sábado, 24 de novembro de 2012

A breve trajetória de Sabotage, o Maestro do Canão


Diretor de documentário fala da criatividade do rapper, que morreu no auge da carreira, e hoje é considerado uma lenda no movimento Hip-Hop; versatilidade fez Sabotage ser comparado a grandes nomes da música nacional.

José Francisco Neto

  
Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage. Fotos: 13 Produções  

Na manhã do dia 24 de janeiro de 2003, uma das maiores vozes do rap nacional era calada. Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage, foi assassinado com quatro tiros perto de casa no bairro da Saúde, Zona Sul de São Paulo. Neste dia, o rapper iria cantar no Rio Grande do Sul.
O “maestro do Canão” – referência à favela em que morava – entrou para a história como músico e ator. Considerado uma lenda no movimento Hip Hop, Sabotage começou a carreira em 1988, quando se inscreveu em concursos de rap. Num deles, no salão Zimbabwe, conheceu Mano Brown e Ice Blue, ambos do Racionais MC's, que se impressionaram com a performance de palco dele. Mas foi com o grupo RZO (Rapaziada Zona Oeste) que Sabotage viu seu trabalho repercutir no rap nacional.
Na sequência, gravou o primeiro e único disco solo, intitulado "Rap é Compromisso", gravado pelo selo Cosa Nostra, o mesmo que lançou o disco "Sobrevivendo no Inferno", dos Racionais MC's.
Além de rapper, Sabotage também atuou no cinema. Participou do filme “O Invasor”, de Beto Brant, e também de “Estação Carandiru”, de Hector Babenco. 
O rapper agora voltará à cena, no documentário “Sabotage, o Maestro do Canão”, que será lançado no 1º semestre do ano que vem. Além do circuito comercial, será exibido em mostras itinerantes nas periferias. Dirigido por Ivan Vale Ferreira, da 13 Produções, o documentário traz depoimentos de diversos músicos e pessoas ligadas a ele, demonstrando a importância desse artista que misturou estilos e se tornou uma lenda após sua morte.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o diretor do documentário fala da trajetória do rapper e da falta que ele faz hoje no cenário musical.
Brasil de Fato - Como surgiu a ideia de fazer o documentário sobre a vida do Sabotage?
Esse projeto começou em 2002. Ele é fruto de outro projeto que eu já realizei, um documentário que se chama “Favela no ar”. Nesse documentário chegaram dois gringos aqui no Brasil, e eles fazem um trabalho bem legal de viajar o mundo pegando cultura underground dos lugares. Na pauta deles estava o Brasil. Eles vieram pra cá e, em São Paulo, precisavam de alguém para ajudá-los na produção. Na época indicaram meu sócio, o Tiago Bambine, que me chamou para fazer o projeto com ele. A gente foi produzir entrevistas com alguns artistas do cenário mais underground do rap naquela época. A gente entrevistou o RZO, o 509-E, o Kl Jay, o Xis, entrevistamos uma galera e o Sabotage também pra fazer esse trampo. O início foi em junho, época da Copa do Mundo. Aí passaram-se seis meses e o Sabotage foi assassinado, isso em janeiro de 2003. Esse material todo que a gente tinha filmado estava lá com os gringos, eles iam ver o que iam fazer ainda. Mas ia demorar o processo. Aí eu liguei pros caras e disse “bicho, o Sabota morreu, eu queria que vocês mandassem o material da entrevista que a gente fez com ele, porque eu tô querendo fazer um trampo aqui em homenagem a ele”.

Qual foi o resultado? 
 Aí surgiu o primeiro
documentário que se chama “Sabotage”, que na verdade é uma entrevista que a gente fez com ele. Nesse documentário, ele fala sobre diversos assuntos. Já passou na MTV e em vários festivais. De 2003 pra cá, sempre que eu tenho um tempo livre, eu vou entrevistar algumas pessoas que tem a ver com a história do Sabotage, porque na época eu decidi fazer outro filme sobre ele, mas com as pessoas falando sobre ele. Desde então eu venho fazendo isso. Venho filmando uma galera e comecei a sentir que isso tinha um potencial muito grande. Quanto mais os anos se passavam, mais falta o Sabota ia fazendo e mais histórias eu ia descobrindo dele.

Qual o objetivo principal do documentário? O que você pretende apresentar ao público com ele?
A ideia do filme, na verdade, é resgatar realmente histórias sobre ele, pois teve um tempo curto de sucesso. Não deu tempo exatamente para as pessoas saberem quem ele era, as dificuldades que ele passou em vida, as escolhas que ele fez, tanto as certas como as erradas. A gente não quer romantizar a coisa sabe. Não to querendo fazer um filme pra sentir saudades do cara. Eu quero fazer um filme para as pessoas entenderem a importância dele. Tanto é que a gente entrevistou Héctor Babenco, Beto Brant, Paulo Miklos, são pessoas que participaram desse momento em que ele chegou ao cinema nacional. Uma coisa que é difícil e não é comum. Um músico, principalmente do Hip Hop, ter essa atenção que ele teve. Não que ele tenha sido um ator de Oscar, mas ele deixou uma sementinha ali, que todo mundo reconhece. Por outro lado, é a questão da família, que passa necessidade até hoje. Ele tinha condições de com a música dar uma vida melhor pra família dele. Ele estava chegando nesse nível, mas não conseguiu por conta do tempo. A ideia do filme também é conseguir levantar uma verba pra família. Metade do lucro que o filme gerar vai ser repassado pra família dele.
Você teve contato com ele seis meses antes de sua morte. Como que foi esse encontro e como que ele era?
Eu não convivi muito com ele, a gente passou um dia com ele e depois fomos a alguns shows dele. Não foi uma relação de amizade, não tive essa relação de intimidade pra te dizer como que ele era. Mas nessa minha pesquisa eu conversei com os principais amigos dele. A gente chegou nele quando estávamos produzindo o documentário, e falamos que tinha contato com os gringos e que ia pra fora. Ele se mostrou super feliz em participar. Ele queria falar. A gente fazia uma pergunta pra ele e ele respondia dez. Recebeu a gente bem e ao mesmo tempo parecia que ele estava querendo usar aquilo a seu favor, tipo uma oportunidade que ele tinha pra dizer o que pensava. Era um cara muito comunicativo. Ele tinha esse poder de sorrir. Muita gente do rap foge disso. Ele era um cara que olhava pra você, e não só te cumprimentava assim de longe, mas te abraçava. Isso já quebra um monte de barreiras desse afrouxo inicial que tem com o entrevistado.

