sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Onde os milionários brasileiros sonegam


Novos dados revelam que Brasil já é quarto maior usuário dos paraísos fiscais. Um quarto de nosso PIB está escondido do Estado, do fisco e da sociedade.
Por Ladislau Dowbor na Carta Maior
O resultado do conjunto destas atividades legais, de legalidade duvidosa, ou ainda francamente ilegais, é esta imensa confusão relativamente ao nosso sistema de alocação de recursos. E administrar bem um país, é alocar os recursos onde terão os efeitos mais positivos, ao melhorar a produtividade sistêmica, ao contribuir para a qualidade de vida da população, ao assegurar um desenvolvimento sustentável. Em particular, quando olhamos o sistema de maneira mais ampla, constatamos que uma dimensão essencial ficou radicalmente deformada, que é o que assegurava, através de mecanismos de mercado e de sistemas regulatórios do Estado, uma certa proporcionalidade entre os ganhos e a contribuição produtiva para a sociedade. Este divórcio, entre ficar individualmente rico e ser socialmente útil, gera uma crescente convicção de que o sistema tal como funciona está moralmente comprometido e economicamente disfuncional. [1]
Qualquer bom profissional pode legitimamente ganhar a sua vida, por exemplo numa atividade bancária, mas quer também quer ter o sentimento de que está fazendo algo útil, e em todo caso de não estar contribuindo para fraudes e pilantragens. O homo politicus não é uma espécie a parte, e também partilha deste sentimento. Mas quando o sistema é deformado, o político honesto no dia a dia se vê reduzido a fechar os olhos sobre muitas coisas, e pior, fazer muitas coisas, não necessariamente por desonestidade, mas porque mesmo que tenha por objetivo reduzir o mar de lama qualquer um termina enlameado.
Já para ser eleito, no sistema atual, são necessários rios de dinheiro, e por tanto financiadores, e por tanto dependências além do bem público. A contradição não é um privilégio do setor público. Quem trabalha no Serasa e tem de punir uma pessoa que não conseguiu pagar 238% de juros no cartão deve pensar duas vezes.
Vamos ficar à espera da política limpa que um dia se espera existir? A questão não está em que alguns políticos desonestos estejam corrompendo a política. É que a política da maneira como está organizada torna-se uma máquina de moer talentos e reputações, de destruição de pessoas que nela entram.
O que temos pela frente, se quisermos assegurar um desenvolvimento sustentável, uma sociedade decente, a redução das desigualdades, a transparência nas contas, o uso dos recursos em função do que a sociedade realmente necessita, é muito mais amplo do que a simples criminalização de alguns políticos, ainda mais quando se transforma em perseguição ideológica mal disfarçada.
O núcleo duro de resistência é o sistema de intermediação financeira, são os grandes grupos que ao fim e ao cabo intermedeiam todas estas operações, e que se recusam resolutamente, a pretexto de proteger os clientes, de divulgar efetivamente os dados. James s. Henry, no seu estudo sobre o sistema planetário de finanças ilegais, traz uma constatação interessante: “O caráter secreto do setor privado e as políticas oficiais de governo que o protegem colocaram a maior parte das informações que precisamos fora de limites, ainda que, em princípio, estejam facilmente disponíveis. Em muitas maneiras, a questão política essencial é – quais são os custos e os benefícios de tanto segredo?”[2]
No estudo que publicamos com Ignacy Sachs e Carlos Lopes, Crises e Oportunidades em tempos de Mudança, destacamos um objetivo central: resgatar a dimensão pública do Estado [3]. Este continua a ser, na minha opinião, o desafio central. E isto passa, evidentemente, pela reforma política, em particular a reforma do financiamento das campanhas. Perdoem a repetição, mas enquanto tivermos, no congresso realmente existente – e isto se aplica evidentemente aos outros níveis de governo – uma bancada ruralista, uma bancada dos grandes bancos, das grandes empreiteiras, das grandes montadoras, da grande mídia, e pouca bancada cidadã, vai ser difícil. E tentar entender o desvio de dinheiro público sem entender como a política está articulada com quem deste desvio se beneficia, não faz sentido.
O dinheiro da corrupção gira em um circuito de interessados: os grandes beneficiários empresariais ou donos de fortunas pessoais, as instituições financeiras que fazem as transferências e também se beneficiam no processo, e os políticos que criam o seu contexto institucional. E não esqueçamos o Judiciário, que não é de maneira alguma estranho ao processo, por dar suporte legal, por conivência ou por omissão. Neste quadrilátero devemos focar as atenções, pois são segmentos articulados. É também a minha convicção de que estamos, lenta e penosamente, avançando.
Um dos efeitos indiretos da crise mundial, é que há um forte avanço recente no estudo dos grandes grupos econômicos e das grandes fortunas. Aliás, o imenso esforço de comunicação destinado a atribuir a crise financeira mundial ao comportamento irresponsável dos pobres, seja nos EUA ou na Grécia, é patético. Um estudo que sobressai, de autoria da Instituto Federal Suiço de Pesquisa Tecnológica (ETH na sigla alemã), constatou que 147 corporações, das quais 75% são grupos financeiros, controlam 40% do sistema corporativo mundial. No círculo um pouco mais aberto, 737 grupos controlam 80%. Nunca houve, na história da humanidade, nada de parecido com este nível de controle planetário através de mecanismos econômicos e financeiros. A apropriação ou no mínimo fragilização das instituições políticas, frente a estes gigantes, torna-se hoje fato comprovado. [4]
