sábado, 29 de dezembro de 2012

Joaquim Barbosa

Joaquim Barbosa (Foto: Fellipe Sampaio / STF)

Por Marilson Santana

Aplaudi e aplaudo a existência de um Negro no Supremo Tribunal Federal. Sempre defendi as ações afirmativas. Está na minha história de vida tal defesa e não posso apagá-la mesmo que a borracha do inconsciente me assoprasse outras letras. O Ministro Joaquim Barbosa não foi escolhido pelo Ex-Presidente Lula só por isso, mas, principalmente, por sua competência e notório saber jurídico, atestado tanto acadêmico, quanto profissionalmente. A presença de um negro de origem popular na maior Corte Jurídica do País atinge, fortemente, também, as confortáveis posições de setores racistas de nosso mundo jurídico, acadêmico, político e social, posições estas contra as quais nós combatemos todos os dias. Setores aqueles, que observei e observo bem de perto, costumavam derramar piadas grosseiras e palavras de baixo calão contra ele só pelo fato de ser negro e ao mesmo tempo assumir uma posição de destaque no cenário jurídico e do poder judiciário brasileiro. Setores aqueles que hoje, de uma maneira enviesada e distorcida, aplaudem-no nas Ruas do Leblon ou do Plano Piloto, mas não o convidariam para tomar um café no bar da esquina se fosse o porteiro do prédio ou vizinho de porta e só pelo fato de ser ele negro. Na minha simplória significância no quadro de tais setores, rebati, oportunamente, e rebato sempre que posso esta “gentalha” racista e preconceituosa. Continuarei rebatendo sem piedade.
São ainda raros os negros nas nossas salas de aula de Direito e nos Tribunais, especialmente, negros originários das classes populares como o ilustre Ministro. Contudo, devemos protegê-lo e proteger a sua forte e guerreira imagem das capas de revistas manifestamente contrárias à adoção de cotas raciais na universidade e de jornais de São Paulo que aceitam dentre os seus colunistas pessoas assumidamente racistas, capazes de remontar argumentos neo-darwinistas para rebater as cotas. Certo jornal carioca que hoje o homenageia com “pompas e circunstâncias” abrigou em seus editoriais e por meio de seus articulistas uma campanha implacável contra as ações afirmativas e as mudanças sociais redistributivas nestes pais. Não se pode negar que ele foi escolhido por uma política de ação afirmativa do Governo Lula. Antes disso era um notável Procurador da República e professor de direito. E ponto. Impossível “embranquecer” este fato. O movimento negro foi importante nessa escolha ao pressionar o governo neste sentido, mas não opinou no nome. Até porque Joaquim Barbosa nunca foi quadro do movimento negro ou de qualquer movimento político e muito menos tinha uma atuação de esquerda dentro do Ministério Público. Como ele mesmo diz, foi um encontro ao acaso com Frei Beto e, como se sabe, o conhecimento de pessoas do meio jurídico em Brasília que pavimentou este caminho.
A imprensa brasileira, a quem o Excelentíssimo Ministro chamou outrora de “branca e conservadora”, todavia, esteve do lado dele o tempo inteiro neste julgamento da Ação 470. Continuo, como algumas vozes, na “livre cadeia de comunicação” das redes sociais, informando, “a contrario sensu” de muitos, ter ele se confundido e “derrapado” na bainha da toga por vários motivos em sua decisão. Motivos estes que basta um conhecimento jurídico mediano para saber muito bem deduzir que houve a busca de regras e teorias ex post facto. Ele mesmo fez a “mea culpa”, assumindo que, como foi membro do Ministério Público Federal, gosta de acusar. Juízes não acusam, Meritíssimo. Juízes julgam como é notório e óbvio. Esperei esse julgamento como meu sobrinho adolescente espera o jogo do Flamengo em decisão do campeonato brasileiro. Ou seja, não como advogado ou professor de direito, mas como cidadão . Claro que sou um jurista mediano e nem pretendo bancar, como uma grande amiga carinhosamente me acusou aqui, o legalista exegético ou dogmático de plantão. Ao contrário, o direito constitucional é o território onde a teoria jurídica pode se mostrar no seu explendor popular e se curvar para política sem nela se transformar. É o lugar em que o saber especializado do direito também se curva aos princípios sociais da democracia e da republica convertidos em direito.Ali vi até republicanismo, mas também o sofrimento de princípios constitucionais e direitos fundamentais caros ao processo democrático. O que fazer de um republicanismo sem democracia ? E não estou falando de neoconstitucionalismo não. Estou falando de um lugar em que se acredita num constitucionalismo mais próximo de uma neoinsurgência do direito, como prática social converdita em direito de baixo para cima da qual Joaquim poderia ser porta-voz. Mas infelizmente não foi.
