sábado, 8 de dezembro de 2012

Roger Waters: Carta aberta sobre a Palestina



Por Roger Waters

Os artistas tiveram razão de recusar-se a actuar na estação de Sun City na África do Sul até que o apartheid caísse e que brancos e negros gozassem dos mesmos direitos. E nós temos razão de recusar actuar em Israel até que venha o dia – e esse dia virá seguramente – em que o muro da ocupação caia e os palestinos vivam ao lado dos israelitas em paz, liberdade, justiça e dignidade, que todos eles merecem.



Em 1980, uma canção que escrevi, Another Brick in the Wall (Part 2), foi proibida pelo governo da África do Sul porque estava sendo usada por crianças negras sul-africanas para reivindicar o seu direito a uma educação igualitária. Esse governo de apartheid impôs um bloqueio cultural, por assim dizer, sobre algumas canções, incluindo a minha.

Vinte e cinco anos mais tarde, em 2005, crianças palestinas que participavam num festival na Cisjordânia usaram a canção para protestar contra o muro do apartheid israelita. Elas cantavam: “Não precisamos da ocupação! Não precisamos do muro racista!” Nessa altura, eu não tinha ainda visto com os meus olhos aquilo sobre o que elas cantavam.

Um ano mais tarde, em 2006, fui contratado para atuar em Telavive.


Palestinos do movimento de boicote acadêmico e cultural a Israel exortaram-me a reconsiderar. Eu já tinha me manifestado contra o muro, mas não tinha a certeza de que um boicote cultural fosse a via certa. Os defensores palestinos de um boicote pediram-me que visitasse o território palestino ocupado para ver o muro com os meus olhos antes de tomar uma decisão. Eu concordei.

Sob a protecção das Nações Unidas, visitei Jerusalém e Belém. Nada podia ter-me preparado para aquilo que vi nesse dia. O muro é um edifício revoltante. Ele é policiado por jovens soldados israelitas que me trataram, observador casual de um outro mundo, com uma agressão cheia de desprezo. Se foi assim comigo, um estrangeiro, imaginem o que deve ser com os palestinos, com os subproletários, com os portadores de autorizações. Soube então que a minha consciência não me permitiria afastar-me desse muro, do destino dos palestinos que conheci, pessoas cujas vidas são esmagadas diariamente de mil e uma maneiras pela ocupação de Israel. Em solidariedade, e de alguma forma por impotência, escrevi no muro, naquele dia: “Não precisamos do controle das ideias”.

Tomando nesse momento consciência que a minha presença num palco de Telavive iria legitimar involuntariamente a opressão que estava a testemunhar, cancelei o concerto no estádio de futebol de Telavive e mudei-o para Neve Shalom, uma comunidade agrícola dedicada a criar pintinhos e também, admiravelmente, à cooperação entre pessoas de crenças diferentes, onde muçulmanos, cristãos e judeus vivem e trabalham lado a lado em harmonia.

Contra todas as expectativas, ele tornou-se no maior evento musical da curta história de Israel. 60.000 fãs lutaram contra engarrafamentos de trânsito para assistir. Foi extraordinariamente comovente para mim e para a minha banda e, no fim do concerto, fui levado a exortar os jovens que ali estavam agrupados a exigirem ao seu governo que tentasse chegar à paz com os seus vizinhos e que respeitasse os direitos civis dos palestinos que vivem em Israel.

Infelizmente, nos anos que se seguiram, o governo israelita não fez nenhuma tentativa para implementar legislação que garanta aos árabes israelitas direitos civis iguais aos que têm os judeus israelitas, e o muro cresceu, inexoravelmente, anexando cada vez mais da faixa ocidental.

Aprendi nesse dia de 2006 em Belém alguma coisa do que significa viver sob ocupação, encarcerado por trás de um muro. Significa que um agricultor palestino tem de ver oliveiras centenárias ser arrancadas. Significa que um estudante palestino não pode ir para a escola porque o checkpoint está fechado. Significa que uma mulher pode dar à luz num carro, porque o soldado não a deixará passar até ao hospital que está a dez minutos de estrada. Significa que um artista palestino não pode viajar ao estrangeiro para exibir o seu trabalho ou para mostrar um filme num festival internacional.


Para a população de Gaza, fechada numa prisão virtual por trás do muro do bloqueio ilegal de Israel, significa outra série de injustiças. Significa que as crianças vão para a cama com fome, muitas delas malnutridas cronicamente. Significa que pais e mães, impedidos de trabalhar numa economia dizimada, não têm meios de sustentar as suas famílias. Significa que estudantes universitários com bolsas para estudar no estrangeiro têm de ver uma oportunidade escapar porque não são autorizados a viajar.

Na minha opinião, o controle repugnante e draconiano que Israel exerce sobre os palestinos de Gaza cercados e os palestinos da Cisjordânia ocupada (incluindo Jerusalém oriental), assim como a sua negação dos direitos dos refugiados de regressar às suas casas em Israel, exige que as pessoas com sentido de justiça em todo o mundo apoiem os palestinos na sua resistência civil, não violenta.

Onde os governos se recusam a atuar, as pessoas devem fazê-lo, com os meios pacíficos que tiverem à sua disposição. Para alguns, isto significou juntar-se à Marcha da Liberdade de Gaza; para outros, juntar-se à flotilha humanitária que tentou levar até Gaza a muito necessitada ajuda humanitária.

Para mim, isso significa declarar a minha intenção de me manter solidário, não só com o povo da Palestina, mas também com os muitos milhares de israelitas que discordam das políticas racistas e coloniais dos seus governos, juntando-me à campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) contra Israel, até que este satisfaça três direitos humanos básicos exigidos na lei internacional.

1. Pondo fim à ocupação e à colonização de todas as terras árabes [ocupadas desde 1967] e desmantelando o muro;

2. Reconhecendo os direitos fundamentais dos cidadãos árabe-palestinos de Israel em plena igualdade; e

3. Respeitando, protegendo e promovendo os direitos dos refugiados palestinos de regressar às suas casas e propriedades como estipulado na resolução 194 da ONU.

A minha convicção nasceu da ideia de que todas as pessoas merecem direitos humanos básicos. A minha posição não é anti-semita. Isto não é um ataque ao povo de Israel. Isto é, no entanto, um apelo aos meus colegas da indústria da música e também a artistas de outras áreas para que se juntem ao boicote cultural.

Os artistas tiveram razão de recusar-se a atuar na estação de Sun City na África do Sul até que o apartheid caísse e que brancos e negros gozassem dos mesmos direitos. E nós temos razão de recusar atuar em Israel até que venha o dia – e esse dia virá seguramente – em que o muro da ocupação caia e os palestinos vivam ao lado dos israelitas em paz, liberdade, justiça e dignidade, que todos eles merecem.


Fonte: Diário da Liberdade

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A quem interessa enfraquecer o Congresso Nacional?



Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal dedicar-se-á a uma questão simples do ponto de vista jurídico, mas altamente complexa para a democracia brasileira. O caso é simples: o STF obedecerá à Constituição da República ou desbordará de suas competências, invadindo as prerrogativas da Câmara dos Deputados?

Neste cenário, o Presidente Marco Maia, da Câmara dos Deputados, já se posicionou afirmando que deliberar sobre perdas de mandatos de Deputados Federais é matéria que cabe exclusivamente ao Plenário da Câmara dos Deputados, que a apreciará em votação secreta, cuja maioria é a absoluta, ou seja, para haver cassação é necessário o assentimento de 257 Deputados Federais. 

O Presidente Marco Maia se baseia em entendimento juridicamente pacífico, por se tratar de competência expressamente prevista na Constituição da República. E o faz por dois motivos: primeiro, trata-se de regra elementar da hermenêutica jurídica que a interpretação é regida imediatamente pela norma específica do caso e só mediatamente por normas secundárias. No caso, a cassação de mandatos de deputados segue os estritos limites prescritos pelo art. 55, da Constituição da República. Segundo, as hipóteses constitucionais de cassação de mandato são aquelas atinentes à perda dos direitos políticos (arts. 15, III e 55, IV), mas para isso se faz necessária que a condenação criminal não admita mais recursos, ou seja, que a condenação criminal tenha “transitado em julgado” (art. 55, VI). 

Portanto, como nos casos em exame na Ação Penal 470 não houve ainda sequer a publicação do Acórdão, ocasião em que se abrirá a oportunidade para as defesas dos Deputados Federais, e dos demais réus, apresentarem os embargos de declaração e os embargos infringentes, juridicamente é prematura a discussão, uma vez que somente depois de transcorrida essa etapa, que é uma exigência constitucional, é que a questão poderá ser apresentada à Câmara.

No entanto, sua tematização pode significar a disposição de alguns Ministros do STF em constituir uma hegemonia judicial no Brasil. Em suas manifestações, Marco Maia vem enfrentando a intenção desses Ministros em submeter o Congresso. Nesse confronto institucional não está em jogo apenas a cassação de mandatos de Deputados condenados pela Justiça. 

Está em jogo a própria democracia brasileira, pois se o STF seguir o entendimento difundido por parte da imprensa e determinar a imediata cassação dos respectivos mandatos dos parlamentares terá agido como os generais, valendo-se dos mesmos dispositivos jurídicos utilizados pela ditadura. Neste que seria um golpe à democracia, qual seria o próximo passo, estabelecer um governo de juízes e dispensar o Congresso Nacional?