  
Da esquerda p/ direita: Wanderson, Ivan e Paulo Miklos  

Que falta que faz o Sabotage hoje para o rap nacional?
O rap perdeu, pra mim, o seu principal ícone. Tem o Mano Brown que é um puta ícone, não tem como negar, mas o Sabota pro rap era a diferença. Eu acompanho muito as batalhas de MC´s nos saraus que a gente faz. É incrível como todo mundo cita ele. A molecada nova, qualquer rima que faz emenda que “o rap é compromisso, não é viagem”, “um bom lugar”, ele deixou frases que para sempre vão ser citadas. Mas além do rap, a música brasileira perdeu muito. Pra mim é como se ele fosse Cássia Eller, Chico Science, pessoas que morreram no auge da carreira, no auge do processo criativo e que tinham muito para doar pra história da música brasileira. Ele tinha um perfil parecido de conceito musical, de ser aberto e amplo. Eu acho que mais a música nacional perdeu do que o rap. O rap perdeu muito, mas acho que ele hoje teria uma importância fora do rap muito grande. Essa talvez seja a maior falta que ele faz, em ter pensado muito em fazer coisas diferentes e não ter tido tempo suficiente pra realizar. A música nacional foi quem mais perdeu.
Para ouvir a entrevista clique aqui

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A criação do "Estado" de Israel - uma breve cronologia


