quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O Império e a Colônia


Era de dar dó o ar compungido que Mr. Bonner exibia ao tratar da “tragédia em Nova Iorque”


Por Luiz Ricardo Leitão 

Enquanto devastava o Caribe, Sandy era apenas uma “tormenta tropical”, quase ignorada pela mídia de Bruzundanga. Ele já provocara dezenas de mortes na América Central e no Caribe, mas não merecera sequer 15 segundos de atenção nos telejornais da colônia. Quando desembarcou em praias estadunidenses, porém, o furacão tornou-se uma celebridade, com muito mais destaque na tv do que os shows (?) de Lady Gaga ou a derrota de Serra em São Paulo.                
Era de dar dó o ar compungido que Mr. Bonner exibia ao tratar da “tragédia em Nova Iorque”. Com a pronúncia impecável dos órfãos de Tio Sam, ele nos informava passo a passo sobre os estragos que Sêindi provocara na ilha de Manhattan, o coração do capital financeiro internacional. De fato, se fôssemos nos guiar pelo noticiário da Rede Globo e de certas emissoras de rádio, seria possível crer que vivemos nos EUA – e não nestes esfuziantes e tórridos trópicos ao sul do Rio Bravo.                
Até jornalistas da grande imprensa tupiniquim se incomodaram com a papagaiada. A histeria faz crer que não seja piada o lugar-comum das redações, segundo o qual um ianque assustado vale cerca de 40 caribenhos mortos ou 50 corpos africanos... O povo de Cuba, aliás, conhece muito bem essa máxima: rota preferida dos ciclones e furacões, a terra de José Martí os enfrenta com invejável galhardia e muita organização social, a ponto de perder menos vidas que a Big Apple (11 x 21).            
Não estranho o “paradoxo” entre as duas ilhas. Na terra do primo pobre, o cidadão respeita as instruções do seu governo e, disciplinado, prioriza a segurança coletiva, evitando acidentes fatais; para o primo rico, a “pátria da liberdade”, vale a lei de Murici (“cada um trata de si”). Não por acaso, em Nova Iorque uma pessoa morreu dentro de seu carro, atingido pela queda de uma árvore em pleno vendaval.        
Isso tudo às vésperas da (re)eleição do bom-mulato Obama, acompanhada com fervor pela mídia local. Faz sentido: se já há revistas por aqui com títulos e chamadas em inglês (vi uma que não tinha guia de lazer, e sim living guide, além de welcome, at home e who’s who), como querer que nossos repórteres não sonhem ser um novo Paulo Francis, arrulhando profecias como correspondente nos EUA?             
Só não dirão, obviamente, quão bizarra é a “festa da democracia” ianque, à qual só comparecem 40% dos seus eleitores. Aliás, o que falar da farsa, com seus debates inócuos, seu moralismo puritano de araque e tanta alienação social cristalizada? De quantos Sandys precisaríamos para varrer esse lixo?          
E vai rolar a festa...
As eleições acabaram há mais tempo na Colônia – e os abutres já estão de volta à cena pública. Aqui no Rio, com a farra da Copa e das Olimpíadas, andam ainda mais assanhados. Sem perder tempo, o alcaide (re)eleito anuncia que vai demolir o velódromo do Pan para construir um novo e que pretende retalhar uma Área de Proteção Ambiental para fazer um campo de golfe olímpico (!). De quebra, ainda decretou a morte da Escola Arthur Friedenreich, instalada no Maracanã, que dará lugar a uma quadra de aquecimento (!) para os jogadores do Mundial 2014. Como diriam os cariocas, é mole ou quer mais?            
Este cronista pressente que os caprichos da tchurma da bandana lhe custarão caro. A Audiência Pública de 8 de novembro provou isso: cerca de 500 pessoas, entre alunos e pais da escola municipal, jovens da Frente Nacional de Torcedores e chefes indígenas, foram até lá botar água (e outras cositas) no chope dos playboys e dizer que, de Cabral a Cabral, desde 1500 a coisa vai de mal a pior. Sem ter o que argumentar, o secretário da Casa Civil, Régis Fichtner, jurou que o governo está fazendo “o melhor para o Rio”. Em resposta, o pau comeu na casa de Noca, sinal de que outras batalhas virão. E aí eu pergunto: de quantos Sandys precisaríamos para varrer esse lixo? Luiz
  
Ricardo Leitão é escritor e professor associado da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e de Lima Barreto – o rebelde imprescindível

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Sair da “crise”



Por Adriano Benayon


O jornal Valor publicou, em setembro, artigos de dez “renomados” economistas sobre a “crise” mundial e seus desdobramentos. Na realidade, trata-se de depressão econômica, caracterizada por queda, desde 2008, de emprego, produção, consumo e  investimentos, em quase todos os países “desenvolvidos”.