Por que se trata de um golpe à democracia? Porque em diversas passagens da Constituição Cidadã é explicitada a primazia dos Poderes Legislativo e Executivo sobre a burocracia estatal. Esta primazia decorre da força que emana do voto, que legitima os mandatos obtidos dos cidadãos.
Essa primazia é caracterizada diversas vezes ao determinar, por exemplo, que o poder que os cidadãos conferem ao Estado é exercido por representantes eleitos (art. 1º, § único), cabendo ao Poder Executivo nomear os membros dos Tribunais Superiores, inclusive os do STF (art. 84, XIV) e ao Senado não apenas sabatinar e aprovar os candidatos indicados pelo Presidente da República aos Tribunais Superiores, mas processar e julgar, por crime de responsabilidade, os Ministros do STF (art. 52, II e III, a). 

Nessas circunstâncias, por ser carente de legitimidade popular, exige-se que a investidura e a destituição dos membros dos altos escalões do judiciário brasileiro decorram das autoridades políticas, ou seja, das autoridades que obtiveram mandato diretamente dos cidadãos.

Como Carta Política, a Constituição estabelece uma primazia às instituições democráticas, de modo que há um rito que asperge legitimidade do voto aos poderes políticos. É por isso que, numa repartição de competências em que a investidura dos Ministros do STF ocorre numa confluência entre os Poderes Executivo e Legislativo, se fala a um só tempo numa divisão horizontal do poder, pela qual seu exercício é compartilhado segundo competências, e numa submissão do Estado aos cidadãos, razão pela qual são seus representantes eleitos que legitimam o exercício estatal do poder (art. 1º, § único).

Pois bem, é neste cenário que hoje se experimenta no direito brasileiro uma tentativa de retorno a movimento cujo propósito é o de conferir estatuto científico ao arbítrio judicial. Esse propósito é enfrentado ao menos desde a Revolução Francesa, tendo Napoleão Bonaparte estabelecido os limites ao arbítrio judicial. Passada a Revolução, Napoleão se dedicou pessoalmente à elaboração do Código Civil francês (1804). O Código Napoleão encarnava os valores da Revolução, principalmente liberdade e direito à propriedade, expressões da sociedade civil francesa da época. Desde então se teme que as liberdades civis e os poderes políticos sejam confrontados pelos juízes. 

Essa a razão para não se promulgar diversas leis para regerem a vida privada. Assim, no lugar de leis esparsas, contendo normas conflitantes entre si e que tornavam possível que por entre tais vácuos legislativos se expressasse a vontade do juiz, foi elaborado um código. Pretendia-se que o código estabelecesse concreta e claramente os direitos dos cidadãos, às liberdades e à propriedade e que tais direitos não decorressem do judiciário, mas de seus representantes eleitos. Não havendo dúvidas, não haveria espaço para que os juízes aplicassem suas vontades no lugar da dos cidadãos, por intermédio dos parlamentares. O propósito do Código Napoleão era o de garantir a não existência de contradições nas normas jurídicas. Sem esses vácuos, todos poderiam se guiar pelos códigos e não pelas manifestações judiciais.

Este propósito segue seu percurso sem grandes desvios até a ascensão de Hitler na Alemanha. Em seu governo, o Ministro da Justiça passa a emitir as famosas “Cartas do Ministro da Justiça do Reich aos Juízes”. Ora, o que ele pretendia com essas cartas? Além de emitir instruções, pretendia que os juízes decidissem sem a observância daquilo previsto nas leis. Ele suplicava que os juízes, quando as tomassem, decidissem segundo o ideal nazista, conforme os valores nazistas incutidos na maioria, pois, afinal, por que o Poder Judiciáiro, formado por pessoas dotadas de “notável saber jurídico” e portadoras de “reputação ilibada”, haveria de se submeter às leis, que, afinal, são feitas por pessoas do povo, comumente não versadas em direito? Tão problemático quanto substituir as leis pela interpretação judicial é a tentativa de afastar dos Legislativos o homem comum, imprimindo a falsa impressão de que o político deveria ser substituído pela jurista. O que garante a pluralidade dos Parlamentos é a legitimidade das visões de seus membros que, por isso, representam os diversos segmentos que compõem a sociedade.

Neste cenário é que se insere o pós-constitucionalismo no Brasil, com seu pleito por supremacia judicial, consubstanciada nas seguintes teses: 

(1) que a Constituição é um documento jurídico e, portanto, não político; 

(2) se a Constituição é jurídica apenas, sua guarda cabe exclusivamente ao sistema de justiça em geral e ao STF, em particular; 

(3) na primazia das sentenças sobre as leis, de modo que o controle de constitucionalidade é transformado de “método de compatibilidade sistêmica” em expressão de tutela do Judiciário sobre os Poderes Políticos; 

(4) como a manifestação judiciária seria mais importante que a manifestação legislativa, o Juiz é o soberano para decidir ainda que contrariamente à lei, pois, como defendia o teórico nazista Carl Schmitt, “soberano é quem decide no estado de exceção”; e, finalmente, 

(5) na criação de um artifício teórico para que o STF possa negar vigência ao próprio texto da Constituição. Para tanto, foi introduzido no Brasil um simulacro hermenêutico, com o qual normas constitucionais sofreriam mudanças em seu sentido, de tal modo a acarretar a revogação desse dispositivo constitucional, mas sem manifestação do Congresso Nacional. 

Esse simulacro é designado como mutação constitucional e ele é invocado 
para legitimar interpretações que não encontram respaldo no texto constitucional e tem como propósito desligar os Ministros do STF tanto de quaisquer limites interpretativos quanto de quaisquer parâmetros normativos. Em síntese, pretendem designar uma evolução no modo de interpretar um vocábulo para contornar uma obrigação constitucional e com isso estabelecer um governo dos juízes.

Parece não ser por acaso que a última vez que o STF decretou a cassação de um Deputado, sem o assentimento da Câmara dos Deputados, tenha ocorrido na ditadura militar. Naquela época o STF se valeu de artifício jurídico, o contido na Emenda Constitucional nº 1, justamente a outorgada pela Junta Militar em 1969, que emendou a Constituição de 1967, outorgada pelo General Castelo Branco. “Se a história se repete apenas como farsa”, será este o legado do STF?



(*) Doutor em Direito e Mestre em Filosofia pela UFMG. Professor Universitário. Diretor Acadêmico da Faculdade de Direito de Contagem.




Fonte: Carta Maior

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

“Graciliano Ramos viu no socialismo o caminho para a humanidade”


Dênis de Moraes fala sobre vida e obra do escritor Graciliano Ramos e afirma que ele tinha clareza absoluta de que um escritor que se distancia das questões sociais e políticas não é capaz de retratar em profundidade a condição humana

Por Sheila Jacob

Protagonista de uma trajetória intensa e dramática, o homem Graciliano Ramos permaneceu, durante muito tempo, desconhecido de seus leitores e da opinião pública em geral. Apesar da consagração de sua obra, pouco se sabia da vida do autor de Vidas Secas, São Bernardo Memórias do Cárcere. Procurando suprir essa lacuna, o jornalista Dênis de Moraes, professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), passou dois anos envolvido com uma intensa pesquisa em acervos. Também fez uma série de entrevistas com pessoas que conviveram com ele. Este rico trabalho de investigação resultou na biografia O Velho Graça, lançada em 1992, ano de centenário do escritor. Recentemente, 20 anos depois, a Boitempo Editorial reeditou esse importante material, que mostra, ao longo de suas cerca de 350 páginas, como as preocupações e o exemplo de Graciliano Ramos continuam mais atuais do que nunca. O lançamento dessa nova edição está marcado para os dias 27 e 30 de novembro no Rio de Janeiro e em São Paulo, respectivamente.
 Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Dênis de Moraes fala sobre suas motivações ao escrever e relançar a biografia do escritor, cuja vida se confunde com a própria história do Brasil do início do século 20. Graciliano teve fama de ser uma pessoa seca e introvertida, mas neste livro aparece o homem que existiu por trás dos estereótipos: brincalhão, irônico, romântico e de profunda solidariedade e sensibilidade em relação à miséria humana. A indignação com a perversa estrutura fundiária que testemunhou no Nordeste foi amadurecendo e, no Rio de Janeiro, chegou a ingressar no PCB, entendendo o socialismo como a saída para a humanidade. Em sua literatura, soube conciliar a condição humana universal com a denúncia da realidade social brasileira, sem deixar de efetuar um cuidadoso e obsessivo trabalho estético. Como explica Dênis de Moraes, hoje é fundamental voltar a Graciliano Ramos não apenas para entender o Brasil de ontem, mas principalmente para ver como a estrutura desigual que ele denunciava ainda permanece. “Apesar dos eventuais avanços e transformações que vivemos ao longo das últimas décadas, na essência vivemos os mesmos dilemas da época do escritor. É a mesma desigualdade social sem paralelo, terríveis injustiças, situação de profundos desníveis e descompassos regionais desse país imenso”, observa.

Brasil de Fato – Como foi seu primeiro encontro com Graciliano Ramos?
Dênis de Moraes –Meu primeiro contato com a literatura de Graciliano foi na adolescência, quando li Vidas Secas incentivado por meu saudoso pai [Francisco Pimenta de Moraes], que era professor de Literatura Brasileira, ministrava curso sobre o autor e sempre me chamou muita atenção para ele. Depois, no vestibular, me deparei com São Bernardo. Este livro, para mim e para alguns colegas, foi um clarão na consciência, pois o universo tirânico e feudal de Paulo Honório, protagonista do livro, guardava alguma semelhanças com o clima de ditadura que nós vivíamos em 1972. O momento de consolidação da minha admiração por Graciliano foi quando li Memórias do Cárcere, sempre me identificando muito com os compromissos sociais, políticos e éticos do escritor. Ou seja: meu interesse surgiu a partir da iniciação dentro de casa e se solidificou com as identidades que fui construindo com ele e que, ao longo dos anos, se aprofundaram.