Por Elaine Tavares


Foi num 29 de novembro. Reunião da ONU. 1947. Bem longe da Palestina, onde Fátima colhia azeitonas, Marta recolhia as folhas do quintal e Rachid tomava seu chá de maravia à sombra do alpendre da casa simples. Eles não sabiam, mas naquele dia estava sendo decidido seus destinos. Destino de violência, morte e dor. Havia acabado a segunda grande guerra, guerra feia, dura, grotesca. Nela, o governo alemão tinha promovido o massacre do povo judeu, dos ciganos e de outras gentes que apareciam à seus olhos como “diferentes”. Os judeus foram os mais atingidos, em função do grande número. Foi um holocausto. Por conta disso, no fim da guerra, os vencedores, comandados pelos Estados Unidos decidiram que havia de dar uma terra essa gente oprimida, roubada e esfacelada.
O lugar escolhido para a criação de um estado judeu foi a região da Palestina, por ali estar também o núcleo originário do povo hebreu. Naquele espaço haviam nascido as 12 tribos de Judá e era para onde os judeus sonhavam voltar. Mas, esse desejo nunca foi discutido ou compartilhado com as gentes que ali viviam há outras centenas de anos, os palestinos. Então, numa decisão vinda de cima para baixo, os 57 países que conformavam a ONU naquele então decidiram entregar 57% do território palestino para a formação do Estado de Israel. O argumento era de que lá não havia gente, era deserto, portanto, livre para ser ocupado. Mas, essa não era a verdade. Ali viviam milhares de seres, tal qual Fátima, Marta e Rachid. Ainda assim, numa sessão dirigida pelo brasileiro Osvaldo Aranha – qualificado por Alfredo Braga como um desonesto - 25 países votaram pelo sim, 13 foram contra e 17 se abstiveram. Nascia então, por desejo dos vencedores da grande guerra, o estado de Israel. Já para os palestinos, aquele dia ficou conhecido como o "dia da catástrofe".
Contam os historiadores que, naqueles dias que antecederam a votação – bastante tumultuada – diplomatas receberam cheques em branco, outros foram ameaçados e as mulheres dos políticos receberam casacos de visom. Portanto, foi alavancado na corrupção que vingou Israel.
A proposta da ONU foi de metade do território, o que deixa bem claro que todos sabiam que aquela não era uma terra vazia. A conversa nos corredores é de que também seria criado um Estado Palestino e cada povo seguiria seu rumo. Para os que viviam na terra doada aos judeus, os meses que se seguiram foi de terror. Famílias inteiras tiveram de deixar suas casas, seu olivais, sua história. A maioria foi desalojada na força, e muitos não entendiam o que se passava. Como suas terras tinham sido doadas? Naqueles tristes dias de nada adiantou o grito da gente palestina, não se soube dos mortos, nem da destruição. A informação demorava a chegar nos lugares. Quando o mundo se deu conta do terror, já era tarde demais.
Tão logo se instalou, o governo israelense decidiu ampliar seus domínios. Não aceitou a metade, queria mais e abocanhou, na força das armas, 78% do território. os palestinos tiveram de migrar, abandonar suas vidas e tudo o que era seu. O Estado da Palestina nunca foi criado.
Todo o terror imposto por Israel ao povo palestino não terminou por aí. No ano de 1967, o governo sionista, de novo com a força dos canhões, expandiu ainda mais o território em busca do domínio das regiões mais férteis, passando a ocupar mais de 80% da área,  massacrando outras tantas milhares de famílias palestinas.
Ao longo desses anos todos, por várias vezes Israel arremeteu contra o povo palestino, numa tentativa de dizimar a população. Sem conseguir, decidiu criar então um imenso campo de concentração à céu aberto. Praticamente todo o território ocupado por palestinos está cercado por enormes muros de concreto. As pessoas vivem como prisioneiras, muitas famílias foram separadas e não podem mais se ver. Muitos são os documentários que mostram as famílias se comunicando através dos muros e cercas de arame farpado, aos gritos, sem poderem se abraçar.
Nos últimos dias, Israel começou nova escala de violência, com bombardeios à Faixa de Gaza, onde se concentram os palestinos. O argumento que a televisão e as empresas de jornalismo passam é o que fala de "direito de defesa" de Israel. Vendem a ideia de que é esse estado militarizado e terrorista o que está sendo agredido.
Ora, qualquer pessoa de mediana inteligência sabe que a força de um menino com uma pedra é abissalmente inferior a de um canhão ou mísseis teleguiados. Israel quer destruir o povo palestino, quer "limpar a área", região absolutamente estratégica para a proposta de poder dos Estados Unidos, principal parceiro de Israel nesse massacre continuado.
A resposta dos palestinos é a resposta dos desesperados. Pessoas como Fátima, Rachid, Hadija ou Kaleb nada mais querem do que viver suas vidas, estudar, sonhar com algum amor, casar, ter filhos, comer azeitonas no cair da tarde. Uma vida como a de qualquer ser humano no mundo. Mas, eles não podem fazer isso. Estão continuamente humilhados,  ameaçados pelas balas, pelos soldados, pelos tanques, pelos bombardeios. Vivem em alerta 24 horas no dia. Quando podem, reagem. Com pedras, com bombas caseiras, com autoimolação. Sim, respondem às vezes com violência extrema, mas nada menos do que o que aprendem no cotidiano de uma vida de prisioneiro em sua própria casa, acossado pelo exército invasor.
Agora, nesses dias, as famílias palestinas estão vendo morrer seus filhos, crianças despedaçadas, jovens estraçalhados. Morrem mães e pais, avós, gente simples, que está no quintal varrendo as folhas. Garotinhos que brincam nas ruas de terra. Não são terroristas, nem carregam armas. São pessoas comuns, calejadas na opressão. Não é uma guerra, onde se batem os exércitos. É um genocídio, um massacre, no qual perecem as pessoas comuns.
Pelo mundo inteiro gritam as gentes, as imagens de dor se espalham pela internet, o mundo inteiro sabe o que acontece  no imenso campo de concentração que Israel criou. Mas, toda a ação das gente é inútil. As bombas seguem caindo, armas químicas são usadas (o fósforo, que queima inteira a pessoa) e o que se vê são os governantes do chamado "mundo livre" apoiando a ação de Israel. Os Estados Unidos, que invadiu o Iraque por uma "suspeita" de que estavam fabricando armas químicas por lá, observa o uso das mesmas sobre os palestinos e diz que é um "direito de defesa" de Israel. Ou seja, se quem usa armas químicas é amigos dos EUA, está tudo bem. Hipocrisia, cinismo.
Para os movimentos sociais e militantes da causa humana, o que fica é o absurdo sentimento de impotência. Desde tão longe só o que se pode fazer é gritar, denunciar, contar essa velha história para que ela não se perca no meios da mentiras que os noticiários contam todos os dias. O conflito Israel x Palestina nada tem de religioso. Usa-se a religião para legitimar determinadas ações, os judeus julgam-se o "povo eleito". Mas, o que se esconde por trás da aparência é a configuração geopolítica de poder. Os palestinos estão num espaço da terra que é muito importante para o projeto de dominação do Oriente Médio. Ficam na entrada principal e não são amigos dos Estados Unidos. Por isso é necessário que sejam extintos.
As bombas seguem caindo sobre as famílias palestinas, dor e morte é o que têm. Mas, os palestinos seguem defendendo sua terra e suas vidas. Não haverão de se extinguir. Estão por todo o mundo e nunca esquecerão sua história.  Cabe a nós solidarizar com esse povo valente porque nada no mundo justifica o que acontece hoje na Palestina ocupada. Israel haverá de responder à história pelos seus crimes. Mais dia, menos dia. Porque, se como dizia o grande poeta Mahmud Darwish, "ainda goteja a fonte do crime", há que estancá-la. 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Operação Chumbo Impune por Eduardo Galeano

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que burla as leis internacionais. Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel executa a matança de Gaza? Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência manda chuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos? O artigo é de Eduardo Galeano.





Este artigo é dedicado a meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latinoamericanas que Israel assessorou.

Por Eduardo Galeano

Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los.

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma armadilha sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições em 2006. Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e, desde então, viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras que foram palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há muitos anos, o direito à existência da Palestina.

Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel está apagando-a do mapa.

Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam a pilhagem, em legítima defesa.

Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel devorou outro pedaço da Palestina, e os almoços seguem. O apetite devorador se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que burla as leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros.

Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não conseguiu bombardear impunemente o País Basco para acabar com o ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência manda chuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?

O exército israelense, o mais moderno e sofisticado mundo, sabe a quem mata. Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas de “danos colaterais”, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez “danos colaterais”, três são crianças. E somam aos milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando com êxito nesta operação de limpeza étnica.

E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cem palestinos mortos, um israelense.

Gente perigosa, adverte outro bombardeio, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a crer que uma vida israelense vale tanto quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a acreditar que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada “comunidade internacional”, existe?

É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos adotam quando fazem teatro?

Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se ilumina uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade. 

Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.

A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama alguma que outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caçada de judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada dos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antisemitas. Eles estão pagando, com sangue constante e sonoro, uma conta alheia.

(*) Texto publicado originalmente no jornal Brecha.