A escolha da “Folha de São Paulo” , órgão da imprensa oficial da oposição não só ao Partido dos Trabalhadores como aos movimentos sociais, que ele fez para dar a primeira entrevista pós-julgamento é sintomática. No mínimo, é algo a se compreender com cuidado. Dar entrevistas à “imprensa branca e conservadora” – friso que são palavras dele- no meio de um processo eleitoral, com um processo jurídico em andamento, para o qual se terminou de conceder a relatoria, não é o que se espera de um magistrado imparcial que promete um julgamento supostamente técnico? É? Uma coisa é se dirigir aos destinatários dos direitos fundamentais no Brasil, outra coisa é se alimentar da flama de uma opinião pública mobilizada por uma disputa contagiante, porque local, como é a da eleição municipal. O risco da vingança privada se reinstalar tal como exceção ou linchamento não era tão pequeno. O julgamento político do PT foi feito nas urnas. Isso não quer dizer que não se deva condenar o sistema eleitoral brasileiro, colonizado mais pelo sistema do mercado do que pelo sistema burocrático. Isso não quer dizer também que tal partido não tenha errado no processo político recente do país, desconsiderando até mesmo algumas expectativas de sua própria base partidária, forjada nas lutas sindicais e do movimentos populares. Mas quando o judiciário se usa da fúria da política vestida com a estátua cega da justiça a catar resto de dogmática para produzir condenação, pode-se cometer excessos. O Supremo Tribunal Federal não é um Tribunal Penal, mas Constitucional. Estava em jogo não só quadrilhas e corruptos do mercado, infestados na coisa pública, mas a possibilidade de se estabelecer um marco institucional definitivo provocador de uma reforma política radical no país. Nada disso foi tratado. O tema de financiamento público de campanha sequer foi lembrado com destaque. A isonomia de tratamento com o mensalão tucano vai ser “destratada” agora ou recebida com o clima de paz, harmonia e o “dia do domingo” tocado na guitarra de um Ministro no dia de posse do mencionado Ministro Negro. Azeredo pode ser condenado, mas num clima de tranquilidade, sem eleição ou qualquer movimento do tipo.
Por outro lado, ele- Nosso Ministro Negro Presidente- ter afirmado voto em Lula e Dilma nada tem a ver com julgamento de direito de uma Corte Constitucional .Só desviou o foco da discussão naquele momento. Quando algumas pesquisas já demonstravam, expresso ou implicitamente, que o “suposto mensalão” não iria influenciar o futuro das eleições municipais de 2012, ficou fácil dar entrevista aliviando a barra, não?. Nessas condições, ninguém “é besta para tirar onda de herói” e agora pouco importa, no jogo político, se Dirceu foi condenado ou não. Suponho que, enquanto Ministro da Casa Civil, este não queria o nosso Ministro Negro na Corte Suprema. Sua ida para o STF, como se disse acima, se deveu a um quadro de articulação da Igreja e a um advogado que compunha o atual “esquadrão” de defesa dos réus. Senti um cheiro de vingança e raiva naquela posição tão raivosa contra o ex-dirigente petista. Mas tudo isso faz parte do passado e é matéria para psicanalistas e não para análise política. Afinal, até ontem, era outro o interesse no capítulo da novela “Avenida Brasil”, hoje já tem gente achando a vingança da Nina ou Carminha uma chatice desbotada. O caso do goleiro Bruno do Flamengo nem de longe desperta o interesse da nossa nação para o direito. O interesse popular no direito se arrefeceu depois das eleições…Por que será?
Torço para que a sua Presidência da Casa seja exitosa. Torço mesmo. E prometo não torrá-los mais na paciência com longas postagens por um tempo, entretanto, convido a todos também para observar este poder judiciário de baixo para cima e de cima para baixo sem racismo e sem preconceitos de qualquer natureza. Ele – o primeiro Ministro do Supremo Negro na história deste país- não deve ser o principal alvo, talvez seja mesmo uma vítima dessa situação toda. A proteção da “orelha grande” está em outro lugar. Mas nisso ninguém toca, nem sequer dá um peteleco. A fonte da “Cachoeira” continua a céu aberto e sabemos que ela não nasce no cerrado de Goiás. Nasce numa floresta com Tucanos e jararacas perto de uma fazenda já quase no Pantanal. O nosso Ministro Presidente já quis cutucar o cão com vara curta na época do julgamento de um Habeas Corpus que levantou polemica sobre o uso de algemas, mas recuou. Viu que o liberalismo do outro não funcionava sempre. No julgamento do mensalão,estavam do mesmo lado, ainda que sem querer. Quando o lobisomem apareceu atrás da moita, viram os dois que faziam parte da mesma fauna de juristas e o susto foi grande.
Espero sinceramente que ele- “O Senhor Presidente , – não fique incensado com as benesses do Diário Oficial da Casa Grande. Conheci filhos de faxineiros e lavadeiras que não tiveram a mesma sorte. Não se pode esquecer, contudo, que foi um trabalhador tão criticado por não ter um dedo em uma das mãos que o indicou. Foi aquele primeiro a reconhecê-lo para tal destino. Faça, Eminente Ministro, da casa do STF um quilombo de resistência, capaz de expulsar os porta-vozes dos Senhores de Engenho e não um albergue disfarçado e enganoso para quem sempre foi contra o abolicionismo.
Abolicionismo posto aqui em todos os sentidos. A essa altura tenho até saudades de Rui Barbosa que defendia o quilombo do Leblon contra as investidas da monarquia, mas passou para história do senso comum como quem rasgou e queimou os arquivos da escravidão. A história pode ser recontada. É uma questão de tempo.
*[N.E.] Texto publicado originalmente como postagem no Facebook. Publicado sem alterações com autorização do autor.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