E como surgiu a ideia dessa biografia?
A ideia da biografia veio da convicção de que o escritor Graciliano era muito conhecido por suas obras, sua literatura, mas o homem que se ocultava por trás dele só era conhecido pelas pessoas mais próximas, amigos e familiares. E era um homem que teve uma trajetória extremamente acidentada, rica e complexa. Pensei que era necessário lançar luzes sobre sua vida, principalmente porque episódios cruciais de sua jornada se confundiram com momentos muito expressivos da história do nosso país do início do século 20, fatos que Graciliano ou protagonizou ou testemunhou – como a passagem da República Velha para o governo Vargas e a insurreição comunista de 1935. O interessante é que no contato humano com pessoas de geração, familiares e amigos mais próximos eu sentia uma série de vazios, lacunas a respeito de certas passagens da vida dele. Mesmo quem era próximo e o conhecia razoavelmente bem demonstrava curiosidade e certa perplexidade em relação a etapas que ele vivenciou. Isso só confirmou a premissa de que o homem que se ocultava por trás do grande escritor, por ter tido um percurso singular, precisava de uma biografia.

Você fala que há 20 anos, quando a biografia foi lançada, o Brasil desconhecia esse homem. E hoje? Qual a importância da reedição do seu livro?
Sem dúvida, a repercussão do livro em 1992, ano do centenário do escritor, direcionou um olhar mais abrangente para ele. Acho que despertou, pela excelente acolhida, um grande número de leitores de Graciliano interessados pelas circunstâncias, políticas, sociais, existenciais e familiares que o envolveram e que ele levou para sua obra.

Que exemplos você pode dar?
O período da prisão, as relações dele com o stalinismo cultural, a época em que ele foi prefeito [de Palmeira dos Índios/AL] e secretário de Educação, o drama de um intelectual cuja obra tem amplo conhecimento da crítica e que em vida não conheceu a prosperidade material que merecia, vivendo a vida inteira em uma corda bamba financeira... Essas são algumas questões. E me chama atenção o fato de que isso tudo aconteceu depois que ele se consagrou com a publicação de São Bernardo, Angústia Vidas Secas. Nos cerca de 20 anos que Graciliano viveu após a consagração ele enfrentou toda sorte de infelicidade e infortúnios para tentar manter a coerência com sua vocação literária. Fico bastante surpreso ainda como a revelação biográfica de Graciliano encontra ainda hoje uma acolhida e uma repercussão extraordinárias, mostrando que uma série de aspectos da sua jornada são bastante atuais. Por exemplo: o problema da ética na vida pública, o que nosso país continua enfrentando de maneira dramática. Há também a condição do intelectual em uma sociedade do Terceiro Mundo, já que ainda hoje permanecem as dificuldades e restrições para que o intelectual possa exercer seu ofício de maneira mais independente e autônoma. 20 anos depois vejo que foi tão emblemático, rico, variado, intenso e dramático o percurso de Graciliano que ainda hoje sua história desperta muitos debates e discussão na imprensa.

Sua pesquisa foi bem completa. Você leu cartas, vasculhou publicações na imprensa, entrevistou muita gente... Quanto tempo você levou para fazer essa pesquisa e como foi construir essa biografia?
Levei dois anos para fazer o livro [1990-1992], consultando arquivos públicos e privados do Rio de Janeiro, São Paulo, Maceió e Palmeira dos Índios. Tive a felicidade de encontrar vivos personagens fundamentais de sua história, todos muito idosos. Tive a alegria de conversar com vários amigos, companheiros de geração, escritores, intelectuais, familiares... Tive também a sorte de reencontrar antigos moradores de Palmeira dos Índios, testemunhas que puderam relembrar os dois anos gloriosos em que ele foi prefeito da cidade. Foi um trabalho extremamente meticuloso, cansativo e prazeroso porque o mosaico foi sendo construído peça por peça. Isso sem contar os depoimentos contrastantes com outros testemunhos ou então com documentos, o que demanda um trabalho em dobro do biógrafo. Isso aconteceu algumas vezes durante a minha pesquisa

E o que tem de novo nessa nova edição?
Nesses 20 anos eu continuei ligado a Graciliano Ramos, inclusive pesquisando mais coisas que eventualmente pudessem ser acrescentadas no dia em que eu fosse mexer de novo nesse livro. Conversei com pessoas que só depois de 1992 fui localizando e descobrindo vínculos e laços com o escritor. Foi em uma dessas entrevistas, com o saudoso escritor Antonio Carlos Villaça, que cheguei a uma das revelações inéditas dessa nova edição: o único encontro entre Getúlio Vargas e Graciliano Ramos. Naquela época [1937] no Rio de Janeiro as pessoas tinham hábito de sair depois do jantar para dar uma volta, não havia televisão para prender as pessoas em casa. Foi num desses passeios que os dois se encontraram no Catete. Getúlio o cumprimentou, e ele não respondeu. Esse episódio foi muito significativo, porque foi uma espécie de vingança silenciosa contra o chefe do regime que o encarcerara sem processo, sem culpa formada, sem interrogatório, sem nada. Além desses testemunhos, essa edição traz um apêndice com a melhor entrevista dada, na minha opinião, por Graciliano. Foi ao saudoso jornalista Newton Rodrigues, do Rio de Janeiro, publicada em junho de 1944 na revistaRenovação, que teve apenas dois números e foi fechada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Ele fala sobre a condição do escritor em sociedade periférica; as relações entre literatura, sociedade e política; o problema da tutela ideológica sobre o trabalho artístico; que tipo de literatura condiz com o público de massa, chegando à conclusão de que é o folhetim. Ora, isso é visionário da parte dele, pois a telenovela de hoje equivale ao folhetim de ontem.

E desses depoimentos que você recolheu, quais te marcaram mais?
Foram muitos, porque eu descobri que a chamada “história oficial” criou uma série de mitologias e lendas em torno de Graciliano Ramos: um homem rude, intratável, intolerante, grosso. Descobri que era na verdade um sertanejo que tinha deixado o Nordeste e que, preso, veio parar na corte da capital federal. Ficou quase um ano encarcerado e depois teve que reconstruir sua vida do zero. Ele tinha seus rompantes, mas era uma pessoa muito mais complexa do que supunha a história oficial. A pesquisa mostra que Graciliano era ambivalente; tinha momentos de impaciência, mas podia ser o mais acolhedor dos homens, o mais tolerante, o mais solidário. Um bom exemplo disso são os jovens escritores que o procuravam na famosa Livraria José Olympio nos anos 1940 para mostrar originais. Quando ele reconhecia valor em algum texto, ele se sentava com esses jovens escritores para dar conselhos, passar experiências de criação. Isso aconteceu com Guilherme Figueiredo, Alina Paim... Outro mito: apresentavam Graciliano Ramos como anti-romântico, tentando transformá-lo numa pessoa insensível. Nunca poderia ser considerado assim um homem que conquistou sua segunda mulher, Heloisa de Medeiro Ramos, através de cartas. Como poderia não ser romântico um homem que, para fazer um mimo à sua esposa, levou tantas vezes maçãs para agradá-la que ela chegou ao ponto de não agüentar sentir mais o cheiro desta que era sua fruta predileta! Ou seja: essa pesquisa mostrou que era necessário desfazer uma série de supostas verdades que estigmatizavam e o aprisionavam em um Graciliano que, se existia, não era o único. Como todos nós, ele também tinha suas complexidades.

Ao ler sua biografia a gente vê que a participação política do escritor vai se acentuando. Quando foi preso, em 1935, ele não chegou a participar ativamente do levante comunista...
Isso. Ele não participou diretamente, era apenas uma pessoa progressista. Em Maceió frequentava uma roda literária de escritores quase todos progressistas, alguns de esquerda. Tinha visão anti- oligárquica, anti-elitista e muito crítica em relação aos arranjos de cúpula da política brasileira para manter as estruturas desiguais do país. Ele tinha também uma verdadeira aversão aos coronéis e à política nordestina. Graciliano Ramos tinha inclusive uma opinião crítica também sobre a insurreição comunista de novembro de 1935, a qual considerava um exemplo do espontaneísmo e da falta de avaliação correta da correlação de forças. Apesar de saber que estava tudo errado e era indispensável fazer qualquer coisa, considerou um erro terrível aquele movimento.

Ele parte dessa visão mais distanciada e chega a se filiar, depois, ao PCB.
A crítica que ele fazia ao mundo agrário não era teórica-conceitual. Era uma crítica que vinha das experiências de vida, da indignação de ver a exploração do homem do campo, as misérias que se reproduziam no Nordeste... Por isso batizei a segunda parte do livro de O Testemunho do Tempo, porque ele viveu aquilo tudo; se não sofreu na carne, pelo menos testemunhou e depois levou para sua literatura, pois sabia que ela não poderia estar desvinculada da realidade do homem brasileiro. Por exemplo: toda aquela situação de Vidas Secas ele presenciou no sertão pernambucano quando, ainda menino, se deparou com o flagelo da seca. Posteriormente ele conviveu com as elites políticas latifundiárias, com os coronéis do sertão. Então, ao longo do tempo, ele foi acumulando muito sentimento de repulsa e rejeição ao poder opressivo, identificado, inicialmente, nas estruturas semifeudais e agrárias do Nordeste brasileiro. Depois que ele sai da prisão e vai para o meio urbano, principalmente nos anos de 1940, ele não apenas consolida e sedimenta essa visão como passa a ter uma noção mais ampla dos mecanismos do poder na capital federal. No Rio ele teve contato com um Brasil ainda extremamente desigual, perverso, injusto. Portanto, aquele sentimento inicial de indignação foi amadurecendo na compreensão de que ele tinha que se cercar de um arsenal teórico-conceitual para tentar entender a realidade brasileira. Não poderia ficar só na visão interpretativa. É por isso que se aproxima do marxismo, descobrindo nele um método de análise que dava conta da compreensão das estruturas profundamente perversas da sociedade brasileira.

