por garimpeiros. Acumulou o suficiente para comprar máquinas e começou a explorar ouro. Entrou em negociação com uma empresa canadense, da qual tornou-se controlador e transformou-a na TVX Gold. Em 1986, adquiriu a mina La Coipa, no Chile. Três anos após o episódio que o revelou ao grande público, Batista vendeu as ações da TVX Gold e construiu, em associação com a americana MDU, a termelétrica TermoCeará – apelidada TermoLuma – que deu origem à MPX, a empresa do EBX que atua em energia elétrica. Em 2005 – já separado de Luma, com quem teve dois filhos – criou a mineradora MMX, empresa que lançou na Bolsa no ano seguinte. Em 2007, além da OGX, abriu a LLX, empresa de logística, que, como a petroleira, foi lançada na Bolsa um ano depois. Em 2009 criou o estaleiro OSX, cujo capital foi aberto no ano seguinte.

A estrutura empresarial criada sob o guarda chuva do EBX parecia o suprassumo da sinergia, palavra que no jargão empresarial significa o máximo de eficiência. Por meio da LLX, Batista lançou as bases do Superporto Açu para escoar a produção da MMX. Descrito pela empresa como “um complexo portuário privativo de uso misto”, o Açu foi projetado para ter dois terminais, “um offshore e outro onshore”, em construção no município de São João da Barra, e está situado “próximo à área responsável por 85% da produção de petróleo e gás do Brasil”.
A LLX seria empregada no transporte do minério de ferro de Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, onde a MMX atua, até o Açu. Além disso, o superporto abrigaria um complexo industrial: nele seriam instaladas a OSX, para produzir as embarcações que a OGX necessitaria para realizar sua produção petrolífera, e uma siderúrgica, que consumiria parte do minério transportado até lá. O Açu foi projetado também para comportar instalações para o armazenamento do petróleo extraído pela OGX e, quem sabe, pela Petrobras.
Como se pode perceber, o essencial do grupo EBX gira em torno da OGX, empresa que viabilizaria a OSX – estava prevista a encomenda de 48 embarcações de três tipos para atender as demandas da petroleira – e boa parte do porto do Açu. Na medida em que anunciava as novas empresas, e, principalmente, lançava novas avaliações otimistas sobre as áreas petrolíferas sob controle da OGX, Batista via as empresas de seu grupo ganhar cada vez mais força na Bolsa. Ele se aproveitou da euforia provocada pelo pré-sal e levou muita gente a acreditar que não poderia ficar fora de uma empresa como a OGX, que apresentava como uma “mini-Petrobras”.
Em 2008, cerca de um ano após fundar a companhia, Batista fez uma oferta inicial de ações ao público (IPO, na sigla em inglês) na Bovespa. Obteve 6,7 bilhões de reais por 38% da empresa – isso significava que a OGX valia aproximadamente 17 bilhões de reais, dos quais 10 bilhões eram dele. A essa altura, a OGX tinha como patrimônio somente os blocos de exploração obtidos na 9ª Rodada.
Nos anos que se seguiram, embora não houvesse produção, a empresa permaneceu valorizada na Bolsa – assim como as mais antigas e as mais recentes. Assim, sua fortuna pessoal chegou a atingir, na avaliação da revista Forbes, 30 bilhões de dólares e Batista foi ranqueado como o sétimo homem mais rico do planeta. Então, começou a queda. Na medida em que a OGX informou ao mercado que as avaliações a respeito das potencialidades de campos petrolíferos haviam sido superestimadas, o preço de suas ações declinou rapidamente. Nos últimos 12 meses encerrados no mês passado, por exemplo, a cotação desses papéis chegou a cair 96,5%. Um processo do mesmo tipo alcançou, de forma geral, com maior ou menor intensidade, o conjunto das empresas do EBX, dado o papel central da OGX no grupo.
A desvalorização enfraqueceu os planos de Batista, na medida em que limitou as possibilidades de o empresário levantar mais recursos no mercado de capitais para financiar seus empreendimentos, assim como tornou empréstimos bancários mais difíceis de obter – dado que as ações que detinha das empresas, e que serviam de garantia, perderam valor. À medida que as dívidas aumentaram e tornaram a operação das empresas sob seu controle cada vez mais complicadas, Batista iniciou negociações com companhias estrangeiras para obter os recursos tanto para novos investimentos quanto para o pagamento ou rolagem de suas dívidas. Além do acordo com a Petronas, no final de maio a alemã E.ON, que já era sócia minoritária da MPX, adquiriu por cerca de 1,5 bilhão de reais 24,5% do capital social da empresa que pertenciam a Batista. A alemã passou a exercer o controle da MPX e, em setembro, alterou seu nome para Eneva. No mês anterior, Batista deixou o cargo de presidente do conselho de administração da LLX após a americana EIG investir 1,3 bilhão de reais e assumir o controle da empresa.
Em meados do mês passado, a MMX anunciou acordo para a venda de 65% do capital social da MMX Porto Sudeste – terminal portuário de movimentação de minério de ferro conhecido como Superporto Sudeste, na cidade fluminense de Itaguaí – para as companhias Impala (divisão da holandesa Trafigura) e Mubadala (fundo de investimento de Abu Dhabi), por 400 milhões de dólares. O acordo envolveu a transferência de 1,3 bilhão de reais em dívidas para os novos controladores.
Para realizar essas e outras operações, visando reestruturar o EBX, em março passado Batista contratou o BTG Pactual. Mais recentemente, contratou o Angra Partners paroa realizar algo parecido, sem que claramente dispensasse o BTG. O Angra Partners chegou a Batista por meio de uma ponte estabelecida pelo ex-embaixador dos EUA no Brasil Clifford Sobel, por sua vez representante de um fundo de investimento de empresários americanos, o Valor Capital Group, que também é sócio do Angra Partners.
As ligações de Batista com o exterior não param por aí. Levantamento realizado a pedido do diário O Estado de S. Paulo e publicado em meados de outubro revelou que quase três quartos do valor total de sua participação direta nas empresas do EBX estavam em nome de fundos localizados fora do País. Eram o Centennial Asset Mining Fund LLC e o Centennial Asset Brazilian Equity Fund LLC, com sede no estado americano de Nevada. Ambos, por sua vez, eram controlados pela EBX International S/A, sediada no Panamá. A prática, explica o artigo do jornal, que não é ilegal, não é ocultada por Batista. Advogados especializados ouvidos pelo jornal dizem que seu objetivo pode ser o de driblar a tributação.
Como a OGX vai resolver os problemas gerados pelo não pagamento dos juros aos que compraram seus títulos no exterior anda não estava claro em meados do mês passado. O certo é que Batista dificilmente retornará ao posto que um dia ocupou no ranking da Forbes. No início de março deste ano ele havia sido rebaixado do 7º para o 100º posto entre os bilionários. E, seis meses mais tarde, fora defenestrado do clube, uma vez que, pelos cálculos da revista, sua riqueza fora reduzida a menos de míseros 900 milhões de dólares.

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