100 livros clássicos para download


Uma compilação com 100 obras, entre autores brasileiros e estrangeiros, escolhidas entre os 10 mil títulos disponíveis no portal Domínio Público. A lista, traz desde livros seminais, formadores da cultural ocidental, como “Arte Poética”, de Aristóteles, até o célebre “Ulisses”, de James Joyce, considerado um dos livros mais influentes do século 20, além de clássicos brasileiros e portugueses. Todo o acervo do portal DP é composto por obras em domínio público ou que tiveram seus direitos de divulgação cedidos pelos detentores legais. No Brasil, os direitos autorais duram setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subsequente à morte do autor. 

A Divina Comédia — Dante Alighieri
Ulysses — James Joyce
A Metamorfose — Franz Kafka
Don Quixote. Vol. 1 — Miguel de Cervantes Saavedra
Don Quixote. Vol. 2 — Miguel de Cervantes Saavedra
Cândido — Voltaire
Uma Estação no Inferno — Arthur Rimbaud
Iluminuras —Arthur Rimbaud
A Esfinge sem Segredo — Oscar Wilde 


Viagens de Gulliver — Jonathan Swift


Poemas — Safo
O Elixir da Longa Vida — Honoré de Balzac
Arte Poética — Aristóteles


Via—Láctea — Olavo Bilac


As Viagens — Olavo Bilac
Contos para Velhos — Olavo Bilac
A Mensageira das Violetas — Florbela Espanca
Poemas Selecionados — Florbela Espanca
Livro de Mágoas — Florbela Espanca
Charneca em Flor — Florbela Espanca
Livro de Sóror Saudade — Florbela Espanca
O Livro D'ele — Florbela Espanca
O Guardador de Rebanhos — Fernando Pessoa


Poemas de Fernando Pessoa — Fernando Pessoa


Poemas de Álvaro de Campos — Fernando Pessoa
Poemas de Ricardo Reis — Fernando Pessoa
Primeiro Fausto — Fernando Pessoa
O Pastor Amoroso — Fernando Pessoa
A Cidade e as Serras — Eça de Queirós
Os Maias — Eça de Queirós
Contos —Eça de Queirós
A Ilustre Casa de Ramires — Eça de Queirós
A Relíquia — Eça de Queirós
O Crime do Padre Amaro — Eça de Queirós
Vozes d'África — Castro Alves
Os Escravos —  Castro Alves
O Navio Negreiro — Castro Alves
Espumas Flutuantes — Castro Alves
Eu e Outras Poesias — Augusto dos Anjos
Eterna Mágoa — Augusto dos Anjos
Os Sertões — Euclides da Cunha
Canção do Exílio — Antônio Gonçalves Dias 


Dom Casmurro — Machado de Assis


Esaú e Jacó — Machado de Assis
Quincas Borba — Machado de Assis
Contos Fluminenses — Machado de Assis
O Alienista — Machado de Assis
As Academias de Sião — Machado de Assis
Memorial de Aires — Machado de Assis 


Romeu e Julieta — William Shakespeare


A Comédia dos Erros — William Shakespeare
A Megera Domada — William Shakespeare
Macbeth — William Shakespeare
Hamlet — William Shakespeare
Otelo, O Mouro de Veneza — William Shakespeare
O Mercador de Veneza — William Shakespeare
Antônio e Cleópatra — William Shakespeare
Ricardo III — William Shakespeare
Os Lusíadas — Luís Vaz de Camões
Redondilhas — Luís Vaz de Camões
Canções e Elegias — Luís Vaz de Camões
A Carta — Pero Vaz de Caminha
Fausto — Johann Wolfgang von Goethe
Lira dos Vinte Anos — Álvares de Azevedo
Noite na Taverna — Álvares de Azevedo
Obras Seletas — Rui Barbosa
Odisseia — Homero
Iliada — Homero
História da Literatura Brasileira — José Veríssimo Dias de Matos
Utopia — Thomas Morus
A Carne — Júlio Ribeiro
Édipo—Rei — Sófocles
Memórias de um Sargento de Milícias — Manuel Antônio de Almeida
A Dama das Camélias — Alexandre Dumas Filho
A Dança dos Ossos — Bernardo Guimarães
A Escrava Isaura — Bernardo Guimarães
A Orgia dos Duendes — Bernardo Guimarães
Seleção de Obras Poéticas — Gregório de Matos
Contos de Lima Barreto — Lima Barreto
Diário Íntimo — Lima Barreto
O Livro de Cesário Verde — José Joaquim Cesário Verde
Brás, Bexiga e Barra Funda — Alcântara Machado
Schopenhauer — Thomas Mann 


A Capital Federal — Artur Azevedo


Antigonas — Sofócles
A Poesia Interminável —  Cruz e Sousa
Antologia — Antero de Quental
A Conquista — Coelho Neto
As Primaveras — Casimiro de Abreu
Carolina — Casimiro de Abreu
A Desobediência Civil — Henry David Thoreau