A questão internacional também entra aí, pois Graciliano foi duramente crítico ao fascismo internacional. Estava inclusive na mesma prisão em que estava Olga [Benário] e testemunhou sua deportação para a Alemanha...
Sem dúvida. O fascismo lhe causava verdadeira repulsa, e o daqui também. Esse sentimento o levou, por exemplo, a certa vez na José Olympio cuspir no chão e dizer que “a ditadura do Estado Novo era uma cachorrada”. Ele tinha verdadeiro ódio do Estado Novo e muito desprezo pela figura de Getúlio Vargas. Temos que situar o ingresso dele no PCB como uma adesão à esperança que surgia no pós Segunda Guerra com a ascensão do socialismo. Não é casual o fato de que tantos escritores, artistas e intelectuais entraram para o PCB depois de 1945. Com Graciliano não foi diferente: ele viu no socialismo o caminho para a humanidade, no sentido da igualdade, justiça social, inclusão.

E quais foram os problemas que ele enfrentou no partido?
O problema veio com a intensificação da Guerra Fria, do mundo polarizado. Naquele momento ele se viu na difícil situação de estar cercado e patrulhado pela política cultural que o PCB importou da União Soviética, o chamado “realismo socialista”. Ele caminhou no fio da navalha entre a convicção filosófica no socialismo e o respeito pelo partido como instituição, ao mesmo tempo em que rejeitava a tutela ideológica sobre a obra de arte e, principalmente, sobre sua literatura. Ele foi um dos poucos intelectuais que não aceitaram a intervenção do partido em sua criação ficcional e pagou o preço alto da incompreensão, sofrendo críticas injustas. Mesmo assim ele nunca deixou de ter absoluta fidelidade ao partido, ao socialismo e à idéia de que o lado justo estava com a esquerda. Acho que nesse sentido ele acabou sendo um militante exemplar. É formidável o fato de que ele jamais falou publicamente ou escreveu uma linha sequer contra o PCB. Ele não evidenciou sua divergência; ela aparecia dentro do partido ou dentro de casa em conversas com seus camaradas. Esses fatos também nunca o fizeram colocar em xeque sua crença sólida no socialismo como saída para a humanidade.

E como toda essa indignação e revolta frente às injustiças do país se apresenta na literatura de Graciliano Ramos, que dizia preferir a dureza da realidade às ilusões românticas? No livro você mostra como ele conseguiu conciliar a denúncia social com uma profunda e obsessiva preocupação estética...
Graciliano sentiu que o realismo crítico precisava ser aprofundado, no sentido de fazer relação entre a literatura e a sociedade. Ele costumava dizer que não podia escrever nada sem ter vivido. Ao mesmo tempo, tinha absoluta consciência do valor de sua literatura. Ele era um artista da palavra, uma pessoa que retratava a realidade social e política a partir de um trabalho profundamente ficcional e estético. Graciliano tinha preocupação obsessiva com a forma; era capaz de reduzir originais à sua proporção mínima, sempre cortando excessos, gorduras, derramamentos. Ele foi um estilista da concisão, que conseguiu expressar muito com poucas palavras. Suas metáforas são ao mesmo tempo enxutas e muito ricas. Ou seja: ele tinha a preocupação de manifestar seu vigor crítico e humanista sem cair em uma retórica fácil e sem contentar se com o tom panfletário. Tinha também profunda consciência de sua função social e clareza absoluta de que um escritor que se distancia das questões sociais e políticas do seu tempo não é capaz de retratar em profundidade a condição humana. Isso assegura à sua obra o signo da permanência, pois trabalhou as questões do homem universal sem perder de vista os dramas, as angústias, os sonhos e os desafios do homem brasileiro. Não é casual que o escritor russo Dostoievski tenha sido uma de suas referências, ao mesmo tempo em que nutria profunda admiração pelos grandes romancistas sociais, inclusive do ciclo nordestino.

E o país que Graciliano Ramos denunciou, um país de exploração, latifúndio, da miséria que desumaniza os homens... Esse Brasil mudou ou é o mesmo?
Apesar dos eventuais avanços e transformações que vivemos ao longo das últimas décadas, na essência vivemos os mesmos dilemas da época de Graciliano Ramos. É a mesma desigualdade social sem paralelo, terríveis injustiças, arranjos de cúpula para resolver problemas políticos, sede do poder pelo poder, uso indevido da máquina pública, alianças contraditórias, profundos desníveis e descompassos regionais desse país imenso... Acredito que a literatura social dele se mantém muito vigorosa ainda hoje porque muitos desses contrastes permanecem em linhas gerais. É por isso que o retorno a Graciliano é inspirador e iluminador, pois significa voltar à consciência crítica de um Brasil que, assim como no passado, precisa germinar, superar suas contradições, fazer rupturas e transformações, abandonar arranjos que só favorecem as elites e classes dominantes.

Como você mostra, Graciliano é um dos grandes exemplos de um intelectual comprometido com as questões do país, assim como o ilustrador Henfil e o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho [Vianinha], que também foram biografados por você. Como você enxerga o papel da cultura na transformação da sociedade?
Meus três biografados têm a semelhança de serem artistas e/ou intelectuais comprometidos com o ideário da esquerda de combate às injustiças, busca da igualdade, rompimento das estruturas arcaicas da sociedade brasileira, necessidade de libertação dos oprimidos e excluídos... Isso tem a ver com a ideia de que cultura também pode ser instrumento para a luta política e para a transformação e a emancipação.

Sem essa compreensão vamos relacionar a cultura sempre ao entretenimento. Nada contra o lazer, mas não se pode pensar a cultura como um aspecto isolado da sociedade e da política. Então essas três biografias são pretextos para falar do homem brasileiro e da importância de se pensar a experiência estética, artística e literária como um recurso de intervenção na realidade com vistas à construção de uma sociedade justa e generosa. Com Graciliano Ramos, Henfil e Vianinha, a cultura é colocada em uma esfera emancipadora. Henfil dizia que gostava do humor porque conseguia “dar um soco no fígado de quem oprime”. Apesar de nunca ter dito uma frase como essa, o vigor com que Graciliano atacava as classes dominantes e as estruturas desiguais da nossa realidade mostra que ele também via, na cultura, um lugar privilegiado para esclarecer, formar consciências e apontar novos valores através da sensibilidade estética. Hoje ainda há setores do mundo das artes que entendem esse papel e o vêm desempenhando, apesar de a retórica ideológica neoliberal tentar nos convencer de que não é necessário ter uma cultura emancipatória, de questionamento. Na música, na literatura, nas artes cênicas e em outras áreas, a permanência de vozes comprometidas com a crítica e com a solidariedade aos que sofrem é uma demonstração esperançosa de que nem tudo está perdido.

Quem é
Dênis de Moraes nasceu no Rio de Janeiro em 1954. É doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós-doutor pelo Consejo Latino-americano de Ciencias Sociales (Clacso), sediado em Buenos Aires, Argentina. É professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Autor e organizador de diversos livros, entre os quais Cultura mediática y poder mundial (Norma, 2006), Sociedade midiatizada (Mauad, 2006), Combates e utopias: os intelectuais num mundo em crise (Record, 2004), Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder (Record, 2003), O concreto e o virtual: mídia, cultura e tecnologia (DP&A, 2001), O planeta mídia: tendências da comunicação na era global (Letra Livre, 1998), Vianinha, cúmplice da paixão (Record, 2000), O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos (José Olympio, 1992) e O rebelde do traço: a vida de Henfil (José Olympio, 1996)

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Anti-Dimitrov, um livro indispensável no combate ao revisionismo contemporâneo



Reproduzimos pelo seu interesse a análise do brasileiro Carlos Sampaio sobre o Anti-dimitrov do comunista Francisco Martins Rodrigues.


Anti-Dimitrov, um livro indispensável no combate ao revisionismo contemporâneo

Carlos Sampaio

A crise do sistema imperialista iniciada ao fim do ano 2007 e que anuncia a cada dia agravar-se, lançou as classes dominantes sobre as classes dominadas na luta de classe de forma cada vez mais feroz e desesperada para ampliar sua exploração e opressão, e se deparou com a resistência e luta do proletariado e demais classes dominadas, luta das classes dominadas que a cada dia avança por todo o mundo e abre, nesta conjuntura, a perspectiva de sua libertação.

Daí a importância de, mas do que nunca, denunciar e combater o revisionismo, a presença de um grande número de organizações, já nem revisionistas já que abertamente se colocam ao lado das classes dominantes, que, escondidas sobre o disfarce de partidos comunistas tentam por toda a parte conter a crescente revolta e luta dos dominados, impedir a revolução.

Se é importante denunciar ao proletariado e às massas estes cavalos de Tróia do imperialismo, muito mais importante é assinalar o surgimento e crescimento de novas organizações que se apresentam para empunhar a bandeira do marxismo-leninismo e da revolução, única bandeira possível de guiar a revolução e de saudar o processo pelo qual passam antigas organizações comunistas, como o Partido Comunista da Grécia (KKE), que se agiganta para enfrentar a ofensiva do imperialismo em seu país, dando exemplo a inúmeras organizações que se ajoelharam diante do imperialismo contentando-se com seu papel de serviçal.