Corroborando esta pesquisa, e focando inclusive em grande parte os mesmos bancos – Goldman & Sachs, Barclays, HSBC, UBS etc. – temos hoje outra pesquisa de grande porte, liderada por James Henry, ex-economista chefe da McKinsey, e realizada no quadro da Tax Justice Network. Em termos resumidos, o estoque de recursos aplicados em paraísos fiscais é hoje da ordem de 21 trilhões de dólares, um terço do PIB mundial. O Brasil participa generosamente com cerca de 520 bilhões de dólares, um pouco mais de um trilhão de reais, cerca de um quarto do nosso PIB. São dados obtidos através de cruzamento de informações dos grandes bancos, do BIS de Basiléia, do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional, de Bancos Centrais e de várias instituições de pesquisa ou de controle. Nada de invenções: trata-se no essencial de juntar os dados de forma organizada, com metodologia clara e transparente, e indicações da relativa segurança ou insegurança dos dados a cada passo. Esta peça informativa fazia muita falta, e passamos agora a ver o que acontece com tanto dinheiro ilegal que resulta das várias formas de corrupção. [5]
Vamos entrar um pouco no detalhe do estudo, pois o fato de se poder esconder dinheiro ilegal, em gigantescos volumes, a partir de qualquer parte do mundo, é essencial para o vigor e a dinâmica crescente dos sistemas de corrupção, tanto no mundo empresarial como no mundo político, um sustentando o outro.
Primeiro, as fontes: “O presente estudo emprega quatro enfoques básicos de estimativas: (1) um modelo “fontes e usos” para os fluxos de capital não registrados país por país; (2) um modelo de “riqueza acumulada offshore”; (3) um modelo de portfólio de investimentos offshore; (4) estimativas diretas de ativos offshore nos 50 principais bancos privados globais. Para compilar estas estimativas, o estudo utilizou os dados disponíveis mais recentes do Banco Mundial, do FMI, das Nações Unidas, de bancos centrais, e as contas nacionais para modelar explicitamente os fluxos de capital paa cada membro de um subgrupo de 139 países “fonte” que publicam este tipo de dados”.
Segundo, o enfoque do estudo se concentrou menos nos fluxos e mais nos estoques acumulados de capital, o que permite identificar não só os fluxos como os ganhos de aplicação dos capitais clandestinos. “Ao deslocar a atenção de fluxos para os estoques acumulados de riqueza no exterior, este estudo chama a atenção para o fato que a retenção de ganhos de investimentos no exterior pode facilmente tornar-se tão significativa que os fluxos iniciais são a partir de certo momento sobrepujados pela “fuga escondida”, com o estoque escondido de riqueza privada não registrada gerando suficiente renda não registrada para manter o seu crescimento muito tempo depois que as saídas iniciais pararam”. Ganhos, evidentemente, que escapam dos impostos, serviço prestado pelos bancos. O estudo estima a evasão fiscal resultante em 189 bilhões de dólares ao ano.
Terceiro, há um complexo sistema de arranjos jurídicos e mudanças de localização legal que torna difícil o seguimento. “O termo ‘offshore’ não se refere tanto à localização física de ativos ou passivos privados, mas locais frequentemente muito temporários de redes de entidades e arranjos legais ou quase-legais, nominais, hiper-portáteis, multi-jurisdicionais, sempre no interesse dos que os administram, supostamente no interesse dos proprietários que se beneficiam, e frequentemente com indiferença ou desafio aberto relativamente aos interesses e leis de numerosos estados-nação.” Para isto o sistema se apoia nas amplas redes dos grandes bancos.
O estudo menciona os grupos dominantes neste processo, que administram cerca de tres quartos destes capitais: UBS, Crédit Suisse, Citigroup/SSB/Morgan Stanley, Deutsche Bank, BankAmerica/Merrill Lynch, JPMorganChase, BNP Paribas, HSBC, Pictet & Cie, Goldman Sachs, ABN Amro, Barclays, Crédit Agricole, Julius Baer, Societe Générale, e Lombard Odier.
Quarto, os capitais não estão propriamente alocados nos paraísos fiscais, ainda que tenham ali a sua residência formal. Não se trata de cofres em paraísos tropicais, mas de contas administradas pelos grandes bancos. “Resulta que este setor offshore coberto de segredos – que se especializa essencialmente em evasão fiscal e lavagem dos resultados de uma miríade de atividades duvidosas – não é um arquipélago de paraísos exóticos e não relacionados, mas uma indústria global muito lucrativa, a “indústria da pirataria bancária global”. Esta indústria foi basicamente desenhada e tem sido operada há décadas, não por obscuros bancos sem nome localizados em ilhas paradisíacas, mas pelos maiores bancos privados, bem como firmas jurídicas e de contabilidade de proa. Todas estas instituições estão baseadas, não em ilhas, mas nas maiores capitais do primeiro mundo como Nova Iorque, Londres, Genebra, Frankfurt e Cingapura”.
Finalmente, um ato essencial: trata-se de recursos pertencentes a uma minoria ínfima de muito-ricos. “Como a parte esmagadora de ativos privados offshore não registrados que identificamos pertence a uma minúscula elite, o impacto sobre a desigualdade é surpreendente. Temos estimado, por exemplo, que menos de 100 mil pessoas, 0,001% da população mundial, controlam atualmente mais de 30% da riqueza financeira mundial. (…) Do ponto de vista do ‘mercado pirata privado’, o que é talvez o mais interessante nesta paisagem de desigualdade global, é que estamos revelando a emergência recente de uma verdadeira elite transnacional privada, uma fração relativamente ínfima da população mundial que compartilha necessidades e interesses surpreendentemente semelhantes em termos de segredo financeiro, serviços bancários, impostos e regulação.”