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Moradores removidos por obra olímpica há dois anos continuam sem indenização no Rio de Janeiro



Há dois anos, Michel aguarda indenização da Prefeitura após perder sua casa e oficina
Em 17 de dezembro de 2010, Michel Souza dos Santos e Francisca Melo, ex-moradores da Restinga, no Recreio dos Bandeirantes, viram suas casas serem destruídas pelos tratores da Prefeitura em questão de minutos. Não apenas o trauma ficou daquele dia, mas a sensação de injustiça com indenizações irrisórias ou simplesmente o esquecimento por parte do poder público. Os dois faziam parte do grupo que mais resistiu à remoção forçada.
“Nós lutamos contra a remoção, e parece que servimos de exemplo para as outras comunidades não brigarem por seus direitos. Não me arrependo, faria tudo de novo, mas agora estamos nessa situação”, disse Michel, que é um dos cerca de 20 moradores que não recebeu nenhum centavo da Prefeitura do Rio. Sem ter para onde ir, ele morou de favor, de aluguel, e agora está construindo uma casa em Pilares.
Vila Harmonia se transformou em estacionamento para máquinas da Prefeitura
“Antes morava num lugar tranquilo, agora estou perto do morro e é tiroteio direto. Não pego o BRT porque não dá, vem lotado, e acabo demorando duas horas pra ir e mais duas pra voltar”, completou. Além da casa, Michel tinha uma oficina na Restinga há 12 anos. Apesar de continuar trabalhando no local para manter seus clientes, agora está numa loja alugada.
Já Francisca, com a ajuda de parentes, está refazendo a sua vida na comunidade do Fontela (conheça a sua história no mini-documentário abaixo). “O Secretário de Habitação (na época Jorge Bittar) falava que a gente já saía encaminhado para um trabalho, o que não aconteceu de maneira nenhuma. Nós saímos de lá sem nada. Então é falho isso, é uma grande falha falarem que as pessoas estão sendo remanejadas dentro dos seus direitos, negativo”, enfatizou Francisca.
Casos como o de Michel e Francisca estão sendo tratados na Comissão de Moradores Atingidos pela Transoeste, grupo que tem se reunido para dar visibilidade às violações de direitos que aconteceram na região, exigir reparações adequadas aos danos causados e fortalecer a luta de comunidades vizinhas.
“Muitas questões ainda não foram resolvidas e os moradores estão numa situação pior do que antes. A experiência que a gente passou com relação à Transoeste pode ser útil, pode ajudar nos desafios que estão postos a outras comunidades”, disse Alexandre Mendes, que na época era Defensor Público e atendeu com a equipe do Núcleo de Terras e Habitação as comunidades do Recreio.
Assim como a Restinga, Vila Recreio II e Vila Harmonia também sofreram ofensivas no período e já não existem mais. O motivo seria a construção do BRT Transoeste, mas hoje grande parte dos terrenos estão desocupados ou tendo outros usos, o que tem sido questionado pelos atingidos. Nada foi feito no local da Vila Recreio II e a Vila Harmonia se transformou em estacionamento para máquinas da Prefeitura. Já a área removida da Restinga deu espaço a três novas pistas para carros, não para o BRT.
Área antes ocupada pela Vila Recreio II permanece sem uso
“Queremos justiça, mostrar que eles estavam errados, para que isso não volte a acontecer nunca mais”, finalizou Michel.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A situação da Síria, vista pelo Partido Comunista Sírio



Comunicado sobre a reunião do Comité Central do Partido Comunista Sírio, facção Khalid Bakdash.

O Comitê Central do Partido Comunista Sírio fez uma reunião ampliada, em 5 de dezembro de 2012, liderada por seu secretário geral Camarada Ammar Bagdache, em companhia dos membros do Comitê Central, membros do Comitê de supervisão e secretários de comitês regionais, começando com um minuto de silêncio em respeito ao Camarada Wissal Farha Bagdash, líder do partido, e em luto pelos mártires da pátria.

Durante a discussão da situação política, o Comitê Central voltou-se para o desenvolvimento da situação interna do país, onde os confrontos armados estão aumentando entre as forças do governo - que defendem uma visão nacional síria, contrária aos planos agressivos e expansionistas do sionismo e do imperialismo - e forças rebeldes cujo poder de fogo é constituído por facções terroristas que são leais ao imperialismo e aos regimes reacionários árabes que visam destruir a Síria como a fortaleza liberal no mundo árabe, e como um elemento importante da luta de libertação anti-imperialista internacional.

Apesar da expansão e intensificação da insurreição, ela não atingiu os seus objetivos de derrubar o regime através da destruição da capacidade de luta do Exército Árabe Sírio, que corajosamente enfrenta os repetidos ataques dos rebeldes na capital Damasco, e Aleppo tem permanecido inabalável, levantando orgulhosamente a bandeira da nação e da dignidade. Até mesmo a rejeição das massas sírias vem aumentando contra os rebeldes, cujos rostos bárbaros se tornam cada vez mais claros através dos crimes cometidos contra a população civil, especialmente em áreas que se recusam a aceitá-los. Quanto à eficácia do confronto entre as forças armadas rebeldes, as operações terroristas que visam comunidades e alvos civis estão aumentando, o que fará o ódio popular contra eles crescer exponencialmente.