Pior que esconder a depressão nas estatísticas oficiais é não apontar-lhe a causa essencial: a concentração dos meios de produção e das finanças sob o comando de um grupo de pessoas contáveis nos dedos, coadjuvadas por executivos cujo total não passa de 0,001% da população (mil vezes menos que o falado 1%).

A concentração determina as causas imediatas do colapso e da depressão:

a) desregulamentação (falta de controles públicos e supressão dos que havia) dos mercados financeiros, deixados ao bel prazer dos alavancadores dos títulos podres, como derivativos de 600 trilhões de dólares (nessa moeda e em euros);

b) os bancos e financeiras, manipuladores e aproveitadores da criação de títulos, não arcarem com os ônus dos estragos que produziram, postos nos ombros dos Estados, que viraram devedores de créditos de que não se beneficiaram.

Ainda mais importante que entender as causas é atentar para o fato de a depressão continuar, porque isso interessa à oligarquia financeira, detentora do real governo nas “democracias” ocidentais.

De fato, a depressão serve para tornar ainda maior a concentração do capital, e mais absoluto o poder oligárquico. Serve como? Enfraquecendo ainda mais os Estados nacionais, dos quais a oligarquia se havia apoderado.

Com o Estado subordinado aos oligarcas, quem irá conter os abusos tirânicos e quem propiciará algum espaço à verdadeira economia de mercado, capaz de  viabilizar o desenvolvimento tecnológico através da competição e da demanda em economias livres da concentração?

Depois do colapso financeiro originado nos derivativos, em vez de se liquidarem os bancos metidos neles – como de direito, se as sociedades tivessem governos a seu serviço –  os colossais prejuízos decorrentes da especulação foram transferidos para os Estados, que passaram a ser os grandes endividados.

A partir das dívidas públicas assim engendradas, as políticas sob o comando dos bancos levam à falsa austeridade e às privatizações favorecedoras dos carteis dos oligarcas. Através delas desaparecem não só estatais, mas também grande massa de empresas médias e pequenas.

No setor “privado” reinam os grandes bancos e os carteis transnacionais, cada vez mais abrangentes. Fecham-se as portas do capitalismo a ingressantes da classe média alta. A oligarquia consolida seu status de tirania.

Diferentemente do que muitos dizem, a crise econômica atual não provém somente do liberalismo, mas, sim, de o mundo estar dirigido e regulado pelos concentradores. Só os oligarcas ficam livres da regulamentação.

A depressão nos EUA, Europa e Japão leva à queda das exportações da China, a qual pretende acelerar a expansão do mercado interno e reduzir o ritmo de crescimento dos investimentos em favor da elevação do consumo.

Assim, a função de locomotiva do dinamismo mundial, desempenhada ultimamente pela China, não deverá prosseguir na mesma intensidade, prevendo-se queda nas importações de minérios e, portanto, das exportações do Brasil e da Austrália.

Em conclusão, nada se vê no horizonte capaz de interromper o presente círculo vicioso, na maioria dos países, de deterioração das condições sociais e da infra-estrutura econômica.

EUA e Europa prosseguem emitindo moeda para comprar títulos podres, o que reduz quedas no valor dos ativos financeiros e das commodities. Mas isso só adia nova recaída, enquanto avilta, ainda mais, o dólar e o euro, moedas que não mais deveriam ser aceitas como divisas internacionais.

Muitos recordam que a grande depressão mundial dos anos 30 somente acabou devido ao choque de procura da Segunda Guerra Mundial, a partir de 1942/43.

Mas então, só nos EUA, foram mobilizadas 14 milhões de pessoas, e agora, os conflitos armados não geram mais tantos empregos, nem mesmo nas indústrias de armamentos e nas básicas. Só matam aos milhões, com armas intensivas de tecnologia.

