sábado, 22 de dezembro de 2012

Um diretor de escola a favor da educação igualitária no filme “Machuca” - Download do Filme



Por José Paz Rodrigues

Um dos momentos mais extraordinários que houve no mundo para o desenvolvimento de uma educação renovadora, e para o renascer da cultura do povo, com um entusiasmo desbordante e uma grande paixão de jovens e docentes, que se envolveram em todas as atividades, foi o período de governo da Unidade Popular de Salvador Allende no Chile. Infelizmente durou pouco tempo e terminou com um golpe de estado fascista, patrocinado polo sanguinário Pinochet, com a ajuda dos EUA.

Salvador Allende que foi, para mim, um dos políticos mais dignos, presidiu ao governo chileno de 4 de novembro de 1970 a 11 de setembro de 1973. Para ele, que era médico, o prioritário era a educação e culturização do povo, para além da sua saúde. Durante os três anos do seu mandato, com uma grande efervescência dos cidadãos (muitos dos quais o chamavam com carinho e admiração, “Companheiro Presidente”), desenvolveu-se no Chile um programa educativo-cultural fantástico, que a mim muito me lembra o dos três ou quatro primeiros anos da nossa República dos anos trinta. Uma nova lei de reforma educativa modelar levou-se para a frente em todo o país, estendendo a escolaridade a todas as camadas sociais. E um “Trem da cultura popular”, parecido ao das nossas “Missões Pedagógicas”, percorreu o Chile de Norte a Sul. No comboio iam estudantes universitários todos entusiasmados, para alfabetizar, dinamizar com música, cantigas, cinema, pintura mural, livros e conta-contos, os cidadãos das vilas e aldeias mais afastadas.
Produto deste fantástico programa nascera no Chile o movimento da nova canção (Jara, Violeta Parra, Quilapayun, Inti-Illimani) e do novo cinema (Littin, Soto, Solás, Francia, Guzmán). O filme que hoje serve de nosso comentário, desenvolve a sua ação no último ano do governo democrático chileno, poucos meses antes do golpe. Um diretor dum colégio privado de elite na capital chilena, chamado Gerardo Whelan (no filme oculto sob o nome de Padre McEnroe), quer derrubar as desigualdades sociais, admitindo de forma gratuita no seu estabelecimento rapazes filhos de famílias de trabalhadores e com problemas económicos. Não só para desenvolver uma educação igualitária, como também para conseguir nos alunos valores de solidariedade, tolerância e respeito. Um pouco na linha da política do governo do momento. Não deve admirar, pois, que a sua escola fosse uma das primeiras ocupadas polos militares e o seu diretor expulso de imediato.
Ficha Técnica do Filme:
Título original: Machuca
Diretor: Andrés Wood (Chile-Espanha, 2004, 120 min., a cores).
Fotografia: Miguel J. Littin.
Intérpretes: Matias Quer, Ariel Mateluna, Manuela Martelli, Ernesto Malbrán e Federico Luppi, entre outros.
Filme premiado nos festivais de: Cannes, Vancouver, Portland e Philadelphia.
Argumento: Ambientado em 1973 em Santiago de Chile, durante o governo de Allende, o filme conta a história de dous amigos, um de família abastada burguesa, e outro (Pedro Machuca) de família pobre, o que, entre outros rapazes da sua classe social, é integrado num estabelecimento para estudantes de classe alta, o Saint Patrick, uma escola católica situada no setor Oriental da capital. O projeto de integração social é encabeçado polo diretor do estabelecimento, o padre McEnroe, que ao implementar estas medidas dividiu os pais, especialmente inimizando os de mais poder económico, contrários ao seu experimento. As suas medidas levaram à sua expulsão depois do golpe pinochetiano. O filme está baseado em factos reais e, em parte, é autobiográfico do diretor, que num estabelecimento similar, sendo estudante, viveu ao vivo algo similar naquela altura.