O conceito de desigualdade está sendo revisto. A partir de certo nível, o que é eticamente contestável torna-se economicamente pernicioso porque desarticula a própria política econômica. O tão conservador The Economist decidiu recentemente rever a sua defesa dos privilégios, e descreve, em amplo relatório especial, os impactos reais: “As desigualdades crescentes em muitos países estão começando a preocupar até os plutocratas. Uma pesquisa realizada para a reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos apontou a desigualdade como o problema mais premente da próxima década (junto com os desequilíbrios fiscais). Em todos os setores da sociedade, há um acordo crescente de que o mundo está se tornando mais desigual, e que as disparidades atuais e as suas prováveis trajetórias são perigosas…A história instável da América Latina, durante longo tempo o continente com a maior desigualdade de renda, sugere que países administrados por ricas elites entrincheiradas não funcionam muito bem.” [6]
Não se trata de invejar os ricos, e sim de reduzir a máquina de desorganização econômica que geraram, com segredos e ilegalidades a cada passo.
A nós interessa particularmente o mecanismo financeiro, naturalmente, porque se trata da base de sustento – a extraterritorialidade jurídica, por assim dizer, e garantia de impunidade – de todo o sistema de corrupção.
Mas sobretudo nos interessa o impacto político. “Isto também significa que como grupo esta elite transnacional tem, em princípio, um forte interesse em garantir impostos mais fracos sobre a renda e a riqueza, em fragilizar a capacidade de regulação do governo, em assegurar mercados mais ‘abertos’, e em fragilizar as restrições sobre a influência política e gastos de campanhas além das fronteiras – com um enorme ‘exército do paraíso’ com banqueiros piratas, empresas de advocacia, empresas de contabilidade, lobistas e empresas de relações públicas aos seus serviços.”
Assim, o Brasil não está isolado, neste sistema planetário, nem é particularmente corrupto. Mas o conjunto criado é sim profundamente corrompido. Os dados para o Brasil, em termos de capitais offshore, são de toda forma impressionantes, ocupamos o quarto lugar no mundo. Em termos de valores, o Brasil tem em paraísos fiscais 362 bilhões de dólares.
Calculando um rendimento modesto de 3% ao ano, haveria hoje mais 247 bilhões de rendimentos acumulados, o que leva a um total de 520 bilhões de dólares. Vemos também como outros países latino-americanos enfrentam o mesmo mal, inclusive proporcionalmente mais grave. Evasão fiscal é crime. E a origem deste dinheiro escapa a qualquer escrutínio.
Enquanto os grandes bancos estiverem protegidos pelo segredo, não poderemos no país focar o que realmente interessa. Segundo a expressão tradicional, estaremos enxugando o chão, mas a torneira seguirá aberta.
Sem dúvida, temos imensas tarefas pela frente. Os paraísos fiscais, que colocam ao abrigo das investigações o grande dinheiro, foi objeto de declarações fortes do G20, e de nenhuma ação. Os grandes bancos, que acumulam fraudes e ilegalidades impressionantes, recebem dinheiro público para sanarem os buracos que criaram. Não ver a amplitude do mecanismo não constitui apenas miopia, nos leva a criminalizações fáceis, mas pouco significativas em termos sistêmicos. E sobretudo impede de ir ao que realmente interessa.
O que têm em comum os corruptores, nos diversos elos que representam no sistema, é que detestam a transparência. Vimos, nesta pequena série de artigos sobre os descaminhos do dinheiro, os 2 bilhões de reais que nos custou a campanha eleitoral de 2012, a transferência de mais de 100 bilhões por ano do governo para os grandes bancos através da taxa Selic, os mais de 50 bilhões de reais que nos custa o cartel dos grandes bancos através de agiotagem, os cerca de 20 bilhões de reais que nos custam as emendas parlamentares individuais e as “rachadinhas”, o escoamento dos recursos gerados para paraísos fiscais, cerca de um trilhão de reais no caso do Brasil. Isto em custos diretos. Muito mais nos custa, evidentemente, a deformação das próprias decisões econômicas ao se priorizar as infraestruturas de transporte individual sobre o coletivo, o rodoviário sobre o ferroviário e o aquaviário, a saúde curativa sobre a preventiva e assim por diante. Estes mecanismos formam parte do sistema que mantém a imensa desigualdade no país, o elevado ‘custo Brasil’, e o desvio de recursos que poderiam ser produtivamente investidos.
O Brasil, lentamente, está avançando. A taxa Selic está baixando fortemente, fechando uma das principais torneiras de vazamento de recursos públicas e economizando bilhões a cada queda de 1% da taxa Selic. Através da redução gradual dos juros ao tomador final os bancos oficiais estão lentamente reintroduzindo mecanismos de mercado no sistema comercial de intermediação financeira. A recente Lei da Transparência, que obriga os governos a disponibilizar os dados, foi um imenso avanço cujos efeitos se farão rapidamente sentir, ainda que falte aqui avançar na transparência do sistema financeiro. As medidas que finalmente criaram uma capacidade administrativa de enfrentar a cartelização (o “super-CADE”) abrem um início de perspectivas para a reintrodução da concorrência na economia [7]. A lei da ficha limpa é um progresso muito significativo. Não vê os avanços quem não quer. Mas o caminho pela frente é longo.
(*) Ladislau Dowbor, economista, é professor da PUC de São Paulo, e consultor de várias agências das NNUU. http://dowbor.org 
NOTAS