Tradução: Katarina Peixoto

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Gaza: o que dificulta a trégua



Nas negociações iniciadas esta semana, Israel continua fazendo exigências típicas de poder colonizador.
Por Andressa Pellanda
Uma oportunidade de trégua surgiu no Oriente Médio, depois de sete dias de ataques de Israel contra a população da Faixa de Gaza, respondidos por disparos esporádicos de foguetes, por grupos de palestinos ainda não precisamente identificados. A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon e o ministro do Exterior alemão, Guido Westerwelle envolveram-se nas negociações. A Casa Branca declarou que manterá três encontros – com o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, em Jerusalém; com as autoridades palestinas em Ramallah; e com líderes egípcios, no Cairo.
É improvável, no entanto, que muitas das exigências feitas por Israel e pelo Hamas sejam aceitas pelas contrapartes. O grupo islâmico reivindica o fim das medidas que transformam Gaza numa grande prisão. Quer remoção do bloqueio naval sobre a área, abertura da fronteira com Israel e garantias internacionais de que Telaviv irá interromper o assassinato de seus dirigentes. Já as “exigências” de Israel revelam que seu governo está interessado em manter Gaza como colônia humilhada. Incluem compromisso de cessar-fogo permanente (quando Israel rompeu há dias uma trégua que vigorou por muitos meses); promessa egípcia de não permitir a entrada de armas em Gaza (enquanto Telaviv arma-se incessantemente) e garantia de que os membros do Hamas mantenham-se distantes 500 metros da fronteira com Israel (perdendo, portanto, o direito de se locomoverem livremente em seu próprio território.
Em entrevista coletiva no Cairo, ontem, o principal dirigentes do Hamas, Khaled Meshaal, declarou que os resultados da empreitada de Israel custarão a reeleição ou não do primeiro ministro israelense. “É por isso que ele está hesitante e clamando respaldo internacional do Egito e da Turquia para pressionar o Hamas; mas a resistência não teme suas armas”, afirmou.
Antecipadas em nove meses, por iniciativa do próprio primeiro-ministro israelense, Benyamin Netanyahu, as eleições estão previstas para janeiro de 2013. As imagens de propaganda do exército israelense divulgadas nos últimos dias sugerem que Meshaal pode estar certo. No dia 14, início dos ataques contra Gaza, publicou-se uma foto de Ahmed Jabari, líder militar do Hamas, que havia sido assassinado por um míssil de Israel. No mesmo dia e nos dias subsequentes, as imagens alertavam para a “ameaça dos morteiros do Hamas
A propaganda dá continuidade a uma escalada de medo, que já vinha sendo alimentado desde agosto, quando afirmou-se que a população israelense seria alvo do Hamas. O grupo, que tem armamento ultrapassado e obsoleto, não é capaz de atingir alvos precisos – ao contrário do que Israel revelou, no ataque a Jabari. Apesar disso, já são mais de 100 civis palestinos mortos, sendo 27 crianças, contra três israelenses.
Histórico de conflitos
A maioria dos mais de 1,5 milhões dos residentes na Faixa de Gaza são refugiados palestinos (e seus descendentes) que foram empurrados para a área, superpovoada, após a criação de Israel em 1948. A população de Gaza não tem direito à cidadania, está sob cerco e não pode deixar o território, diferentemente do que ocorre com os palestinos residentes em outras partes de Israel.
Operação Coluna de Nuvem, ou Pilar Defensivo, conduzida pelas Forças de Defesa de Israel na Faixa de Gaza, começouna quarta-feira passada, 14, quando o militante Ahmed Jabari, foi assassinado por um míssil israelense disparado de um caça F-16 contra o carro em que ele viajava com seu filho. Em resposta, grupos de Gaza lançaram, nos quatro dias seguintes, 737 foguetes e morteiros contra Israel.
No mesmo dia, os EUA publicaram um pronunciamento através da página do Departamento de Estado, condenando o lançamento dos morteiros por Gaza e apoiando o direito “de defesa” de Israel. Canadá e Noruega também se posicionaram a favor de Israel. No dia seguinte, foi a vez de Reino Unido e Alemanha declararem apoio aos israelenses. China e França expressaram preocupação com vítimas civis. Por outro lado,Marrocos, LíbanoSudãoIrãEgitoPaquistãoRússia e Turquia condenaram as ações israelenses, em apoio a Gaza.
Desproporção de forças
De Teerã, o Hamas recebeu os chamados Fajr-5, foguetes capazes de atingir alvos a até 75 km de distância, os melhores que possuem. Um deles caiu perto de um assentamento judaico ao sul de Jerusalém, sem deixar feridos, mas foi suficiente para acionar as sirenes de emergência na cidade, que não é atingida por um foguete desde 1970. Além disso, possui morteiros pesados, que no entanto alcançam apenas 9,7 km; foguetes Qassam, que chegam a 17,7 km; foguetes Grad, atingindo 20 km; e foguetes Upgrade Grad, com alcance de 48 km. Nenhum desses mísseis possui precisão.
Israel, que conta com um dos mais bem preparados exércitos do mundo, realizou oAustere Challange 2012, seu maior treinamento militar conjunto com os EUA, no último mês. Durante o exercício, foram testados os sistemas antimísseis Iron Dome e Arrow 2, já utilizados na defesa contra os ataques de Gaza. O orçamento militar israelense no ano passado correspondeu a 7% do PIB, tendo-se investido fortemente em tecnologia. Os principais jatos de combate israelenses são os caças F-15l, que têm a capacidade de superar os 3 mil km/h em altas atitudes e 1,482 km/h em baixas altitudes. São capazes de carregar até 11 t, sendo equipados com vários mísseis ar-superfície e bombas teleguiadas. Clique aqui e conheça mais do arsenal militar israelense.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Israel conspira contra si mesmo