Análise do Filme:
O diretor do estabelecimento, padre McEnroe, (na realidade padre Gerardo Whelan), está a favor de uma educação igualitária. É um idealista e um sonhador, como costumam ser os bons mestres. No seu estabelecimento privado religioso tenta fazer realidade o sonho de integrar nas aulas elitistas rapazes de famílias de escassos recursos, procedentes de povoados marginais. Com o firme objetivo de que aprendam a respeitar-se mutuamente. O caminho não há de resultar fácil, pois vão ficar claros os preconceitos instalados nas mentes de pais, mães, alunos e docentes. A sociedade em geral boicotará a formosa e nobre ideia do diretor da escola. Dificuldades que vão ver-se incrementadas polo clima de aberto enfrentamento social que nesses momentos vive a sociedade chilena. Mas também há motivos para a esperança.
Uma formosa amizade surge entre os dous rapazes protagonistas. A cumplicidade entre ambos e o apoio mútuo, tanto como no conhecimento das suas diferenças e a possibilidade de medrar e enriquecer-se com elas, animam-nos a continuar a sonhar com que um outro mundo é possível. Paralelamente também surge o despertar dos adolescentes aos primeiros amores. E vemos a problemática dos rapazes que, por falta de meios, não podem escolarizar-se. Problema que é maior no caso das raparigas, como a protagonista do filme (Silvana), amiga do Gonçalo e do Pedro. É interessante o debate em assembleia dos pais dos rapazes e poder refletir que as escolas não são entes abstratos e neutrais, pois vivem em contextos sociais reais e os problemas quotidianos de todo o tipo repercutem no ensino diário dos estabelecimentos educativos e no labor de docentes e diretores. Algo que acontece em muitas das nossas escolas atuais, com alunos filhos de emigrantes, procedentes de variadas nacionalidades: senegaleses, equatorianos, brasileiros, venezuelanos, colombianos, marroquinos...
Temas para Refletir:
Debater porque é tão difícil aceitar as pessoas diferentes nas aulas dos estabelecimentos educativos. O mesmo, porque docentes e diretores, que querem desenvolver modelos didáticos inovadores, se encontram com tantas dificuldades para os levar à prática.
Analisar de que maneira os contextos sociais, com todos os seus problemas e dinâmicas sociais, influenciam na educação, no funcionamento das escolas, nas relações humanas entre alunos, docentes e pais, e no labor docente do dia-a-dia. Procurar, para além do caso do Chile, outros em outros países do planeta. Tanto históricos como atuais.
Analisar a atitude do diretor da escola que aparece no filme. E como posteriormente, depois de ser expulso, até a sua morte, trabalhou com cidadãos chilenos moradores em bairros marginais. Que é a melhor maneira de pôr em prática o evangelho de Jesus.
José Paz Rodrigues é Didata e pedagogo tagoreano. Autor, igualmente, da coluna de opinião Dizer e Fazer.


Link para download via torrent: Machuca

Link da Legenda: Machuca PT-BR

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A Guerra do Fogo - Link para download do filme legendado


A Guerra do Fogo (La Guerre du feu, 81, FRA/CAN)
Dir.: Jean-Jacques Annaud. Com: Everett McGill, Rae Dawn Chong, Ron Perlman, Nameer El Kadi.



por Rodrigo Cunha

Um dos temas que envolvem a discussão sobre a naturalidade da linguagem falada é o que versa sobre a sua origem. O filme A Guerra do Fogo, de Jean-Jacques Annaud, é uma interessante especulação a esse respeito, e ajuda a refletir sobre a questão.



O filme trata de dois grupos de hominídios pré-históricos: um que cultuava o fogo como algo sobrenatural e outro que dominava a tecnologia de fazer o fogo. Em termos de linguagem, o primeiro não está muito longe dos demais primatas, emitindo gritos e grunhidos quase na totalidade vocálicos. Esse tipo de comunicação assemelha-se ao que Rousseau considera, em seu Ensaio sobre a origem das línguas, como a primeira manifestação de linguagem no homem, que é a expressão de suas paixões, como a dor e o prazer. Já o segundo grupo parece ter uma comunicação mais complexa, com maior número de sons articulados. Há outros elementos culturais, como habitações e ritos, que denotam um maior grau de complexidade do segundo grupo com relação ao primeiro.


No que concerne apenas à questão da linguagem, uma possível interpretação seria a seguinte: em um determinado estágio de sua evolução biológica, o homem, já se locomovendo como bípede e tendo suas mãos livres, aprendeu a manipular instrumentos, a interferir no seu meio e a fazer, dentre outras coisas, o fogo. A necessidade de preservação desse conhecimento, dessa tecnologia, levou-o a sofisticar a sua capacidade de comunicação. A princípio, sua linguagem pode ter sido meramente gestual, mas ele descobriu que os sons também poderiam se prestar a essa função.

Assim como, ao tornar-se Homo Erectus viu-se com as mãos livres (antes usadas principalmente na locomoção) e descobriu que poderia usá-las para manipular as coisas; assim como, ao tornar-se Homo Sapiens descobriu que poderia usar essa capacidade de manipulação para interferir no seu meio; da mesma forma, descobriu que os órgãos utilizados para funções vitais como a respiração e a digestão, também serviam para emitir sons. A partir do momento em que aprendeu a diversificar os sons através das articulações, conseguiu aumentar as possibilidades de combinação entre eles. Uma vez estabelecidas determinadas convenções entre os seus semelhantes, possibilitou-se a troca de informações (como a tecnologia de fazer o fogo) de um indivíduo para o outro.



A sofisticação da linguagem serviu para facilitar a comunicação de uma informação complexa, talvez não expressável meramente pelo gesto. Portanto, como diria o pai da Linguística Moderna, Ferdinand de Saussure, "não é a linguagem que é natural ao homem, mas a faculdade de construir uma língua, vale dizer: um sistema de signos distintos correspondentes a idéias distintas".


As divagações acima são apenas leituras possíveis do interessante filme de Annaud. E os indícios linguísticos (a distinção entre a linguagem de uma tribo e de outra) foram pensados pelo foneticista Anthony Burgess, que assina o roteiro. Burgess ficou conhecido pelo livro Laranja Mecância, que foi adaptado para o cinema por Stanley Kubrick.

A Guerra do Fogo, com roteiro de Burgess e direção de Annaud, pode ser monótono e cansativo para quem não tem curiosidade pelo tema. Mas aqueles que se interessam não só pela origem da linguagem, mas pelas raízes da espécie humana e pelo florescer da razão e das tecnologias, irá apreciar o filme.

Link via torrent: A Guerra do Fogo

Link da legenda: A Guerra do Fogo PT-BR