[1] Na realidade, é frequentemente mais remunerado quem menos merece. Uma excelente explicitação dos mecanismos pode ser encontrada no ensaio Apropriação Indébita, de Gal Alperovitz e Lew Daly, editado pelo Senac, 2010.

[4] Para uma análise sumária dos resultados da pesquisa do ETH, verhttp://dowbor.org/2012/02/a-rede-do-poder-corporativo-mundial-7.html/ 
[5] “A significant fraction of global private financial wealth — by our estimates, at least $21 to $32 trillion as of 2010 — has been invested virtually tax-free through the world’s still expanding black hole of more than 80 “offshore” secrecy jurisdictions. We believe this range to be conservative, for reasons discussed below. On this scale, this “offshore economy” is large enough to have a major impact on estimates of inequality of wealth and income; on estimates of national income and debt ratios; and – most importantly – to have very significant negative impacts on the domestic tax bases of key “source” countries (that is, countries that have seen net unrecorded private capital outflows over time)” p. 3 – The Price of off-shore revisited - Os dados sobre o Brasil estão no Appendix III, (1) p. 23.
[6] The Economist, 13-19 outubro 2012, Special Report on the World Economy, p. 6.
[7] Sobre esta iniciativa do governo, ver o artigo no Economist, 5 de agosto de 2012.O resultado do conjunto destas atividades legais, de legalidade duvidosa, ou ainda francamente ilegais, é esta imensa confusão relativamente ao nosso sistema de alocação de recursos. E administrar bem um país, é alocar os recursos onde terão os efeitos mais positivos, ao melhorar a produtividade sistêmica, ao contribuir para a qualidade de vida da população, ao assegurar um desenvolvimento sustentável. Em particular, quando olhamos o sistema de maneira mais ampla, constatamos que uma dimensão essencial ficou radicalmente deformada, que é o que assegurava, através de mecanismos de mercado e de sistemas regulatórios do Estado, uma certa proporcionalidade entre os ganhos e a contribuição produtiva para a sociedade. Este divórcio, entre ficar individualmente rico e ser socialmente útil, gera uma crescente convicção de que o sistema tal como funciona está moralmente comprometido e economicamente disfuncional.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A sinuca americana