Robert Fisk alerta: num Oriente Médio transformado, operação militar brutal de Telaviv ameaça, a médio prazo, própria existência do país
Robert Fisk, no The Independent - Tradução: Inês Castilho
Terror, terror, terror, terror, terror. Lá vamos nós novamente. Israel vai “extirpar o terror palestino” – o que vem proclamando há 64 anos, sem sucesso – enquanto o Hamas, a mais recente das milícias mórbidas “palestinas”, anuncia que Israel “abriu os portões do inferno” ao assassinar seu líder militar, Ahmed AL-Jabari.
O Hezbollah anunciou várias vezes que Israel “abriu os portões do inferno” ao atacar o Líbano. Yasser Arafat, que era um superterrorista, depois um superestadista (após capitular sobre o gramado da Casa Branca) e mais tarde converteu-se novamente em superterrorista, quando percebeu que havia sido enganado, nos acordos de Camp David, em 1982, também falou muito sobre os “portões do inferno”.
E os jornalistas estão escrevendo como ursos amestrados, repetindo todos os clichês que temos usado nos últimos quarenta anos. O assassinato de Jabari, líder militar do Hamas, foi uma “ofensiva com alvo”, um “ataque aéreo cirúrgico” – como os “ataques aéreos cirúrgicos” israelenses que mataram quase 17 mil civis no Líbano, em 1982; os 1.200 libaneses, a maioria civis, em 2006; ou os 1.300 palestinos, a maioria civis, em Gaza em 2008-09; ou ainda a mulher grávida e o bebê que foram assassinados pelos “ataques aéreos cirúrgicos” em Gaza na semana passada – e os 11 civis mortos em uma só casa em Gaza, ontem. Ao menos o Hamas não atribui a seus foguetes “Godzilla” nada de cirúrgico. Seu objetivo é matar israelenses – quaisquer israelenses, homens, mulheres ou crianças.
Exatamente como os ataques de Israel em Gaza. Mas, não ouse dizer isso, ou será tachado de nazista anti-semita; quase tão diabólico, perverso, satânico e assassino como o movimento Hamas, com o qual – de novo, por favor, não fale sobre isso – Israel negociou alegremente nos anos 1980, momento em que encorajou esse “bando de monstros” a tomar o poder em Gaza e decapitar o superterrorista exilado, Arafat. A nova taxa de câmbio em Gaza para os mortos palestinos e israelenses chegou a 16 por 1. Vai subir, é claro. A taxa de câmbio em 2008-09 era de 100 por 1.
E estamos alimentando mitos, também. A última guerra em Gaza teve sucesso tão impressionante (“extirpando o terrorismo”, claro) que as supostas unidades “de elite” de Israel não foram capazes sequer de encontrar seu próprio soldado capturado, Gilad Shalit, ao final entregue, no ano passado, por Jabari em pessoa – o mesmo líder do Hamas agora assassinado.
Jabari seria o “líder oculto número 1” do Hamas, segundo a Associated Press. Mas como, ó céus, pode ser oculto, se sabemos sua data de nascimento, detalhes familiares, anos de cárcere em Israel, durante os quais trocou o Fatah pelo? Ao que parece, os anos na prisão israelense não converteram o sr. Jabari exatamente ao pacifismo, certo? Bem, não derramemos lágrimas; ele viveu pela espada e morreu pela espada, um destino que, claro, não aflige os aviadores de Israel enquanto matam civis em Gaza.
Washington apoia o “direito de defesa” de Israel. Por isso, afirma uma neutralidade espúria – como se as bombas de Israel sobre Gaza não tivessem vindo dos Estados Unidos, assim como os foguetes Fajr-5 vieram do Irã.
Enquanto isso, o lamentável secretário de Relações Externas de Londres, William Hague, acusa o Hamas de “principal responsável” pela guerra atual. Mas não há evidências de que isso seja verdade. De acordo com The Atlantic Monthly, o assassinato israelense de um palestino “mentalmente incapaz”, que se desviou para a fronteira, pode ter sido o começo dessa guerra. Outros suspeitam que o assassinato de um menino palestino possa ter sido uma provocação. Mas ele foi alvejado e morto pelos israelenses, quando um grupo armado palestino tentou cruzar a fronteira e foi confrontado por tanques israelenses. Nesse caso, homens armados palestinos – embora não do Hamas – poderiam ter dado o pontapé inicial ao conflito.
Mas não haverá nada que pare esse absurdo, essa guerra de lixo? Centenas de foguetes caem sobre Israel. É verdade. Milhares de hectares de terra são roubados dos árabes por Israel – para judeus e apenas para judeus – na Cisjordânia. Nem sequer sobrou terra suficiente para um Estado palestino.
Delete as últimas duas frases, por gentileza. Há apenas bons meninos e maus meninos nesse conflito odioso, no qual os israelenses reivindicam ser os bons meninos, para o aplauso dos países ocidentais (que, então, perguntam-se por que tantos muçulmanos não gostam muito dos ocidentais).
O problema, estranhamente, é que as ações israelenses na Cisjordânia e seu cerco a Gaza estão trazendo para perto exatamente o que Israel anuncia temer, a cada dia: que o país corre o risco de ser destruído.
Na batalha dos foguetes – não menos que Fajr-5 do Irã e drones do Hezbollah –, um novo caminho está sendo trilhado pelos dois lados, nessa guerra. Não se trata mais de tanques israelenses atravessando a fronteira do Líbano ou de Gaza. Trata-se de foguetes e drones de alta tecnologia e ataques computadorizados – ou “ciber-terrorismo”, claro, se cometido por muçulmanos. Os seres humanos destruídos pelo caminho serão ainda menos relevantes do que foram nos últimos três dias.
O despertar árabe segue agora seu próprio caminho: seus líderes terão de acompanhar o humor das suas populações. Nesta condição, suspeito, está o pobre e velho rei Abdullah, da Jorndânia. A hipocrisia dos EUA “pela paz”, ao lado de Israel, já não vale mais nada para os árabes. E se Benjamin Netanyahu acreditar que a chegada dos primeiros foguetes iranianos Fajr justifica o big bang israelense sobre o Irã, o que ocorrerá? O Irá reagirá ao ataque e talvez atinja também os norte-americanos. Trará consigo o Hezbollah. E o que fará Obama, se se vir se engolfado por outra guerra entre o Ocidente e os muçulmanos?
Bem, Israel pedirá o cessar-fogo, como acontece rotineiramente em guerras contra o Hezbollah. Pleiteará ainda, novamente, o apoio imortal do Ocidente em sua luta contra o mal, incluindo o Irã.
E por que não louvar o assassinato de Jabari? Por favor, esqueça que os israelenses negociaram, por meio do serviço secreto alemão, com Jabari em pessoa, há menos de um ano. Não se pode negociar com “terroristas”, certo? Israel denomina esse último banho de sangue de Operação Pilar de Defesa. Está mais para Pilar da Hipocrisia.