As agressões a diversos países desde 2001, as quais contribuíram para elevadíssimos déficits orçamentários, visam elevar os lucros da indústria bélica, um dos grandes feudos da oligarquia, ademais dos objetivos imperiais.

A guerra em grande escala seria muito mais dispendiosa e tornou-se menos provável, porque surge uma superpotência, a China, além de ocorrer alguma recuperação do poder bélico da Rússia, ex-superpotência que propiciou o equilíbrio desaparecido no final dos anos 80.

Por fim, não há necessidade de novas guerras monstruosas, além de inúteis para sair da “crise”. A saída não é difícil, se se puser cobro à tirania política da oligarquia financeira.

Bastaria os Estados assumirem o controle de seus Tesouros e dos bancos centrais, extinguirem o grosso das dívidas que inviabilizam a sanidade das economias e promoverem investimentos produtivos estatais e privados no âmbito de uma economia descartelizada.

Fora disso, i.e., sem transformação das relações de poder, o cenário é mais depressão, e adificuldade para essa transformação decorre da deterioração, em todos os aspectos, da vida dos povos subjugados pelo império.

Com efeito, a  tirania  conta, para afastar a revolução, com os frutos de investimentos, desde há um século, nas indústrias da comunicação social e do entretenimento e nos sistemas de “educação”, para destruir valores e culturas e embotar o discernimento, tudo isso  potencializado por mais tecnologia.

A destruição das Torres Gêmeas em Nova York e o ataque ao Pentágono, realizados pelo Estado policial, há onze anos, são exemplos notáveis da produção de terror para justificar agressões imperiais e reforçar leis repressoras totalitárias.

É em cima dessas realidades, desconhecidas da maioria, que se monta nos EUA o mega-espetáculo das eleições presidenciais.

A eleição para presidente da maior superpotência mundial deveria ser evento de capital importância, merecedor da cobertura que tem, se houvesse real opção para os eleitores.

Trata-se, porém, de algo irrelevante, já que, como de hábito, os candidatos dos dois partidos estão igualmente vinculados à oligarquia concentradora, sediada em Wall Street, Londres e outras praças-chave da finança mundial.
Adriano Benayon é doutor em economia e autor de "Globalização versus Desenvolvimento" (Escrituras). Contato: abenayon@brturbo.com.br

Fonte: Algo a dizer

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A produção e o assédio moral

O tema do assédio moral abre espaço para diferentes elementos,
 de 
caráter subjetivo e na relação de poder - Foto: Reprodução


Tema do assédio esbarra na falta de regulamentação e preocupa sindicalistas; grande dificuldade de que o tema seja aceito pela patronal

Por Pedro Carrano

Em um contexto nacional de intensificação da exploração da força de trabalho, tanto no segmento público como no privado, a partir de metas de produção, o assédio moral torna-se comum na vida dos trabalhadores. Para especialistas no tema, trata-se de uma violência contra o trabalhador nas suas relações pessoais. Este tema está ligado às relações de poder criadas no interior de uma instituição — como a Universidade, por exemplo — e dentro da hierarquia de trabalho.            