Sem condições militares para entrar em nova guerra na região, EUA impede planos de Israel para atacar o Irã. Ala de militares pensam ser hora de ver em Israel um país como os outros, sem a aura mitológica que o envolve
Por Mauro Santayana, em seu blog
Os Estados Unidos advertiram o governo de Israel contra seu projeto de ataque preventivo às instalações nucleares do Irã, conforme noticiou The Guardian, em sua edição de 4ª feira. O aviso não foi das autoridades civis de Washington, e, sim, dos comandantes das tropas militares norte-americanas em operação na região do Golfo – o que, ao contrário do que se pode pensar, é ainda mais sério.
O argumento dos militares é o de que esse ataque, além de não produzir os efeitos desejados – porque o Irã teria como retomar o seu programa nuclear – traria dificuldades políticas graves aos aliados ocidentais na região, sobretudo a Arábia Saudita e os Emirados Árabes – de cujo abastecimento direto depende a 5ª Frota e as bases das forças terrestres e aéreas que ali operam.
Embora as dinastias árabes pró-ocidentais temam o poderio militar do Irã, temem mais a insurreição de seus súditos, no caso de que se façam cúmplices de novo ataque a outro país muçulmano. Nunca é demais lembrar que os Estados Unidos e a Europa dependem também do petróleo que passa pelo golfo e atravessa o Canal de Suez, controlado pelo Egito.
Há, nos Estados Unidos – e, entre eles, alguns estrategistas do Pentágono – os que pensam ser hora de ver em Israel um país como os outros, sem a aura mitológica que o envolve, pelo fato de servir como lar a um povo milenarmente perseguido e trucidado pela brutalidade do nacional-socialismo. Uma coisa é o povo – e todos os povos têm, em sua história, tempos de sacrifício e de heroísmo, embora poucos com tanta intensidade quanto o judeu e, hoje, o palestino – e outra o Estado, com as elites e os interesses que o controlam.
DOMÍNIO MILITAR
Nenhum outro governo – nem mesmo o dos Estados Unidos – são tão dominados pelos seus militares quanto o de Israel. Eminente pensador judeu resumiu o problema com a frase forte: todos os estados têm um exército; em Israel é o exército que tem um Estado.
O Pentágono acredita que uma guerra total contra o Irã seria apoiada pelos seus aliados da região, mas os observadores europeus mais sensatos não compartilham o mesmo otimismo. A ofensiva diplomática de Israel na Europa, em busca de apoio para – em seguida às eleições norte-americanas – uma ação imediata contra Teerã, não tem surtido efeito. Londres avisou que não só é contrária a qualquer ação armada, mas, também, se nega a permitir o uso das ilhas de Diego Garcia e Ascenção (cedidas pela Inglaterra para as bases ianques no Oceano Índico), como plataforma para qualquer hostilidade contra o país muçulmano.
Negativa da mesma natureza foi feita pela França, que, conforme disse François Hollande a Netanyahu, não participará, nem apoiará, qualquer iniciativa nesse sentido. É possível, embora não muito provável, que Israel conte com Ângela Merkel. Israel tem esperança na vitória de Romney, e a comunidade israelita dos Estados Unidos se encontra dividida. Os banqueiros e grandes industriais de armamento, de origem judaica, trabalham com afã para a derrota de Obama. E há o temor de que, no caso da vitória republicana, os israelitas venham a aproveitar o esvaziamento do poder democrata para o ataque planejado.
Além disso, Netanyahu não tem o apoio unânime entre os militares de seu país para esse projeto. Amy Ayalon, antigo comandante da Marinha, e dos serviços internos de segurança, o Shin Bet, disse que Israel não pode negar a nova realidade nos países islâmicos:
“Nós vivemos – avisa – em novo Meio Oriente, onde as ruas se fortalecem e os governantes se debilitam”. E vai ao problema fundamental: se Israel quer a ajuda dos governos pragmáticos da região, terá que encontrar uma saída para a questão palestina. É esta também a opinião, embora não manifestada com clareza, do governo de Obama, de altos chefes militares americanos, e dos círculos mais sensatos da comunidade judaica naquele país.
O fato é que os Estados Unidos se encontram em uma situação complicada. Eles não têm condições militares objetivas para entrar em nova guerra na região, sem resolver antes o problema do Iraque e do Afeganistão. Seus pensadores mais lúcidos sabem que invadir o Irã poderá significar a Terceira Guerra Mundial, com o envolvimento do Paquistão no conflito e, em movimento posterior, da China e da Rússia. Washington, na defesa de seus interesses geopolíticos, deu autonomia demasiada a Israel, armando seu exército e o ajudando a desenvolver armas atômicas. Já não conseguem controlar Tel-Avive.
Estarão dispostos, mesmo com o insensato Romney, partir para uma terceira guerra mundial? No tabuleiro de xadrez, se trata de “xeque ao Rei”; na mesa de bilhar, de sinuca de bico.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Os Indiferentes por Antônio Gramsci




Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que "viver significa tomar partido". Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.

A indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heróica.

A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar. A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso. Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente. Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam.

A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.

Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.

Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.


Fonte: MIA

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Marcelo Freixo: PSOL teve um ano vitorioso, nacionalmente


Para o deputado estadualo Marcelo Freixo, segundo colocado na corrida para a prefeitura do Rio de Janeiro, seu partido teve uma performance positiva nas eleições de 2012, não só localmente como nacionalmente, como uma importante tomada de espaços nos parlamentos municipais. “É um ano vitorioso para o PSOL. Para além de Macapá, que é uma capital que a gente conquista, o partido faz vereadores em cidades importantes, em algumas inesperadas, como Florianópolis e Salvador".



O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), segundo colocado na corrida para prefeitura do Rio de Janeiro com quase 30% dos votos enfrentando uma máquina de reeleição que contou com o apoio de 20 partidos, mais generosas participações da presidenta Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na campanha do prefeito Eduardo Paes (PMDB), vê a performance de seu partido nas eleições 2012, não só localmente como nacionalmente, como uma importante tomada de espaços nos parlamentos municipais.

“É um ano vitorioso para o PSOL. Para além de Macapá, que é uma capital que a gente conquista, o partido faz vereadores em cidades importantes, em algumas inesperadas, como Florianópolis e Salvador. Fizemos um em São Paulo, que é sempre difícil. Refizemos os dois de Porto Alegre. Conseguimos fazer dois em Natal, quatro em Belém, dois em Maceió, dois em Fortaleza, quatro no Rio de Janeiro, os três de Niterói. Então o PSOL ocupa posições que fazem diferença para os próximos anos”, diz ele.

Ciente ser um dos nomes mais conhecidos do partido no país, assim como o senador amapaense Randolfe Rodrigues e o ex-candidato à prefeitura de Belém Edmilson Rodrigues, “entre outros grandes nomes”, mas ressaltando ser difícil avaliar o quadro nacional para 2014, Freixo afirma que “a tendência é que o PSOL tenha candidato próprio para governador em todos os estados. É fundamental para o crescimento. Já cresceu um pouco, pode crescer mais”.

No âmbito da corrida presidencial a partir das eleições deste ano, Freixo também reconhece o novo protagonismo do PSB. “Talvez tenha sido o partido mais vitorioso, mas eu não acho que a vitória política seja aquela que você mede só nas urnas. Por exemplo, eu acho um erro o PT avaliar se o mensalão teve impacto ou não olhando o resultado eleitoral, como alguns petistas fazem. Acho que não é só o resultado eleitoral o medidor do sucesso de um partido”, afirma.

“O PSB não foi o partido que ganhou o maior número de cidades, mas ganhou cidades muito importantes e saiu muito fortalecido, muito credenciado para a disputa de 2014. Qual vai ser o caminho, se vai tentar a vice da reeleição da Dilma, substituindo o PMDB, ou se vai tentar voo próprio, isso ninguém sabe. Agora, que eles têm condições tanto de uma coisa quanto de outra, têm. Estão com capital político para isso”, avalia.