O Comitê Central considera que não seria possível para a insurreição atingir este amplo alcance se não fosse o grande apoio recebido pelos rebeldes dos estados imperialistas e dos regimes reacionários árabes, em particular dos Estados do Golfo e a Turquia de Erdogan, que é o posto avançado da OTAN na região, trabalhando constantemente contra a Síria. Não podemos classificar esses fatos de acordo com as normas do direito internacional, apenas como atos agressivos. Uma das últimas manifestações da linha de agressividade turca foi a implantação do sistema de mísseis Patriot Atlântico no seu território.

A Turquia também dá suporte insolentemente a operações militares que partem de seu território contra a Síria e na prática participa nestas operações, como aconteceu na cidade de Ras al-Ain. É sabido por todos que a Turquia apóia as bases de rebeldes armados em seu território bem como a base de inteligência atlântica, que lidera e coordena o trabalho dos rebeldes na Turquia.

O Comitê Central considera que o principal dever dos comunistas, como de todos os patriotas, encontra-se na defesa da independência nacional da Síria e na defesa da unidade do território nacional, em face de conspirações imperialistas sionistas reacionárias árabes, e no enfrentamento aos atos criminosos dos inimigos da pátria, os executores da vontade do colonizador.

Durante a discussão da situação sócio-econômica, os camaradas refletiram sobre o sofrimento das massas, a deterioração das condições de vida do povo causada pelo declínio do poder de compra das famílias sírias, e a onda de aumento de preços, com a perda dos elementos básicos necessários para a vida. Além disso, o encontro reflete as inúmeras dificuldades que a produção nacional e os produtores estão enfrentando. O Comitê Central considera que uma grande parte dessa situação se deve ao cerco imposto à Síria e aos atos de sabotagem. Mas, ao mesmo tempo, este governo não fez ações rigorosas para enfrentar a situação, e não fez o necessário enfrentamento com a abordagem econômica liberal, que basicamente contribuiu para criar as condições da crise vivida pela Síria agora.

O que é necessário agora é intensificar o controle estatal sobre as articulações básicas da economia nacional, aumentar o seu papel particularmente no abastecimento e comércio interno, restaurando as suas posições no comércio exterior, especificamente em materiais necessários estratégicos para a continuidade da produção e fornecimento para as necessidades dos cidadãos . O Comitê Central considera que o que foi feito por algumas autoridades econômicas governamentais, para a procrastinação da resolução do problema e adiamento da escolha de uma política econômica alternativa, estende a duração da crise e aumenta a probabilidade de consequências difíceis. Especialmente quando se tornou claro que, após as potências coloniais não terem conseguido obter uma rápida vitória militar sobre a Síria, estão buscando esgotá-la em todas as áreas, a fim de fazer a Síria sair de sua crise incapacitada de efetivamente enfrentar o imperialismo expansionista e os planos sionistas na região.

Daí vem a importância do front econômico-social, a importância de seguir uma política econômica que proteja e reforce a produção nacional, atendendo aos interesses das massas populares que são o esteio da honrada firmeza nacional da Síria, e isso só pode ser conseguido através de mudança radical nas orientações econômicas e sociais e do enfrentamento final com o liberalismo econômico em todas as suas manifestações.

O Comitê Central considera que há no mundo um aumento da condenação às ações de hostilidade perpetradas pelo imperialismo internacional e suas forças leais e mercenárias contra a Síria, tendo como uma das manifestações evidentes a declaração de solidariedade com a Síria emitida pelos Partidos Comunistas e Operários participantes da 14ª reunião internacional. A rejeição à intervenção militar direta contra a Síria também está aumentando nos Estados Unidos e nos centros imperialistas em si. Também aumenta a compreensão para os riscos das conseqüências da crise síria em todo o mundo.

Essa situação aumenta a loucura dos regimes reacionários árabes contra a Síria. Estes regimes percebem que a sua existência estaria ameaçada em caso de fracasso das conspirações contra a Síria. Isso aumenta a agressividade desses regimes e seu apoio para todas as operações agressivas e subversivas contra a Síria, em plena coordenação da Turquia e governantes reacionários.

O Partido Comunista Sírio confirma, como confirmara anteriormente, que a resistência não é apenas um dever, mas é possível. Todas as evidências no cenário nacional, regional e internacional confirmam isso. O importante agora é promover, fortalecer e suportar todos os fatores que tragam consigo a capacidade de mobilização das massas populares e de luta do Exército Árabe da Síria, bem como a manutenção da produção nacional.

O Comitê Central discutiu a participação de nosso partido na reunião dos partidos nacionais e das forças da coalizão, enfatizando a importância da aliança de todas as forças nacionais e sua unidade especialmente nas circunstâncias difíceis enfrentadas por nosso país. A unidade da Frente Nacional é um dever em face da unidade das forças reacionárias.