Não é à toa que o tema é uma preocupação de sindicatos no seu trabalho de base e surge como pauta nas convenções coletivas de trabalho. Ainda assim, com grande dificuldade de que o tema seja aceito pela patronal. No âmbito institucional, a aceitação do tema é difícil. No Paraná, o deputado estadual Tadeu Veneri (PT) teve por duas vezes um projeto de lei regulamentando o tema aprovado no Legislativo e vetado pelo Executivo.     
“A prova do conflito é que a gente tentou agora na negociação da nossa categoria negociar uma cláusula com a bancada patronal, que a gente chamava de preventiva, onde as empresas adotassem postura de orientação dos próprios trabalhadores”, afirma José Freire da Silva, do Sindicato dos Químicos do ABC (SP). No entanto, o sindicato ainda não conseguiu que a cláusula fosse formatada.            
Uma das maiores dificuldades é que o assédio moral e as suas consequências na saúde do trabalhador sejam vinculadas ao ambiente de trabalho. Além disso, no plano institucional, não há leis que regulamentem o assédio moral. A dificuldade de caracterização dessa forma de opressão ao trabalhador faz com que o assédio moral muitas vezes seja tratado no âmbito específico de cada categoria, não se transformando em uma bandeira de pressão nacional do sindicalismo.      
“Em médio prazo não vamos conseguir ter isso definido nem no mundo jurídico, quanto mais como doença do trabalho, reconhecida pela Previdência Social. A principal alegação para não aceitar o assédio moral, mesmo no aspecto preventivo, é caracterizar o que seria uma atitude assediadora, o que tem dificultado para a gente discutir o assunto”, problematiza o dirigente do Sindicato dos Químicos do ABC.    
Vínculo com o trabalho
Assim mesmo, o tema é um dos principais desafios na vida de uma categoria. Categorias como os bancários conseguiram inseri-lo dentro da convenção coletiva nacional. “Há vários seminários, eu percebo que ainda é um tema que reconhecemos que existe, mas há dificuldades de caracterização. Ainda não foi lançada uma campanha [pelo movimento sindical]”, explica Freire, para quem a questão, no momento, ganha um contorno mais preventivo e menos propositivo devido a esta dificuldade de caracterização.            
O vínculo entre o assédio moral no trabalho e a doença que o trabalhador vem a manifestar, da mesma forma, é muito difícil nas atuais condições. “O trabalhador procura a Previdência, que não caracteriza nenhum caso como assédio moral, que não faz parte do rol de doenças da Previdência Social, no entanto sabemos que as consequências desse assédio acarretam problemas, geralmente reconhecidos na previdência como psicológicos ou mentais”, afirma.    
Luta nos locais de trabalho
Geralmente associado à iniciativa privada, há ainda características específicas das consequências do assédio moral para o servidor público. Isto porque existem relações de identidade diferentes desse trabalhador com o local onde trabalha, além dos benefícios conquistados e da estabilidade que o diferenciam do trabalhador da iniciativa privada. “O assédio moral pode ser até pior no serviço público, uma vez que o vínculo do trabalhador é mais forte do que na empresa privada e ele não quer deixar o trabalho”, explica Selma Maria Lamas, psicóloga, integrante da direção do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Terceiro Grau Público de Curitiba, Região Metropolitana e Litoral do Estado (Sinditest).     
A pesquisadora não acredita que o assunto tenha que ser resolvido na esfera do Judiciário, mas iniciado a partir da ação nos locais de trabalho. “Judicializar os conflitos não vai resolvê-los, passamos o problema para outra instância sem discuti-lo”, provoca.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Mais exploração, mais doenças mentais


Motoristas de ônibus estão entres os trabalhadores mais afetados mentais
causados pelo trabalho

Relações degradantes no ambiente profissional têm resultado no aumento dos casos de trabalhadores com transtornos mentais  