O cientista político Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), coloca que o quadro de alianças para 2014 vai depender muito mais da avaliação do eleitorado sobre o governo Dilma do que da atuação da oposição. Para ele, “se ela estiver bem avaliada, como está hoje, vai ser muito difícil se formar uma oposição. Ainda mais porque o PT ganhou São Paulo”.

Na visão de Figueiredo, dependendo dessa avaliação sobre o governo, o presidente nacional do PSB e governador de Pernambuco Eduardo Campos jogará suas fichas. O cientista político acredita que Campos está se configurando como a ‘noiva’ de 2016. “Ou fica com o PT, ou vai para o Aécio. Aí atrapalha o PT porque o PSDB saiu forte no Nordeste, tem bastante votos, e vai ter Minas praticamente inteira, vai pegar os votos de São Paulo”.

Sobre um possível voo solo de Campos, Figueiredo é mais reticente. “Ele se candidatar é muito difícil, está cedo para ele. Ele pode até entrar por razões muito estratégicas de, não sei, ficar em terceiro, algo assim. É uma aposta muito estratégica. É entrar sabendo que não vai passar para o segundo turno, é para fazer investimento eleitoral futuro para ele”, diz ele.

Rio
Nos limites regionais, Freixo vislumbra novas realidades para o Rio de Janeiro a partir do saldo da campanha deste ano. “O resultado maior foi a participação muito forte da militância na rua. Principalmente no setor da juventude, que vinha amortecido, afastado do processo político, e retomou esse ânimo. Só para se ter uma ideia, na segunda-feira, dia 29, fizemos uma plenária de avaliação com os comitês que foram formados durante a campanha. E foram mais de 600 pessoas. Qual o candidato que depois da eleição, sem ter ganho, faz uma reunião com mais de 600 pessoas? Acho que nem os que ganharam fazem...”

Os planos do PSOL são manter tais comitês, para juntamente com os quatro vereadores eleitos pelo partido (Eliomar Coelho, Paulo Pinheiro, Renato Cinco e Jefferson Moura) fomentar a mudança na agenda da cidade. Freixo vê como obrigação do PSOL e dos eleitores “fazer com que essa campanha se transforme em uma oposição qualificada para debater profundamente a cidade, a concepção de cidade, fortalecendo os movimentos sociais, propondo e mostrando alternativas. Isso é bom para o Rio, que está passando por muitas transformações e é bom ter uma sociedade ativa”.

Avaliando as atuais mudanças na cidade, Carlos Eduardo Martins, professor e chefe do departamento de Ciências Políticas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que “o Rio está se tornando uma das cidades mais caras do país. Você vê o preço dos aluguéis. Está se tornando uma metrópole altamente elitizada, altamente vinculada a setores de alto poder aquisitivo”.

Martins aponta espaços e dificuldades nesta virada de concepções e prioridades. “30% do eleitorado do Rio de Janeiro estão descontentes com essa atual forma de poder político. E esses 30% votaram no Marcelo Freixo, não é um eleitorado assim tão desprezível”, afirma ele.

Porém, o cientista político diz que o resultado das urnas mostra o PSOL como um partido ainda setorizado. “O PSOL permanece uma força política relacionada a setores de classe média, mas não ganha o espaço popular. Falta entrar no setor mais popular, nos trabalhadores”.

Para Martins, “o PSOL não tem conseguido entrar aí não por demérito. Não se trata de fazer uma avaliação depreciativa do PSOL por conta disso, mas porque na verdade a classe trabalhadora brasileira apostou suas fichas no Partido dos Trabalhadores, que tem conseguido entregar algum tipo de melhoria a essa camada, ainda que muito aquém ao que seu programa partidário postulava nos anos 80, mas tem conseguido entregar algumas melhoras. De fato há um setor popular que tem tido a sua preocupação com o dia a dia aliviada. Assim, o discurso do PSOL cai no vazio”.

Em busca de maior abrangência para o discurso do partido, Marcelo Freixo deve se candidatar à reeleição como deputado estadual em 2014, e novamente concorrer à prefeitura em 2016. “Acho que isso me mantém no Rio de Janeiro, e como candidato a deputado estadual posso contribuir para o aumento significativo da bancada na assembleia. E quatro ou cinco deputados do Psol em uma assembleia legislativa faz uma diferença brutal, ainda mais se somando aos quatro vereadores. Aí eu acho que a gente tem uma estrutura para disputar a cidade realmente”, diz o deputado.