Na arena árabe mostra-se claramente o rosto terrível e o conteúdo obscurantista das forças reacionárias disfarçadas, que fazem no combate o contraste aos conceitos de democracia e progresso, aos conceitos que tratam de civilização e humanidade. Isto é claramente demonstrado pelos acontecimentos na Tunísia e na Líbia, e especialmente na situação vivida pelo Egito, onde as grandes massas do povo resistem às tentativas de se impor um regime obscurantista e ditatorial leal ao imperialismo, não menos do que os regimes anteriores. O rápido desenvolvimento dos acontecimentos no mundo árabe prediz inúmeras inflexões no movimento de libertação nacional árabe.

O Comitê Central declara a sua solidariedade para com todas as pessoas livres do mundo árabe, que rejeitam o controle colonial e a autoridade reacionária de todas as cores, opondo-se ao risco das forças obscurantistas.

Durante a discussão da situação internacional, o Comitê Central decidiu pela manutenção do que o nosso partido diagnosticou em sua documentação sobre a escalada de todas as contradições imperialistas contemporâneas, especialmente nas circunstâncias da crise estrutural vivida pelos centros imperialistas, a escalada dos confrontos entre o trabalho e o capital em seu interior, bem como a recuperação do movimento global de libertação nacional em sua resistência à política de empobrecimento e às tentativas de impor a dominação absoluta pelo capital financeiro global.

O Comitê Central envia uma saudação a todos os progressistas e forças anti-imperialistas do mundo, especialmente aos partidos comunistas que estão na dianteira da luta contra a dominação do capital. Destaca, ainda, que a luta dos comunistas sírios para fortalecer a firmeza da Síria nacional é também tarefa internacional para fortalecer a frente anti-imperialista global.

O Comitê Central reporta as atividades dedicadas ao centenário do nascimento do camarada Khalid Bagdache, líder histórico dos comunistas sírios, que foram conduzidas pelas organizações partidárias em todo o país, apesar das condições difíceis, concentrando-se nos aspectos da luta de classes, nacional e internacional, do Partido Comunista Sírio.

O Comitê Central também discutiu algumas questões de organização e tomou as decisões e recomendações necessárias nesta área. O Comitê Central elogiou as atividades das organizações partidárias e a luta dos camaradas comunistas ombro a ombro com todos os patriotas pela defesa da pátria, da sua soberania e dignidade.

Damasco, 5 de dezembro de 2012.

Comitê Central do Partido Comunista Sírio.

Fonte: Diário da Liberdade

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Tropicalismo, um movimento libertário?


Por IHU On-Line

O tropicalismo marcou uma época porque foi capaz de aceitar a outridade e conseguiu sintetizar o transe em canções, afirma o doutorando.

O tropicalismo quebrou as barreiras entre o pop e o folclore; entre a cultura erudita e a de massa; entre a tradição e a vanguarda. Para Pedro Bustamante Teixeira, o movimento conseguiu estes êxitos jogando com os estereótipos de brasilidade. “Na justaposição de suas imagens, o tropicalismo expunha com amor, já que ele sabe que isto também o constitui, o ridículo destas”, diz, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

Segundo ele, ao focar as imagens constantemente relacionadas a uma identidade brasileira: as bananas, os pandeiros, as mulatas, Carmen Miranda, Bossa Nova, Chico Buarque, Vicente Celestino, o tropicalismo operava na desconstrução de uma identidade endossada por um mito-Brasil em nome de uma diversidade identitária que lhes parecia inequívoca e irremediável. A partir da “desconstrução de estereótipos através de escrachos, novas possibilidades são criadas. De modo que se torna possível unir o fino da bossa ao programa do Roberto Carlos, o rock e o baião, o Brasil e o mundo, o bumba-meu-boi e o iê-iê-iê, Rogério Duprat e Os Mutantes, Caetano Veloso e Chico Buarque etc.”

Pedro Bustamante Teixeira possui graduação em Língua Portuguesa e em Língua Italiana (e em suas respectivas literaturas), e mestrado em Letras: Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF. É doutorando do Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários e Representações Culturais na mesma instituição.


IHU On-Line – O tropicalismo conseguiu “modernizar” a cultura brasileira em apenas um ano, que correspondeu à duração do movimento? Como isso foi possível?

Pedro Bustamante Teixeira – Primeiramente, é preciso lembrar que esse foi um momento ímpar na história brasileira. E não só por conta da ação tropicalista. No cinema, no teatro, na música, nas artes plásticas, nos jornais, apesar da ditadura da direita, soprava um “vento pré-revolucionário” que afetava as estruturas e convocava o artista à participação política. “O Brasil estava irreconhecivelmente inteligente”, diria o marxista Roberto Schwarz sobre esse tempo no ensaio Cultura e política, 1964-1969. No entanto, ao se pretender se servir da cultura para a conscientização das massas e à revolução, a esquerda incorria num erro político, detectado posteriormente por Gilberto Felisberto Vasconcellos, que era o de substituir a luta pela ação cultural. O tropicalismo vem a reboque dos ventos pré-revolucionários, mas se posta para além da causa, pois enxerga na política cultural das esquerdas uma visão deveras reducionista do que poderia ser a cultura brasileira.