Em nossa opinião, na conjuntura atual impõe-se a nós e a todos os comunistas a tarefa de retomar a teoria revolucionária do proletariado, o marxismo-leninismo, construir ou reconstruir o partido comunista e nos somar ao proletariado e às massas exploradas, tarefas conjuntas e indissociáveis, para lutar contra o jugo, a exploração e a opressão capitalista. Como afirmamos na contracapa do em nosso livro recém-lançado:

“… colocamos para nossa organização comunista a necessidade de reconstruir o partido revolucionário do proletariado em nosso país e para isto cumprir três tarefas fundamentais. Primeira, retomar o marxismo-leninismo no nível do desenvolvimento em que se encontra hoje. Segunda, reconstruir o partido revolucionário, unidade indissolúvel da teoria e da prática. Terceira, aprofundar nossas ligações com as massas dentro do princípio de que só as massas dirigidas pela classe operária e seu partido, armado da teoria revolucionária, podem fazer a revolução“.
Sabemos que conjuntura semelhante se dá por todo o mundo, em Portugal, Espanha, Grécia, França, só pra citar alguns exemplos, e de que, portanto, essas tarefas, hoje, devem ser levadas a cabo no contexto de um amplo domínio das posições abertamente de direita, burguesas, nos sindicatos e demais movimentos de massa, nos partidos ditos de esquerda e igualmente naqueles que permanecem, nominalmente, comunistas, todos assumindo a vergonhosa condição de parceiros menores da exploração capitalista. Esse domínio decorre de décadas de hegemonia das posições reformistas e revisionistas - agentes da burguesia na teoria e na política operárias - que corroeram por dentro as primeiras experiências de edificação socialista, levando a restauração do capitalismo, destruíram a unidade do movimento comunista internacional, acarretando seu virtual desaparecimento e corromperam os partidos comunistas em praticamente todos os países. O combate implacável às ideologias burguesas do reformismo e do revisionismo é um elemento constitutivo dessa reconstrução teórica e militante do partido comunista.
Na ausência de uma posição revolucionária e na conjuntura presente de crise do imperialismo, caminhando para o quinto ano seguido de recessão nos principais países imperialistas - características centrais da situação atual da luta de classes - o reformismo e o revisionismo se movem para a defesa explícita do capital. Seu caráter de colaboração de classes, de conciliação com o capitalismo, de subordinação aos interesses do capital, tornam-se ainda mais patentes na crise. A ofensiva selvagem da burguesia, do seu Estado e dos aparelhos internacionais do capital (FMI, Banco Mundial, G-20, Comunidade Europeia, etc.) sobre salários, aposentadorias, direitos trabalhistas duramente conquistados, etc. conta com o silêncio, a passividade, quando não com a colaboração explícita do reformismo e do revisionismo. Na conjuntura atual, a falência completa do reformismo e do revisionismo está posta a nu.

Esta conjuntura torna mais urgente a retomada da linha revolucionária e do partido comunista. O esforço nesta direção que estamos fazendo no Brasil, e que possivelmente é feito, também, de maneira autônoma, por outros agrupamentos no país, é compartilhado por outros partidos e organizações mundo afora.

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Muito diferente era a conjuntura há um quarto de século. A meados da década de 1980, a URSS e os países do Leste Europeu implementavam aceleradamente reformas capitalistas sob o (pseudo) disfarce de “avançar no socialismo” e a China seguia, sob a liderança de Deng Xiaoping, caminho similar, de forma inequívoca. Na Europa, a antiga tendência revisionista e reformista (pró-soviética ou euro-comunista) havia se estabelecido como posição predominante em praticamente todos os partidos comunistas. Na América Latina, com o refluxo dos movimentos de guerrilha armada em praticamente todos os países e com a democratização, os PCs passaram, em geral, a adotar posições mais à direita. No Brasil, os compromissos de classe, comandados pela burguesia, que levaram à derrubada da ditadura militar fortaleceram o crescimento das posições revisionistas e reformistas que assumiam de forma explícita a defesa da conciliação de classes e da subordinação da classe operária à burguesia, seja sob a forma de um nacional-desenvolvimentismo, seja sob a forma de uma pretensa frente nacional anti-imperialista.

Não obstante esses fatos, a própria permanência do dito “campo socialista” e da rede internacional de PCs que o sustentava ainda servia de base para as políticas reformistas e revisionistas. Com a derrota da linha maoísta no PCCh ampliou-se a enorme confusão então existente no fragmentado movimento comunista internacional. Movimento que não esteve à altura das tarefas que o momento exigia, de criticar o abandono da posição revolucionária pelo PCUS e demais partidos que seguiam sua orientação, criticar também o PCCh pelos mesmos motivos e, nessa crítica, relançar a teoria revolucionária marxista-leninista e reorganizar-se.

Foi nessa conjuntura que, em 1985, apareceu a primeira edição do Anti-Dimitrov: 1935/1985 - meio século de derrotas da revolução, de Francisco Martins Rodrigues.

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Francisco Martins Rodrigues (1927-2008) é figura de proa do movimento comunista português, com sua importância transpondo as fronteiras nacionais. Operário da TAP, militante do Movimento de Unidade Democrática (MUD) juvenil, cooptado para o clandestino PCP durante a ditadura salazarista, foi preso três vezes no início dos anos 1950 e posteriormente trancafiado no tristemente famoso cárcere de Peniche, em 1957, do qual fugiu com seus camaradas, dentre os quais Álvaro Cunhal, em janeiro de 1960.

Dirigente do PCP que manteve firme suas convicções revolucionárias, rompendo com o reformismo daquele partido, organiza no começo dos anos 1960 na clandestinidade o Comitê Marxista-Leninista Português, o que o leva novamente, em 1966, a ser preso e torturado. Libertado após o 25 de Abril, organiza sucessivamente o PCP (Reconstruído) e a Política Operária.

Francisco Martins Rodrigues definiu-se, singelamente, em sua defesa perante o tribunal do fascismo português: “Somos comunistas simplesmente“. E com isso disse tudo.
Anti-Dimitrov é fruto dessas mais de duas décadas de militância e de reflexão do camarada sobre o movimento comunista internacional e as causas de sua degeneração reformista e revisionista. Achamos que a tese central do livro pode ser resumida na seguinte definição: o “centrismo como embrião do revisionismo moderno” (pg. 267).

São muito comuns teses que afirmam que a viragem para o revisionismo na União Soviética começou somente no XX Congresso do PCUS, em 1956, ou que esse mesmo processo, na China, teria tido seu início na disputa de poder após a morte de Mao, em 1976. Para essas teses - e para as organizações que as defendem - tudo se passaria como se, subitamente, a política justa tivesse tornado-se o seu oposto (pgs. 199 e 241). Recusando essas teses como dogmáticas (pg. 265), simplistas e anti-dialéticas (pg. 245), pretensamente marxistas (subjetivistas ou idealistas, acrescentaríamos nós), Francisco Martins Rodrigues vai buscar as origens do revisionismo moderno no período anterior a esses dois marcos (pgs. 191 e 244). Para isso, analisa em detalhes a história do movimento comunista internacional, as teses que se passou a defender, a prática dos partidos comunistas, bem como as bases sociais, classistas, da virada de política que identifica no MCI.

Francisco Martins Rodrigues define da seguinte forma o centrismo:

Entre o declínio da corrente comunista fundada por Lenine e o despontar da corrente revisionista medeou um período centrista, abrangendo os vinte anos decorridos do 7º congresso da IC ao 20º congresso do PCUS, e cuja função histórica foi configurar o revisionismo e preparar o organismo comunista para o receber“. (pg. 280).

Durante esse período intermédio, o equilíbrio instável entre a linha proletária revolucionária descendente e a linha reformista pequeno-burguesa em ascenso determinou o surgimento dessa forma específica de oportunismo que é o centrismo“. (pg. 275).

O centrismo teria, portanto, tomado corpo de forma plena, tanto teórica quanto como linha política dos partidos comunistas, a partir do 7º Congresso da Internacional Comunista, em 1935, com a adoção das teses contidas no relatório apresentado pelo secretário-geral do Comitê Executivo da IC, George Dimitrov. Esse relatório e suas teses não foram, obviamente, apenas frutos das convicções pessoais de Dimitrov. Não se poderia, de forma alguma, explicar a repercussão que teve, com a adoção praticamente universal de suas teses pelo movimento comunista, sem analisar as bases materiais de suas posições, a conjuntura do período.

O 7º Congresso da IC é realizado, em 1935, já com o nazismo no poder na Alemanha e com partidos fascistas registrando importante crescimento em diversos países, situação diferente da do Congresso anterior, de 1928, no qual fora aprovada a política de “classe contra classe” (pgs. 136-137). Como ressalta Francisco Martins Rodrigues, em 1935 não somente a perspectiva de auge revolucionário parecia haver desaparecido (pg. 141), como a depressão capitalista, a ascensão do nazi-fascismo e a iminência da guerra colocavam o movimento operário na defensiva (pg. 269). Só continuava igual, ou mesmo se ampliara, a reação encarniçada da burguesia mundial contra a União Soviética e o socialismo (pg. 268).

Esses fatos, de enorme importância para as condições concretas da luta de classes, evidentemente exigiam da IC uma retificação na sua tática. Modificação essa que aglutinasse ao redor do proletariado o maior número possível de forças contra o fascismo, sem abandonar, entretanto, as teses fundamentais de que a ditadura fascista é uma ditadura burguesa, de que o caminho para abolir essas ditaduras é a revolução e de que esse processo revolucionário deve ser encabeçado pelo proletariado e seu partido. A luta contra o fascismo não poderia deixar de ser uma luta revolucionária (pgs. 23-24).

Economicamente, aquela conjuntura foi marcada pela crise de 1929. Crise que é fruto das contradições do sistema capitalista que se acumularam nas décadas anteriores, então vistas como de estabilização do sistema. O que o camarada chama atenção é que esse período, no entanto, possibilitou a ascensão de uma importante camada pequeno-burguesa (hoje, no Brasil, uma mal-chamada classe média ou, pior, classe “C”) nos países imperialistas, bem como o reforço de uma aristocracia operária (pg. 271). Nos países dominados, houve o fortalecimento de uma burguesia nacional (pgs. 273-274). Em todos esses casos, classes ou camadas sociais com interesses próprios e diferenciados em relação aos do proletariado. Esses setores constituíram as bases sociais do oportunismo, que passou a ter crescente importância na atuação e na formulação dos partidos comunistas.