Por Michelle Amaral

Desânimo, apreensão e angústia. Esses eram os sentimentos que tomavam conta de João* diariamente quando saía de casa para ir ao trabalho. “Cada dia que ia trabalhar era uma tortura, me sentia muito mal quando entrava na empresa”, conta o supervisor de uma central de telemarketing em São Paulo. O que, para ele, parecia apenas uma insatisfação com a função exercida e as pressões do trabalho, acabou se intensificando e, ao procurar ajuda médica, foi diagnosticado como depressão.     
O caso de João não é isolado. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão será a segunda causa da incapacidade para o trabalho até 2020. Atualmente, segundo dados do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), os transtornos mentais e de comportamento ocupam o terceiro lugar em número de benefícios concedidos. “Os transtornos mentais, como as depressões, têm sido uma das principais causas de afastamento do trabalho no Brasil”, relata Myrian Matsuo, psicóloga e pesquisadora da Coordenação da Saúde no Trabalho da Fundacentro, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).   
Em 2011, a Previdência Social concedeu mais de 15 mil aposentadorias por invalidez a trabalhadores vítimas de adoecimento mental. Já os auxílios-doença concedidos por causa de quadros depressivos chegaram a 82 mil em todo o país. “Fiquei alguns dias afastado, tomei remédios e fiz sessões de terapia, o que amenizou um pouco os sintomas da depressão”, conta João. Segundo ele, um fator determinante para sua melhora foi a mudança nas relações em seu ambiente de trabalho. “Minha chefe não nos via como ser humano e, sim, como número para atingir as metas a qualquer custo. Isso mudou quando ela foi substituída por alguém mais compreensível, mais humano”, descreve.       
Péssimas condições de trabalho, jornada de trabalho prolongada, pressão por metas e produtividade, falta de tempo para a realização das tarefas laborais, ausência de pausas para descanso, pouca valorização do trabalhador, participação insatisfatória destes nas decisões das empresas e o medo do desemprego são fatores que contribuem para o aumento da incidência de distúrbios psíquicos entre os trabalhadores, segundo Myrian.     
Assujeitamento
A psicóloga explica que os transtornos mentais relacionados ao ambiente de trabalho atingem funcionários de todos os níveis de hierarquia de empresas públicas e privadas.     
Isto porque, conforme analisa o pesquisador do Centro de Tecnologia e Informação Renato Archer, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação (CTI-MCTI), Marco Antônio Silveira, a atividade profissional ocupa uma posição central na construção da identidade do indivíduo e o fato de as instituições serem importantes espaços de socialização, sobretudo nas grandes cidades. “Hoje passamos mais tempo nas empresas do que em casa. Portanto, a forma como o trabalho está organizado e, principalmente, a qualidade das relações humanas impactam fortemente os estados mentais e emocionais das pessoas”, pondera.     
Outro aspecto que contribui para o adoecimento mental dos trabalhadores é a ideia de que o indivíduo deve doar-se completamente à atividade profissional. “As empresas e boa parte da mídia têm se empenhado para mostrar que cada vez mais há menos interesses conflitantes entre trabalhadores e empresas, o que dificulta o estabelecimento do limite subjetivo do trabalhador”, afirma a médica do trabalho e pesquisadora da Fundacentro, Maria Maeno. Essa condição faz com que as contradições existentes no trabalho sejam sentidas pelos trabalhadores como “uma traição” à empresa, gerando neles a culpa por não conseguirem doar mais de si mesmos e, consequentemente, surge o sofrimento psicológico e emocional. “Os ‘fracassos’ são individualizados e os próprios trabalhadores se culpam por não corresponder às expectativas. A individualização e a culpabilização pela impossibilidade de ‘dar conta’ [do trabalho] são aspectos altamente adoecedores”, descreve a médica do trabalho.        
Dessa forma, conforme explica a psicóloga Renata Paparelli, os fatores que levam ao desgaste mental estão relacionados com o grau de assujeitamento ao qual o trabalhador é submetido no processo de trabalho. “Quanto menos controle houver sobre o trabalho, quanto menos possível for adaptá-lo às características de quem o realiza, mais penoso ele será, já que será mais difícil o respeito ao limite subjetivo de cada um”, relativiza.    
Mudanças
A psicóloga defende a necessidade de se colocar limites à exploração da força de trabalho, para que se impeça a precariedade no ambiente laboral e seja permitido ao trabalhador transformar a atividade profissional de modo a respeitar o seu limite pessoal. “Essa possibilidade implica, muitas vezes, em diminuição da produtividade. Daí a importância de estimular políticas que coloquem a saúde dos trabalhadores como fator de competitividade entre as empresas, de modo a transformar os contextos de trabalho adoecedores”, defende Renata.   
De acordo com Myrian, “o empresariado deve repensar o modelo de gestão nas empresas, que visa apenas a produtividade e o lucro em detrimento da vida dos trabalhadores”. Para isto, Silveira afirma que é preciso que se transcenda a contradição inerente aos modelos econômico e empresarial vigentes que, há séculos, têm levado ao conflito capital - trabalho. “[Deve-se] migrar da visão engessada da ‘mais valia absoluta’, que enxerga o trabalhador como ‘mão de obra’, para a situação da ‘mais valia relativa’, onde a qualidade do trabalho e os conhecimentos do trabalhador são considerados”, defende.
Sintomas do adoecimento mental por trabalho
Fadiga crônica, tristeza, irritabilidade, falta de motivação, insônia, isolamento, dificuldade de concentração, déficit de atenção, ansiedade e a sensação de que o fim de semana não é sufi ciente para descansar. 
Caso os sintomas sejam verificados, procure ajuda médica. Uma opção são os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, equipamentos públicos especializados em atender pessoas com problemas de saúde relacionados ao trabalho.