Devir identitário

O movimento tropicalista se rebela contra o nacional-popular. Percebe nele uma séria ameaça ao devir da cultura brasileira. Desatando-se das diretrizes culturais da esquerda, vide CPC, o movimento, ao mesmo tempo em que se tornava célebre pelas apresentações conturbadas nos festivais, causava um mal-estar generalizado nas alas progressistas. A terra estava em transe, não só no Brasil, não só em Eldorado. O tropicalismo marcou uma época porque foi capaz de aceitar a outridade e conseguiu sintetizar o transe em canções.

Assim, a prática tropicalista resultou na edificação de uma identidade nacional mais complexa, mais tolerante, mais atenta, híbrida e maior. Uma identidade que existe mais através da práxis antropofágica do que pela preservação de uma essência originária. Em menos de um ano, a tropicália foi capaz de implodir com as bases do nacional-popular que de certa forma uniam a direita à esquerda, e de introduzir na cultura popular brasileira uma nova forma de pensamento. Agora, mais próximo dos manifestos de Oswald de Andrade do que do Ensaio sobre a música brasileira, de Mário de Andrade. Por fim, a rebeldia tropicalista resultou no devir de uma identidade cultural brasileira múltipla, de infinitas possibilidades e que nem por isso parecia menos brasileira do que a anterior. 

IHU On-Line – De que maneira o tropicalismo quebrou as barreiras entre o pop e o folclore? Entre a cultura erudita e a de massa? Entre a tradição e a vanguarda?

Pedro Bustamante Teixeira – Jogando com os estereótipos de brasilidade. Na justaposição de suas imagens, o tropicalismo expunha com amor, já que ele sabe que isso também o constitui, o ridículo destas. Ao focar as imagens constantemente relacionadas a uma identidade brasileira: as bananas, os pandeiros, as mulatas, Carmen Miranda, Bossa Nova, Chico Buarque, Vicente Celestino... o tropicalismo operava na desconstrução de uma identidade endossada por um mito-Brasil em nome de uma diversidade identitária que lhes parecia inequívoca e irremediável.

O jovem Caetano já dizia: “me recuso a folclorizar meu subdesenvolvimento”. E assim, da desconstrução de estereótipos através de escrachos, novas possibilidades são criadas. De modo que se torna possível unir o fino da bossa ao programa do Roberto Carlos, o rock e o baião, o Brasil e o mundo, o bumba-meu-boi e o iê-iê-iê, Rogério Duprat e Os Mutantes, Caetano Veloso e Chico Buarque etc. A tropicália chega à conclusão promissora que para se escolher um caminho não é preciso ignorar seus outros possíveis. E por isso é também um movimento libertário. Rita Lee disse em uma entrevista que Caetano Veloso e Gilberto Gil lhe fizeram ver que ela era – apesar de paulista, roqueira e filha de americano – tão brasileira quanto o Garrincha.


IHU On-Line – Em que sentido o movimento sofisticou a estética e a cultura brasileiras?

Pedro Bustamante Teixeira – Não combina muito com a estética tropicalista a palavra sofisticação, que talvez sirva melhor para nos referirmos ao movimento da bossa nova. O tropicalismo joga o tempo todo com o brega, o cafona, justapondo-os ao que pode haver de mais sofisticado na música brasileira e internacional. Apesar de uma vontade de superação do subdesenvolvimento, presente nas experimentações com os instrumentos elétricos, a incorporação de elementos da eletrônica e uma experimentação cada vez mais incisiva nos estúdios, a sofisticação jamais foi um desejo da tropicália, que é, antes de tudo, escracho, escândalo e jogo. A sofisticação sublima, mas não assusta. E o tropicalismo viera munido do Kitsch, do brega , do rock e do pop, justamente para assustar “as pessoas da sala de jantar”.

IHU On-Line – “O nome de um movimento só existe enquanto o movimento existe. E o tropicalismo não existe mais como movimento.” Como avalia essa frase de Caetano Veloso, proferida em um programa português, recuperada de forma inédita recentemente no documentário Tropicália?

Pedro Bustamante Teixeira – No momento em que Caetano faz essa afirmação, nem ele nem Gil, nem mais ninguém poderia responder por um movimento que tinha sido dissipado, junto a tantos outros, com a promulgação do Ato Institucional no. 5 e a seguinte intensificação da reação aos tais ares pré-revolucionários. No momento em que Caetano e Gil não poderiam nem mais pisar em seus trópicos que doravante pareciam, mais uma vez, tristes; o tropicalismo não fazia mais sentido algum. O absurdo alegre tornava-se uma violenta desilusão. Era o momento de se restabelecer o mínimo, “o mínimo Eu”. Os ombros mal suportavam o próprio peso que dirá o do movimento. Caetano e Gil, depois do itinerário que vai da “transa” ao transe, e do tranco e da tranca, teriam que cuidar de si mesmos para não sucumbirem à dor.

IHU On-Line – Podemos afirmar que o tropicalismo foi além da música? O movimento influenciou também as artes plásticas, o teatro e o cinema? De que forma?