domingo, 18 de novembro de 2012

A ditadura militar no Brasil (1964-1985) e o massacre contra o PCB




"Só vos peço uma coisa: se sobreviverdes a esta época, não vos esqueçais! 
Não vos esqueçais nem dos bons, nem dos maus. 
Juntai com paciência as testemunhas daqueles que tombaram por eles e por vós. 
Um belo dia, hoje será o passado, e falarão numa grande época e nos heróis anônimos que criaram a história. 
Gostaria que todo mundo soubesse que não há heróis anônimos. 
Eles eram pessoas, e tinham nomes, tinham rostos, desejos e esperanças, 
e a dor do último entre os últimos não era menor do que a dor do primeiro, cujo nome há de ficar. 
Queria que todos esses vos fossem tão próximos como pessoas que tivésseis 
Conhecido como membros da sua família, como vós mesmos."
(Julius Fuchik)




Por Milton Pinheiro* para Neide Alves Santos, comunista morta pela ditadura.


No dia quatro de novembro, a militância revolucionária brasileira compareceu à Alameda Casa Branca, em São Paulo, ao local onde foi assassinado o líder comunista Carlos Marighella, para prestar-lhe mais uma homenagem. É um ato coberto por um grande simbolismo, com a presença de históricos militantes da causa revolucionária no Brasil, mas também, com a presença daqueles que representam, nos dias atuais, a luta e o desejo da nossa classe em prosseguir fazendo história e perseverando na luta pela revolução socialista. 

Marighella, heróico combatente contra a ditadura burgo-militar, tombou nesta data pela cilada covarde da repressão, em 1969. No entanto, não tombaram seus sonhos e ideias. Homens e mulheres, juventude aguerrida e trabalhadores, continuam em marcha para confeccionar no palmilhar do dia-a-dia, a esperança do mundo emancipado da exploração do homem pelo homem. 

Mas, ao voltar-me para Carlos Marighella, nesta justa homenagem, desperto para a luta sem trégua dos seus camaradas do Partido Comunista Brasileiro (PCB), operador político no qual Marighella foi militante, parlamentar e dirigente durante 33 anos da sua vida, saindo dele, por divergência na forma de enfrentar a ditadura burgo-militar, dois anos antes de ser assassinado. 

O ódio de classe exercitado pela burguesia durante todo o século XX contra o PCB foi levado às últimas consequências pela ditadura militar: eles prenderam, torturaram e mataram os militantes mais destacados de um operador político que teve seus erros no pré-1964, mas que resolveu articular uma ampla luta de massas contra a ditadura burgo-militar, e por isso pagou um gigantesco preço, que foi regado com sofrimento e sangue de seus militantes. 

Logo no primeiro momento, quando se estabeleceram as trevas golpistas que cortaram as luzes da democracia em construção, no último dia de março de 1964, a burguesia e seu aparato militar/policial repressivo partiu para cima dos comunistas. Era a bota de chumbo pisando o sol da liberdade, começaram a ceifar as vidas da vanguarda comunista. E a primeira vítima foi o estivador e sindicalista, Antogildo Pascoal Viana (AM) , assassinado no dia 08 de abril de 1964, seguiram-se a ele, ainda em 1964, os seguintes camaradas: o operário eletricista e sindicalista Carlos Schirmer (MG) , no dia 1º de maio; Pedro Domiense de Oliveira (BA) , sindicalista e líder dos posseiros urbanos, assassinado no dia 07 de maio; Manuel Alves de Oliveira (SE) , militar assassinado no dia 08 de maio; o gráfico e sindicalista Newton Eduardo de Oliveira (PE) foi morto em 1º de setembro; o líder camponês João Alfredo Dias (PB) , conhecido como "nego fubá", sapateiro e ex-vereador, foi sacrificado pela repressão em 07 de setembro; ainda no dia da pátria, também foi assassinado o líder camponês e presidente das ligas camponesas de Sapé, Pedro Inácio de Araújo (PB) ; no dia 15 de novembro a ditadura matou o gráfico, Israel Tavares Roque (BA) e no final do ano de 1964 e/ou começo de 1965, o marítimo catarinense Divo Fernandes D'oliveira. 

Ao todo, em 1964, a ditadura matou 29 militantes que lutavam contra o arbítrio, sendo nove do PCB. Esses dados podem não conter desaparecimentos e algumas mortes estranhas, não computadas diretamente à repressão. Mas, com certeza, em virtude da ação criminosa do estado ditatorial naquele momento. 

Em 1965, a sanha assassina da ditadura matou o ex-militar, que havia participado das lutas dos tenentes com Luiz Carlos Prestes, Severino Elias de Melo (PB) . E em 10 de outubro de 1969, matou João Roberto Borges de Souza (PB) , que era líder estudantil e vice-presidente da União Estadual dos Estudantes da Paraíba. 

O recrudescimento da ditadura avançou após o AI-5 em 1968, uma parte importante da esquerda brasileira, rompida com o PCB, enfrentava as trevas de armas na mão, sofrendo o massacre da ditadura. O PCB, consciente da necessidade de colocar as massas no processo de resistência, desenvolvia seu trabalho. 