A defensiva do movimento operário, o fortalecimento da base social do oportunismo penetrando a fundo em vários partidos comunistas e a incapacidade de continuar desenvolvendo a teoria marxista às novas condições concretas, esse conjunto de fatores permitiu uma crítica pela direita à linha anterior da IC, qualificada como sectarismo, aventureirismo e esquerdismo (pg. 141).

A esses elementos, no entanto, precisa ser acrescentado outro, o de “uma nova luta de classes” (pg. 144) na União Soviética, com o surgimento de uma nova “burguesia”, composta pela camada de quadros técnicos, científicos, intelectuais, que assumia, de maneira crescente, a direção das empresas estatais e dos organismos de Estado soviéticos (pgs. 272-273). Precisamente no período em que Stálin e a direção do PCUS declaravam eliminadas as antigas classes proprietárias e, com isso, “abolidos os conflitos de classe” (pg. 145). Os rumos do socialismo na União Soviética passaram, de forma crescente, a ser tratados como questão meramente economicista, de desenvolvimento das forças produtivas, de gestão, reduzindo o peso das questões políticas e da luta de classes. Essa postura desarma ideologicamente o partido, afasta-o das massas e deixa-o vulnerável a posições oportunistas.

Ou seja, o centrismo é, para Francisco Martins Rodrigues, uma inflexão na linha política seguida pelo movimento comunista internacional, uma inflexão para longe do leninismo. Inflexão causada pelo predomínio de uma política oportunista derivada da influência de posições pequeno-burguesas nos partidos comunistas e da ofensiva da burguesia e do capital sobre a classe operária. A política do centrismo se caracterizou pelas seguintes teses principais, que Francisco Martins Rodrigues define como a “estrutura política” do relatório de Dimitrov (pg. 24):

Primeira, a unidade de ação com a social-democracia, a pretexto de que esta estaria a deslocar-se num sentido revolucionário.
Segunda, o apoio político do proletariado à pequena burguesia, a fim de ‘elevar sua consciência revolucionária’.
Terceira, a identidade de interesses da nação perante o fascismo.
Quarta, os governos de coligação com a burguesia democrática como alternativa ao fascismo.
Quinta, e como remate, a criação do ‘partido operário único’ pela fusão entre o PC e o PSD“.

Em todos esses aspectos, possibilitou-se, foram deixados espaços, para um (ou vários) passo(s) atrás em relação às formulações leninistas e as anteriores da IC. Reafirme-se que a nova conjuntura exigia da IC uma reformulação de sua tática (pgs. 23-26). No entanto, não escapa a nenhum de nós, hoje, que várias dessas teses tornaram-se estratégias dos partidos revisionistas, em formulações mais atrasadas, nas quais não há mais qualquer menção revolucionária e o fascismo foi substituído por um inimigo mais fluído, como “as elites”, ou parcial/fragmentário, como “os banqueiros” (”contra os juros altos e em defesa da produção” - sic!) ou os latifundiários “improdutivos”.

Detalhando cada uma dessas teses em capítulos sucessivos, o Anti-Dimitrov traz um importante apanhado das linhas de corte entre as posições leninistas e o reformismo e o revisionismo. A mais importante delas, pois a mais geral, é a que opõe o conceito leninista de hegemonia do proletariado às posições oportunistas, seguidistas da burguesia. Hegemonia do proletariado absolutamente indispensável, pois “preparar a revolução, dissera Lenine, é em última análise levar o proletariado a diferenciar-se como classe face a todos os partidos burgueses“, assegurando a “independência política do proletariado” (pg. 38). Em nada diferente do “princípio estabelecido por Marx e Engels no ‘manifesto inaugural da Internacional’, de que a emancipação da classe operária deve ser obra da própria classe operária“.

Contra essa política leninista, revolucionária, opõe-se a adesão à política de frentes nacionais (ou democráticas), nas quais a hegemonia do proletariado não mais está presente, e cujos aspectos centrais passam a ser a sua direção pela social-democracia ou pela burguesia (especialmente nos países dominados) e a conciliação com objetivos comuns às classes envolvidas, descartando os objetivos próprios do proletariado. Esquece-se da lição de Lênin sobre a necessidade de uma “distinção muito nítida entre os interesses das classes oprimidas, dos trabalhadores, dos explorados, e a ideia geral dos interesses populares em geral, que não passa de uma expressão dos interesses das classes dominantes” (pg. 36). Ou, dito de outra forma, esquece-se que a ideologia geral em uma sociedade de classes é a ideologia de sua classe dominante.

Passa-se, assim, para uma política de concessões continuadas, para não afastar (ou “não provocar” -sic!) os aliados. Com essas concessões, a primeira coisa que se perde é a própria perspectiva revolucionária, direcionando o partido cada vez mais para ações conjuntas, buscando atingir pretensos objetivos comuns entre as distintas classes (como vimos, na verdade objetivos burgueses), para acordos de gabinetes que paulatinamente substituem a luta de massas, para permitir sua infiltração pela ideologia pequeno-burguesa.

Ou seja, como vimos denunciando em vários artigos em nosso blog “Cem Flores” (http://cemflores.blogspot.com/) - por exemplo, Do Capitalismo Utópico ao Socialismo Científico(https://sites.google.com/site/cemescolasrivalizem/home/textos-novos/Docapitalismoutopicoaosocialismocientifico.pdf?attredirects=0&d=1), Praticar a Crítica Teórica(http://cemflores.blogspot.com/2009/03/praticar-critica-teorica.html), O Caleidoscópio da Ideologia Dominante (http://cemflores.blogspot.com/2011/02/caleidoscopio-de-erros-da-ideologia.html), A Morte do Guerreiro da Burguesia e as Lágrimas da “Esquerda” Domesticada(http://cemflores.blogspot.com/2011/04/morte-do-guerreiro-da-burguesia-e-as.html), entre outros - umapolítica de seguidismo à burguesia.

A essa oposição entre a linha revolucionária da hegemonia do proletariado e a oportunista do “seguidismo” à burguesia, estão vinculadas as oposições entre os tipos de frente de classes, dirigidas pelo proletariado ou pela burguesia; e o caráter das revoluções democrático-populares, se encaminhadas consequentemente para a continuidade do processo revolucionário visando abolir o capitalismo ou se criadoras de governos burgueses com a participação dos PCs na gestão do capitalismo.

Um aspecto relevante dessas oposições entre a linha revolucionária e a oportunista é o que diz respeito ao posicionamento diante da democracia burguesa. Diante do fascismo na década de 1930, como diante das ditaduras militares na América Latina nos anos 1960 a 1980, da ditadura salazarista em Portugal ou de Franco na Espanha, a luta pela democracia tornava-se elemento tático indispensável aos comunistas. Tático, e não estratégico.

Não se pode nunca esquecer o caráter de classe do capitalismo. Não se pode nunca esquecer, se quisermos ser verdadeiros comunistas, que limitando-nos à luta democrática, “À ditadura burguesa terrorista sucederia de novo a ditadura burguesa ‘democrática’” (pg. 104). Sob o predomínio de políticas reformistas e revisionistas, de aliança de classes e de subordinação do proletariado à burguesia, a luta pela democracia torna-se o limite de ação possível (sic!), deixando intacta e mesmo fortalecendo a exploração capitalista. Os PCs passam da “mobilização direta das massas” “para o parlamento, para os acordos“, buscando uma “forma de pressão sobre as estruturas burguesas” (pg. 166) e dai para “manobras táticas sem princípios“, para “procedimentos táticos oportunistas” e para a priorização da “eficácia eleitoral” (pg. 167).

Aposto que os leitores serão capazes de traduzir para nomes atuais essas denúncias de 1985…

Como vimos sempre afirmando, as tarefas de retomar o marxismo e de reconstruir o partido comunista passam, necessariamente, pelo resgate do leninismo em todo o seu vigor, bem como pelo rechaço ao oportunismo. Isso não quer dizer, no entanto, repetir apenas, e dogmaticamente, as palavras de Lênin, mas sim aplicar o marxismo-leninismo à nova realidade, à conjuntura na qual lutamos.

Reconhecer que hoje, na virtual ausência de posição e de partido revolucionários, ao mesmo tempo em que a crise do imperialismo acirra todas as suas contradições, em especial a exploração sobre a classe operária e demais classes dominadas, abre-se “um espaço novo à crítica marxista … 

Começou a entrada numa etapa nova, em que a crítica ao revisionismo é obrigada a superar as meias-tintas centristas e a deslocar-se para as posições de princípio do marxismo” (pg. 279). Ou como diria Althusser no mesmo momento histórico: “Enfim a crise do marxismo!“.

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Francisco Martins Rodrigues trata, também, no Anti-Dimitrov de duas questões centrais para o movimento comunista internacional e que permanecem colocadas hoje. São elas a avaliação das teses defendidas e das políticas dirigidas por Stálin à frente da União Soviética e do movimento comunista internacional e por Mao Tsé-tung, durante a revolução chinesa e à frente da República Popular da China. Junto com Lênin, Stálin e Mao são os líderes incontestes das maiores revoluções já ocorridas. Sob sua direção ocorreram avanços inquestionáveis na organização e luta do proletariado, tanto nas revoluções vitoriosas em seus países, quanto ao redor do mundo.

Não é isso, no entanto, que está em questão. A questão que se coloca Francisco Martins Rodrigues é como pode ocorrer, imediatamente após a morte, tanto de Stálin como de Mao, uma clara virada não só para o reformismo e o revisionismo abertos, mas para a própria restauração capitalista, tanto na União Soviética quanto na China? Parece evidente que as origens desse revisionismo devem ser buscadas ainda no período dirigido por Stálin e por Mao, nas relações de classe e na sua luta à época e nas posições adotadas por esses dirigentes naquela conjuntura específica.