Pedro Bustamante Teixeira – Devido à diversidade de frentes de atuação, Flora Süssekind  prefere o termo momento tropicalista ao mais usado movimento tropicalista. E já que estamos falando de um momento heterogêneo, é bastante complicado mapear quem influenciou quem. O que há é o surgimento de uma nova sensibilidade que rejeita tanto a filiação automática às diretrizes esquerdistas dos Centros Populares quanto uma inclinação nacionalista em nome da liberdade e da experimentação de novas formas artísticas. Sensibilidade que passa a ser sentida no teatro de José Celso Martinez Corrêa, no cinema de Glauber Rocha, nas artes plásticas com Hélio Oiticica, Lygia Clark e Rubens Gerchman, na Literatura de José Agrippino de Paula  e na música tropicalista. Em cada área há uma ruptura intrínseca a ela. Para cada ruptura, uma nova batalha, a vitória de uns não dispensa a luta dos demais, mas também não deixa de ajudar.

IHU On-Line – Qual foi o papel que a televisão teve para a divulgação do movimento, dos cantores e da própria canção, na época?

Pedro Bustamante Teixeira – Como já dissemos, sem a televisão certamente não haveria o susto tropicalista. O susto tropicalista só é possível através das transmissões dos festivais e dos programas tropicalistas. Só é possível com a subversão da imagem do artista de televisão, a adoção de trajes e penteado indiscretos, das guitarras e dos gritos. A transmissão da juventude sorridente do rock em meio aos festivais da música popular brasileira reduzia um preconceito e uma resistência que se preservavam apenas pelo medo do diferente. A transmissão dessas imagens ao vivo evitava qualquer apropriação indébita. Os rostos jovens e sorridentes dos Mutantes, acompanhando Gilberto Gil e a orquestra regida por Duprat, falavam por si só. O sorriso de Caetano enfrentando as vaias, para defender Alegria, alegria, também. A televisão foi a plataforma ideal para os happenings tropicalistas. Transmitiu o início, no Festival da Record, em 1967, e o seu enterro, no primeiro e único programa de Divino Maravilhoso. A TV foi uma fresta pela qual os tropicalistas puderam emitir os seus sinais diretamente para as massas. Em suma, sem a televisão, o movimento não teria acontecido.

 

IHU On-Line – Qual a diferença entre tropicália e tropicalismo?

Pedro Bustamante TeixeiraFrederico Coelho faz uma distinção que pode ser muito produtiva nos estudos acadêmicos desenvolvidos sobre o assunto. O pesquisador separa o tropicalismo musical da tropicália. Segunda a sua divisão, o primeiro diz respeito ao lado musical do movimento e está centrado nas figuras de Gilberto Gil e Caetano Veloso; o segundo, mais abrangente, faz menção a diferentes áreas artísticas e não se centra em uma área específica.

No entanto, como o lado musical, no momento tropicalista, está muito imbricado com os demais, acho a tarefa um tanto quanto complicada. Um campo alimenta o outro, um artista de uma área está sempre influenciando um artista de outra área. Havia uma cena artística muito diversificada que se frequentava. Não é fácil fazer o inventário do movimento. Gosto muito da fala de Gil no documentário Tropicália, em que ele diz: “Tropicália é uma ilha, um território, uma utopia”, “o –ismo era coisa de momento”, passou.

 

IHU On-Line – Podemos dizer que, à época, nem todo mundo entendeu o tropicalismo? Por quê?

Pedro Bustamante Teixeira – Se o tropicalismo hoje ainda é mal entendido, imagine só naquele momento. Na época, ainda pesava uma dupla suspeita em relação à tropicália. Por um lado, ela era acusada de servir aos interesses da ditadura militar e do imperialismo Ianque; por outro, ela parecia representar uma séria ameaça à moral e aos bons costumes. Este lado reagiu sorrateiramente até o ato da prisão de Gil e de Caetano, aquele de imediato, com as vaias e as denúncias. Para estes, Caetano e Gil seriam espécies de instrumentos da atual conjuntura para a desmobilização da juventude brasileira. A esquerda que, segundo Schwarz, manteve de 1964 até o Ato 5 uma relativa hegemonia na cultura do Brasil, via na nova abordagem proposta por Caetano e Gil uma rendição incosequente ao mercado e uma adesão ao projeto de modernização proposto pelos militares. Curiosamente, essas suspeitas só seriam sanadas com a chegada mais que tardia da notícia da prisão de Gil e de Caetano. Poucos sabiam, na época, o que realmente tinha acontecido aos dois. E, além do mais, quando eles puderam retornar do exílio em 1972, ainda não havia espaço para maiores esclarecimentos.

O adeus

Ademais, não lhes interessava mais essa briga; o objetivo do movimento já tinha sido de algum modo alcançado. As estruturas estéticas já estavam descerradas. Além do mais, era preciso seguir em frente, pois já tinham perdido tempo demais de trabalho. O mal-entendido que houve se estendeu e foi de tal maneira recalcado que, volta e meia, ainda pesam denúncias contra o movimento. Uma das motivações para que Caetano Veloso escrevesse Verdade tropical era a de desfazer os malentendidos, recontando em detalhes a sua parte nessa história, mas essa história não termina aqui: ainda têm o ensaio de Schwarz de 2012, as respostas e as canções.

Retirado do site IHU On-Line.

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Fonte: Algo a Dizer