No decorrer de 1971, o terror da ditadura matou muitos revolucionários. Novamente voltou a eliminar comunistas do PCB. Já no dia 02 de fevereiro era assassinado o sindicalista José Dalmo Guimarães Lins (AL) ; o ex-militar, ex-bancário e funcionário da Embratel Francisco da Chagas Pereira (PB) está desaparecido desde 05 de agosto; e o sapateiro comunista, organizador de trabalhadores do garimpo em Jacundá (PA), Epaminondas Gomes de Oliveira (MA) foi assassinado em 20 de agosto. 

Em 1972 foram mortos pela repressão, o militante secundarista Ismael Silva de Jesus (GO) no dia 09 de agosto (torturado até a morte) e Célio Augusto Guedes (BA) , dentista de histórica família de comunistas baianos (irmão de Armênio Guedes), que trabalhou diretamente com Prestes e exerceu várias funções dentro do partido. Foi morto em 15 de agosto, sob tortura, após ser preso na fronteira do Brasil com o Uruguai. 

O herói da segunda guerra José Mendes de Sá Roriz (CE) , líder dos combatentes, e que salvou da morte no campo de Batalha o marechal Cordeiro de Farias, teve seu filho e neta sequestrados pelo Exército, que exigiam, sob tortura do filho, a prisão dele para liberar os reféns. O comunista se entregou ao marechal Cosme de Farias. No entanto, foi assassinado na mais cruel tortura no dia 17 de fevereiro de 1973. 

Mas o pior ainda estava por vir. A ditadura fascista iria caçar os comunistas brasileiros, aprofundava-se em 1974 uma longa perseguição, planejada para liquidar o PCB, cuja política de resistência democrática se consolidava na frente ampla contra o regime. No começo do ano, em 19 de março, foram assassinados Davi Capistrano da Costa (CE) José Roman (SP) . O primeiro era um importante dirigente comunista, militar, havia participado do levante de 1935, quando foi preso por sua participação. Fugiu de Ilha Grande e foi lutar, em 1936, na Espanha ao lado dos republicanos como brigadista internacionalista. Participou de forma heróica na batalha de Ebro, que ocorreu entre julho e outubro de 1938. Ainda em 1938, foi para a França onde lutou na resistência a ocupação do nazismo. Foi preso pelos nazistas e por ser estrangeiro, não foi executado no primeiro momento, mas foi levado para o campo de Gurs, na Alemanha hitlerista. Quando foi libertado pesava 35 quilos. Voltou ao Brasil, foi preso novamente em Ilha Grande, e com a democratização se elegeu deputado estadual por Pernambuco, em 1947. David Capistrano foi eleito para o CC no IV congresso em 1954. Com a instalação da ditadura saiu do Brasil e ao voltar, foi preso e assassinado. 

O metalúrgico José Roman era um destacado militante operário, foi preso ao ir buscar David Capistrano em Uruguaiana. 

O massacre continuava em 1974. O dia 03 de abril seria marcado por uma grande tragédia, foram mortos três heróis do povo brasileiro. O operário metalúrgico João Massena Melo (PE) foi preso em São Paulo e assassinado pela repressão. O dirigente metalúrgico foi vereador pelo Distrito Federal, em 1947, e deputado estadual pelo estado da Guanabara, em 1962. Era membro do CC do PCB e seu corpo continua desaparecido. 

Nas mesmas condições também foi preso e morto Luiz Ignácio Maranhão Filho (RN) . Jornalista, deputado estadual eleito em 1958 pelo Rio Grande do Norte, visitou Cuba a convite de Fidel Castro, era membro do CC do PCB. O jornalista e dirigente comunista esteve preso em vários momentos da história republicana. E o oficial do Exército Walter de Souza Ribeiro (MG) , ativo militante das lutas pela paz, era membro do CC do PCB e atuava na estrutura interna do partido. 

O professor de História, Afonso Henrique Martins Saldanha (PE) , foi morto em 08 de dezembro em virtude das torturas que sofreu na cadeia. Foi presidente do sindicato dos professores da cidade do Rio de Janeiro por dois mandatos, sendo cassado no segundo mandato, antes mesmo de tomar posse. Era um militante destacado das bandeiras comunistas no movimento docente. 

No ano de 1975, a repressão seria mais violenta ainda com o PCB. Logo no dia 15 de janeiro, dois lutadores da causa dos trabalhadores são eliminados em São Paulo. Elson Costa (MG) , membro do CC do PCB e líder da greve dos caminhoneiros em Minas Gerais foi preso e assassinado, até hoje seu corpo continua desaparecido. E Hiran de Lima Pereira (RN) , preso e assassinado nas mesmas circunstâncias. Membro do CC do PCB foi importante quadro da vida pública, sendo secretário de Administração de Miguel Arraes na prefeitura de Recife. Em seguida, no dia 04 de fevereiro, era preso e assassinado no Rio de Janeiro, o jornalista e advogado Jayme Amorim de Miranda (AL) . Grande organizador das lutas operárias e de massas pelo Brasil, foi preso várias vezes e sofreu tentativa de homicídio. Esteve na URSS e exerceu intensa atividade na imprensa comunista, seu corpo até hoje não foi encontrado. 

Em abril, foi preso e assassinado o líder camponês Nestor Veras (SP) . Organizador das lutas camponesas que teve intensa presença entre os trabalhadores sem terra, foi fundador e responsável pelo jornal Terra Livre e dirigente da ULTAB. Era membro do CC do PCB e seu corpo está desaparecido até hoje. No mês de maio, no dia 25, era preso e assassinado o operário da construção civil, Itair José Veloso (MG) . Líder operário foi primeiro sapateiro e depois passou a atuar na construção civil, sendo eleito dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Niterói e Nova Iguaçu, e foi eleito secretário-geral da Federação dos Trabalhadores da Construção Civil. Itair Veloso esteve através de delegações sindicais na URSS e China. Membro do CC do PCB, seu corpo continua desaparecido. 