É nessa análise crítica, marxista, da evolução do movimento comunista internacional, que Francisco Martins Rodrigues vai identificar uma inflexão na linha defendida por Stálin a partir de 1934, identificando-a com o centrismo (pg. 248). Afinal, ele passara de um papel ativo na defesa da política de “classe contra classe”, no 6º Congresso da IC (pg. 138), para o silêncio, durante todo o 7º Congresso (pgs. 162-163).

A tese de Francisco Martins Rodrigues aponta para os limites do domínio da teoria marxista (economicismo, pg. 149) e uma incompreensão da situação de uma nova luta de classes na União Soviética a partir dos anos 1930 (pg. 150) por parte de Stálin. Esses dois aspectos o fizeram, por um lado, privilegiar o crescimento acelerado das forças produtivas e, por outro, considerar abolidos os conflitos de classe e eliminada a burguesia (pg. 145). Em ambos os casos, em detrimento da luta política para o avanço do socialismo.

Essas políticas reduziram o papel da “política como posto de comando”, enfraquecendo o partido e colocando a classe operária em um apoio predominantemente passivo ao processo revolucionário (pg. 147), permitiram a elevação de revisionistas a importantes cargos de direção e se refletiram nas diretrizes aprovadas no 17º Congresso do partido e na revisão do 2º Plano Quinquenal, em ambos os casos, adotando posições mais “moderadas”.

Assim, embora reconhecendo que a atuação de Stálin e seu prestígio pessoal como dirigente reconhecido do movimento comunista internacional limitaram o espaço do reformismo e do revisionismo, qualifica sua política a partir dos anos 1930 como “impotente para deter a ascensão inexorável do novo regime porque não atacava a sua estrutura de classe” (pg. 151).

Quanto a Mao, Francisco Martins Rodrigues dedica bem menos espaço à análise do maoísmo, possivelmente por não ser o aspecto principal da sua tese sobre o centrismo de 1935 a 1956. A tese do camarada sobre o maoísmo é que se trata de outra variação do centrismo, de acordo com a linha adotada no 7º Congresso da IC, especificamente pela sua formulação sobre a “nova democracia” (pgs. 212-215).

O problema aqui é como prender o maoísmo na camisa de força das principais teses centristas, oportunistas, da subordinação à burguesia, da limitação da luta às tarefas democráticas, se estamos tratando “de uma gigantesca guerra camponesa conduzida pelo PC, a revolução antifeudal e anti-imperialista … e [que] acumulou uma riqueza de experiências só comparável à da grande revolução russa” (pg. 212) e que se desenvolveu, inclusive, contra as pressões da IC por mais moderação (pg. 216)?

O maoísmo, portanto, não caberia na mesma qualificação que Francisco Martins Rodrigues faz do “dimitrovismo”. Se ele fizera a revolução, animara uma corrente radical, apontara os caminhos da guerra revolucionária aos povos oprimidos, iniciara a crítica ao revisionismo (pg. 252-253), onde estaria o seu reformismo e oportunismo? O camarada aponta o enorme peso do campesinato no PCCh, concessões à burguesia e a aliança com o imperialismo (possivelmente pensando nas visitas e relações com Kissinger e Nixon) como fruto de um “ecletismo oportunista das teses de Mao” (pg. 243). A própria revolução cultural é qualificada como “combates desesperados” (pg. 250), ao invés de uma política que apontava para a necessidade de avançar na luta de classes, na luta política, na ação independente e revolucionária das massas proletárias e camponesas.

Tanto na necessária análise dos papéis desempenhados por Stálin e Mao, quanto na da evolução do movimento comunista internacional e sua degenerescência, avaliamos - modestamente - que ainda há terreno a percorrer. O maior recuo histórico que temos hoje em relação a esses fatos e, principalmente, o debate que já se travou nas diversas frações em que se fragmentou o movimento comunista, permitem a retomada desse debate, indispensável, em melhores condições. É um fato que, em nossa organização, esse debate apenas começa. Mas acreditamos que ele vem se dando sob a bandeira do marxismo-leninismo e da construção concreta do partido revolucionário.

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Continuando nossa análise (necessariamente crítica) do Anti-Dimitrov, observamos que se fazem notar, no livro, duas grandes ausências. Na verdade, são temas que, embora abordados de passagem ou apenas mencionados, não recebem a importância central que de fato têm para os rumos da luta de classes. São eles a crise do imperialismo e o economicismo.

Já em 1985 completava-se uma década de crise do imperialismo, crise de superacumulação de capitais e de superprodução de mercadorias, para a qual geralmente se usam como marcos as crises do petróleo de meados dos anos 1970. Crise que gerou o reforço do domínio econômico do imperialismo norte-americano sobre o sistema mundial do imperialismo, cujos marcos iniciais foram o abandono do sistema monetário internacional de paridades fixas entre o ouro e o dólar ( 1971-73), e a política de altas taxas de juros americanas de 1980-1981. Crise do imperialismo que gerou para o conjunto dos países dominados, especialmente na América Latina, a chamada “década perdida”, com a crise da dívida externa e do balanço de pagamentos iniciada em 1982 com a moratória mexicana e depois alastrada para os demais países (detonada pelo aumento dos juros americanos), e a elevação da exploração sobre as classes dominadas. Crise do imperialismo que contribuiu decisivamente para a posterior crise final dos países ditos socialistas, tanto a União Soviética quanto os do chamado Leste Europeu. Crise do imperialismo, por fim, que provocaria os rearranjos no sistema mundial do imperialismo a que chamamos de nova divisão internacional do trabalho, destacadamente o papel da China capitalista (como dominante em uma área de acumulação no Sudeste Asiático), e seu relacionamento com os Estados Unidos.

Crise do imperialismo que permanece até hoje, agravada desde meados de 2007, é que é o pano de fundo no qual se travam os embates da luta de classes no mundo atual. Crise que expõe, ainda mais, a falência do revisionismo, mostrando a plena validade da diretriz da IC de 1930, citada no Anti-Dimitrov:

Como justamente observara a reunião do Presidium do CEIC, de Fevereiro de 1930, ‘quanto mais aguda a crise do sistema capitalista, tanto mais rapidamente os dirigentes da social-democracia se transformam num elemento acessório da oligarquia financeira, tanto mais ativo e direto se torna o papel da social-democracia na defesa do sistema capitalista, na repressão do movimento revolucionário das massas operárias …’” (pg. 70-71).

O que queremos dizer é que, quando Francisco Martins Rodrigues indica que a meados dos anos 1980 o revisionismo entrava em uma “etapa nova” (pg. 279), o capitalismo estava também, há uma década, entrando em uma “nova etapa”. A crise do imperialismo, com o agravamento de todas as suas contradições, em especial o aumento da exploração sobre o proletariado e demais classes dominadas - que se traduz, em linguagem cotidiana, em menor crescimento econômico ou recessão, aumento do desemprego e rebaixamento dos salários reais e demais direitos trabalhistas, etc. - permite à classe operária perceber mais claramente a dominação a qual está submetida e travar a luta de classes de outra forma (ainda que inicialmente na defensiva) e à sua vanguarda torna ainda mais clara a necessidade de ampliar suas ligações com as massas operárias e de trabalhadores, retificar sua prática política e retomar o marxismo.

Ausente também no livro a definição e a análise mais detalhada do economicismo. O assunto é mencionado, ligeiramente, quando da discussão da posição de Stálin em relação à construção do socialismo, baseada “no crescimento das forças produtivas” (pg. 149). Avaliamos que esse desvio economomicista está por trás da discussão da questão dos quadros científicos, técnicos e intelectuais e da importância que adquiriram a partir de meados dos anos 1930. Esse mesmo desvio economicista também influencia a posição reformista nos países “menos desenvolvidos”, colônias e ex-colônias, nos quais se reforçam posições burguesas sob o pretexto de cumprirem-se as etapas do desenvolvimento das forças produtivas. Em todos esses casos, o economicismo aponta para a defesa de uma organização e estabilização da sociedade capitalista, e não para a revolução (no que é igual a qualquer revisionismo).

O economicismo deriva de uma visão mecânica de uma sucessão de “fases” do desenvolvimento social, determinadas, “progressivamente”, pelo avanço da técnica, dos instrumentos e meios de produção, das forças produtivas. Reformismo economicista que, em geral, parte de uma leitura equivocada do marxismo a partir do Prefácio da Contribuição à Crítica da Economia Política, de Marx.

O economicismo é, na verdade, um limite próprio ao pensamento burguês, que apercebe-se das relações sociais no capitalismo a partir de sua aparência, relações sociais transmutadas em relação entre coisas, reificadas. Esses aspectos, a visão mecanicista e reificada, levam à subestimação da importância das relações de produção, do papel da luta política, levam à subordinação desta pela questão técnica, por decisões administrativas, abandonando a luta de classes pela decisão burocrática. O economicismo no seio dos partidos comunistas tira-os do campo do marxismo, leva-os ao abandono da relação direta e cotidiana com as massas, implica na perda do seu caráter revolucionário.

Nós definimos o economicismo como a característica principal do revisionismo atual.

De uma forma mais vulgar - talvez sua forma predominante nos tempos atuais, o revisionismo economicista se manifesta na defesa da produção (capitalista, obviamente) como a geradora de emprego e de renda para as classes trabalhadoras. Essa política explicitamente aponta para uma hipotética identidade de interesses entre a burguesia e o proletariado, além de, claramente, indicar a subordinação deste àquele.