No segundo semestre, em 07 agosto morria Alberto Aleixo (MG) em virtude da tortura. Estava preso desde janeiro e não resistiu aos maus tratos, foi um militante gráfico, sendo responsável pela gráfica do partido e exerceu uma longa jornada de trabalho na imprensa comunista. Era irmão do vice-presidente de Costa e Silva, Pedro Aleixo. No dia seguinte, 08 de agosto, era assassinado sob tortura o tenente da PM de São Paulo, José Ferreira de Almeida (SP) . Policial militar da reserva exercia uma intensa atividade na PM paulista e integrava o grupo interno de militares do PCB. No dia 18, ainda no mês de agosto, morria em virtude das torturas o coronel reformado da PM/SP,José Maximino de Andrade Netto (MG) , que havia sido cassado em 1964. O militante comunista foi preso em 11 de agosto de 1975 e sofreu intensa tortura, até morrer em um hospital de Campinas. Também fazia parte do coletivo de militares do partido. 

A repressão continuava caçando o PCB. No dia 17 de setembro, o dirigente do partido no estado do Ceará, Pedro Jerônimo de Souza (CE) , comerciário que se encontrava preso desde 1975, foi morto sob tortura. Pouco tempo depois, no dia 29 de setembro era preso e assassinado o dirigente da juventude comunista, José Montenegro de Lima (CE) . Ativo dirigente estudantil, foi diretor da UNETI, contribuiu para formular as posições do PCB na área juvenil. Teve grande participação na articulação de organismos da juventude internacional no Brasil (FMJD). Seu corpo não foi localizado até hoje. 

Quando chegou o mês de outubro a ditadura fez outra vítima, agora, o destacado dirigente comunista Orlando da Silva Rosa Bomfim Júnior (ES) . Foi preso e assassinado sob tortura no dia 08, seu corpo ainda não foi encontrado. Orlando Bomfim foi jornalista e advogado, tendo sido vereador do PCB por Belo Horizonte, em 1947. Era membro do CC e exerceu intensa atividade jornalística. Para fechar o ano de 1975, a repressão assassinou, sob tortura, Vladimir Herzog (Croácia) , no dia 25 de outubro. Herzog era professor da USP e jornalista, militante da base cultural do PCB em São Paulo, foi assassinado após se apresentar no DOI-CODI para prestar depoimento. 

A ditadura dava sinais de exaustão, as eleições municipais de 1976 corriam risco de ser canceladas e a política do PCB começava a ser vitoriosa na ampla frente democrática. Mas a repressão ainda ceifaria as vidas de comunistas naquele ano. No dia 07 de janeiro era morta a militante comunistaNeide Alves Santos (RJ) . Essa mulher de convicção profunda foi a única comunista, do PCB, morta pela ditadura. Era militante do setor de propaganda e atuava juntamente com Hiran de Lima Pereira. Ela havia sido presa em 06 de fevereiro de 1975 e encaminhada para DOI-CODI/SP e depois para o DOPS/RJ, foi encontrada morta em via pública com sevícias por todo o corpo. Dez dias depois da morte de Neide, era assassinado sob tortura, no dia 17, o operário metalúrgicoManoel Fiel Filho (AL) , que era responsável pela distribuição da Voz Operária nas fábricas da Mooca. Foi preso no dia 16, levado para o DOI-CODI/SP e assassinado em seguida. 

No dia 29 de setembro, ainda em 1976, era assassinado sob tortura o operário Feliciano Eugênio Neto (MG) . Histórico militante comunista realizou tarefas com Maurício Grabois e Carlos Danielli, foi operário da CSN e vereador em Volta Redonda. Após ser cassado foi ser operário no ABC paulista. Era responsável pela distribuição da Voz Operária no estado de São Paulo, até ser preso em 02 de outubro de 1975. 

Em 1977, o PCB teve seu último militante assassinado pela ditadura. No dia 30 de setembro era morto sob tortura, nas dependências da 1ª CIA da PE do Exército no Rio de Janeiro, o professorLourenço Camelo de Mesquita (CE) . Ativista muito conhecido, exercia sua militância no comitê do partido na Estação Ferroviária da Leopoldina. 

O PCB foi massacrado de 1973 a 1976 por uma operação realizada pelo Exército, tratava-se da "Operação Radar", que tinha como objetivo liquidar o histórico operador político dos comunistas brasileiros. Essa era uma das medidas impostas pela geopolítica arquitetada por Golbery do Couto e Silva, para flexibilizar a ordem política brasileira. 

Foram 39 militantes assassinados, nas mais diversas modalidades, desde o primeiro momento do golpe até o começo da chamada "distensão" do regime militar. Para além dessas mortes, o PCB teve centenas de presos que passaram pela mais atroz tortura, sem falar nas dezenas de exilados que foram viver o desterro em várias partes do mundo. 

Porque tanto ódio da burguesia a este partido? Talvez seja possível responder: o PCB luta ao lado da nossa classe, não tem nenhum acontecimento que diga respeito aos interesses dos trabalhadores na história do Brasil que não tenha tido a participação decidida dos comunistas. O sangue dos militantes do PCB tingiu de vermelho as bandeiras das lutas operárias de 1922 até 1977. A luta do PCB é pela revolução socialista no Brasil. Superados os equívocos da sua formulação, pois errou porque lutou, o PCB quer estar ao lado de todos aqueles que lutam pela emancipação humana na vanguarda da revolução brasileira. O ódio da burguesia é contra as ideias do socialismo e contra o partido que luta para operar essa tarefa histórica. 

Vida longa aos heróis da revolução brasileira que tingiram com seu sangue a bandeira da liberdade.

São Paulo, 04 de novembro de 2012.

[*] Professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), diretor do Instituto Caio Prado Jr. (ICP), editor da revista Novos Temas e membro do CC do Partido Comunista Brasileiro (PCB). 

Artigo elaborado a partir de pesquisas realizadas nos arquivos do IEVE, CEDEM/UNESP, AEL/UNICAMP, no Arquivo Público do Estado de São Paulo e nos dados da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.