Com a crise do imperialismo e o aumento do desemprego que ela provoca, o economicismo tem chegado ao paroxismo. Dele são frutos as políticas e/ou palavras de ordem como “Portugal a Produzir”, slogan da “Campanha Nacional do PCP em Defesa da Produção Nacional e do Aparelho Produtivo” (http://www.pcp.pt/apresenta%C3%A7%C3%A3o-da-campanha-nacional-do-pcp-em-defesa-da-produ%C3%A7%C3%A3o-nacional-e-do-aparelho-produtivo), do Partido “Comunista” Português; ou o ainda mais ridículo “Movimento por um Brasil com Juros Baixos. Mais Empregos e Maior Produção”, que uniu em ato e passeata a principal federação dos industriais brasileiros, a Fiesp, e as centrais sindicais lideradas pela CUT (vinculada ao PT) e Força Sindical, com um dirigente sindical entoando a “palavra de ordem”: “Aqui é a unidade do peão com o patrão, contra a especulação” (http://www.valor.com.br/brasil/1057960/unidos-contra-os-juros), enquanto outro enaltecia o evento “histórico, pela construção de um pacto político e social da classe trabalhadora e de setores do empresariado nacional” (http://www.ctb.org.br/site/brasil/15546-ctb-se-soma-ao-movimento-qpor-um-brasil-com-juros-baixosq).

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A principal lição que devemos tirar do Anti-Dimitrov, em nossa opinião, é a de que - além de profunda reflexão sobre um período crucial do movimento comunista internacional - o livro também deve ser usado como uma lição para o presente, cabendo a nós analisar, criticar e aplicar essas lições à nossa conjuntura atual.

A volta atrás do movimento revolucionário que Francisco Martins Rodrigues diagnostica a partir dos anos 1930, que mudou de qualidade após 1956 e 1976, levou-o a definir, em 1985, “que a situação do movimento comunista é radicalmente diferente” (pg. 263), uma situação qualificada pelo camarada como o “descalabro atual” (pg. 242).

Hoje, no entanto, a qualidade do revisionismo é diferente da de meados dos anos 1980. Não se trata do revisionismo dos estados ditos socialistas - com o fim da União Soviética e mesmo na China, o PCCh não faz mais nem esforço para se colocar como comunista - e também não há mais a rede de PCs revisionistas que eles estimularam/dirigiram. O revisionismo hoje é a posição abertamente de direita dos partidos ditos de esquerda e mesmo dos ainda nominalmente comunistas e dos sindicatos e demais movimentos sociais. Esse revisionismo, de qualidade nunca antes vista, é um revisionismo falido, pois não mais pretende se colocar no campo do socialismo, mas sim, direta e abertamente, no campo da manutenção da ordem burguesa, “com preocupação social”, seja lá o que isso queira dizer.

Essa falência do revisionismo resulta, portanto, da praticamente total ausência atual da posição revolucionária, comunista, na luta de classes. Se isso torna, por um lado, a tarefa de reconstrução comunista mais difícil - base muito débil da qual partimos, tanto teórica quanto organizativa - por outro lado, “Depois de ter chegado ao ponto mais baixo, a revolução vai ser obrigada a retomar a marcha ascensional, porque a acumulação de forças explosivas, de contradições insolúveis, não cessou de se multiplicar neste período de pausa” (pg. 284).

No Brasil, a conformação do partido comunista se caracterizou, historicamente, pela “fragilidade teórica e orgânica“, pela “insuficiente assimilação do marxismo-leninismo“, pelo “predomínio do revisionismo e do reformismo“. Com isso, após golpes assentados pela burguesia e a hegemonia conquistada pelo reformismo e revisionismo, “Podemos dizer, hoje, que há [quase 30] anos não temos no Brasil um partido que assuma o marxismo-leninismo“, um verdadeiro partido comunista, proletário, revolucionário.

Dessa forma, para o cumprimento das tarefas centrais de retomar a teoria revolucionária do proletariado e de reconstruir o partido comunista no Brasil, concordamos inteiramente com a afirmação de Francisco Martins Rodrigues perante o tribunal fascista:

se o Partido é infiltrado por políticos revisionistas que o fazem degenerar num partido ‘ordeiro’, num partido burguês para operários, como lhe chamava Lênin, volta a reorganizar-se - e é o que está acontecendo desta vez. Alguém aparece sempre para empunhar a bandeira vermelha do marxismo-leninismo“. Defesa no Tribunal de Sintra, pg. 83 (negrito nosso).



CEM FLORES. Luta de Classes, Crise do Imperialismo e a Nova Divisão Internacional do Trabalho. Brasil, 2011. 316 pg.

Neste artigo, usamos a segunda edição da obra, editada pelas Edições Dinossauro e Abrense Editora em outubro de 2008, acrescida do artigo Notas sobre Staline, originalmente publicado em novembro de 1986, no número 7 do jornal Política Operária.

Defesa no Tribunal de Sintra. (Maio de 1970). In: RODRIGUES, F.M. Os Anos do Silêncio. Lisboa: Edições Dinossauro e Abrense Editora, 2008. Pg. 82.

Esse volume contém, além de sua Defesa, um relato autobiográfico sobre a atividade clandestina e as prisões nos anos 1950, escrito ao final da vida (Os Anos do Silêncio), e o texto Privação do Sono, de 1966, documento que contribui para a formação de qualquer militante revolucionário, por sua descrição seca e direta da tortura continuada a que foi submetido, da necessária têmpera comunista para resistir a ela, e da objetiva e radical auto-crítica sobre seu comportamento naquelas condições. Em relação a isso, ainda preso, desafiou o tribunal do fascismo com sua firme convicção: “Tanto os meus camaradas como os meus inimigos podem estar certos de que me esforçarei por merecer o título de militante comunista” (pg. 79).

A não ser quando explicitado de forma distinta, citações nas quais aparecem apenas o número da página correspondente referem-se a trechos do Anti-Dimitrov.

Em relação a essa prática, que não trataremos aqui, Francisco Martins Rodrigues dá valiosas e abrangentes (embora breves) indicações, como por exemplo, às pgs. 156-158, 168 e 176. Apenas para citar um exemplo, que é o nosso: “Por toda a América Latina, os partidos haviam abandonado a bandeira nacional revolucionária e o combate ao imperialismo americano, em nome da unidade antifascista: no Brasil, o PC passava atestado de antifascista ao ditador Vargas” (pg. 176).

Nada muito diferente dos tempos presentes. Em 2003, o Prêmio Nobel de Economia, Robert Lucas, da Universidade de Chicago, afirmou perante a Associação Americana de Economia que o problema central da prevenção das depressões foi, para todos os fins práticos, resolvido. Em 2004, o hoje presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, classificou esse período de “Grande Moderação”, causada por melhores políticas econômicas. O mesmo que tinha dito, dois anos antes, para Milton Friedman, que seria capaz de evitar outra Depressão (”we wont do it again“).

É de se notar as semelhanças dessa análise de Francisco Martins Rodrigues com as de Charles Bettelheim, e não apenas pela citação (nas Notas sobre Staline, pg. 304) e utilização da enorme pesquisa deste sobre as lutas de classes na URSS. Por exemplo, a qualificação de Stálin como o “precursor do capitalismo de Estado na URSS” (pg. 325) e a descrição das políticas adotadas na URSS a partir dos anos 1930 é em tudo similar com a de Bettelheim no artigo O Stalinismo como Ideologia do Capitalismo de Estado, publicado pela Les Temps Modernes, em 1979 (que lemos na edição brasileira in NAVES, Márcio B. (Org.). Análise Marxista e Sociedade de Transição. Campinas: Unicamp/Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2005, pg. 75-112).

CEM FLORES (Setembro de 2002). Convocatória para a Reconstrução do Partido Revolucionário do Proletariado, ou para ler o Que Fazer? Homenagem aos 100 anos de sua publicação. In: Luta de Classes, Crise do Imperialismo e a Nova Divisão Internacional do Trabalho. Brasil, 2011. Pg. 14.

Disponível, em sua versão original, em http://www.quefazer.org/art2.html.

ALTHUSSER, Louis. (Novembro de 1977). Enfin la Crise du Marxisme! In: ALTHUSSER. Solitude de Machiavel et autres textes. Paris: PUF, 1998, pgs. 267-280.

Conclui Althusser nesse artigo: “Nós estamos, no seio da presente crise, diante de uma nova transformação, já em gestação nas lutas de massas. Ela pode renovar o marxismo, dar uma nova forçàsua teoria, modificar sua ideologia, suas organizações e suas práticas, para abrir um verdadeiro futuro de libertação social, política e cultural à classe operária e a todos os trabalhadores. Ninguém pretenderáque essa tarefa não seja extremamente árdua: o essencial é que ela seja, apesar de todas as dificuldades, possível” (minha tradução).

À análise dessa crise temos dedicado parcela significativa dos nossos esforços, traduzida em documentos como A Crise do Imperialismo Expressa o Agravamento de Todas as Suas Contradições (https://sites.google.com/site/cemescolasrivalizem/home/textos-novos/Acrisedoimperialismoexpressaoagravamentodetodasassuascontradic%C3%B5es.pdf?attredirects=0&d=1), Luta de Classes e Crise do Imperialismo(https://sites.google.com/site/cemescolasrivalizem/home/textos-novos/Lutadeclassesecrisedoimperialismo.pdf?attredirects=0&d=1), O Mais Recente Crash Financeiro. Uma Análise Marxista-Leninista da Crise do Imperialismo(https://sites.google.com/site/cemescolasrivalizem/home/textos-novos/Omaisrecentecrashfinanceiro.pdf?attredirects=0&d=1) e A Crise do Imperialismo é a Crise da Divisão Internacional do Trabalho(http://www.quefazer.org/art1.html).

CEM FLORES (Setembro de 2002). Op. Cit. Pgs. 15-19.


Fonte: Diário da Liberdade