“O quadro de 2016 só dá para pensar depois de 2014, mas evidente que o meu nome está naturalmente colocado para 2016, até mesmo que eu não queira (risos). Mas, não é o caso, eu quero, acho que é um debate que a gente pode contribuir muito”, completa Freixo.

Fator Lindbergh
Saindo do palácio Tiradentes, na praça XV, rumo ao bairro de Laranjeiras, Freixo avalia a disputa pelo palácio Guanabara como “um jogo de xadrez”. A pré-candidatura do senador petista Lindbergh Farias coloca em xeque o desejo do governador Sérgio Cabral de fazer de seu vice-governador Luiz Fernando Pezão, também pemedebista, seu sucessor natural e balança a aliança PMDB-PT, inclusive na prefeitura, onde o vereador petista Adilson Pires acaba de ser reeleito vice-prefeito na chapa de Eduardo Paes, do PMDB.

“O Lindbergh está com a candidatura dele colocada. E o Eduardo Paes não é candidato ao governo, até porque se ele fosse ele daria a prefeitura ao PT. Em plena Copa do Mundo e Olimpíada eu acho que ele não vai fazer”, diz Freixo. E completa, “O Lindbergh sabe que o momento dele é para ser candidato agora. O que eu entendo é que o PMDB vai tentar fazer com que o PT não permita a candidatura do Lindbergh. Aí acho que passa por acordos nacionais do PMDB com o PT, e não sei se o Lindbergh, não tendo o PT, tenta um vôo por outro partido”.

Marcus Figueiredo também tenta decifrar a movimentação de peças. “O Rio ficou embolado para 2014. O que o PT vai fazer? Outra intervenção é uma parada, porque o Rio sofreu com intervenções do PT e quase acabou regionalmente, agora é que está se recuperando com Lindbergh. Vai fazer de novo? Não é fácil”, avalia. Para o cientista político, incluída aí a disputa pela prefeitura em 2016, quando Paes não poderá se recandidatar, “a médio prazo é melhor negócio o PT continuar a aliança com o PMDB. Em 2016, o PT com a vice, pode em uma dobradinha virar candidato”.

Nesse cenário 2014/16, Freixo não descarta as alianças, “tem resolução (o partido) sobre isso”, mas vê altos e baixos. “Olha, aliança com o PT é sempre complicado, porque o Psol saiu do PT, mas depende de qual a linha que o PT vai adotar. A linha que o PT vem adotando hoje é difícil uma aliança. Com o PMDB nem pensar, isso não, mas com partidos da base, PSB, PDT, PV, isso é possível”, finaliza.

domingo, 4 de novembro de 2012

Por que nossos estádios estão vazios


Ao copiarem políticas de “modernização” excludente adotadas na Europa, cartolas brasileiros alcançaram estranha proeza. Elitizaram esporte e mantiveram clubes pobres.
Por Irlan Simões
Curitiba, 10/12/2009. Estádio Couto Pereira: Torcedores do Coritiba, entre eles integrantes da torcida Império Alviverde, invadem gramado após término da partida que rebaixou do clube à Serie B do Campeonato Brasileiro. Confusão generalizada e ação desmedida da Policia Militar ocasionaram morte de um torcedor que não participou da invasão. O Coronel Ademar Cunha Sobrinho aponta que valor do ingresso, R$ 5, foi a causa do problema e sugere às presidências dos clubes uma medida que garanta “a elitização do público”.
São Paulo, 13/5/2010. Jornal Lance: J. Hawilla, proprietário da Traffic, um das maiores traders do futebol brasileiro, declara em entrevista: “A turma que vai à geral agora, ficará assistindo só na tevê. É gente que não consome nada, depreda e mata no metrô. Não interessa mais ao futebol. Dá orgulho ver o público pagar R$ 300 pelo ingresso”.
São Paulo, 24/5/2012. Programa Arena SporTV: Em debate sobre o alto preço pago pelos torcedores para frequentar estádios, o jornalista Alberto Helena Jr defende o que classificou como “nova tendência do futebol brasileiro”. Para ele o grande público, a massa, acompanhará aos jogos pela TV, enquanto o estádio terá a dinâmica de um teatro, com público elitizado.
Os casos acima – apenas alguns, entre muitos registrados nos últimos anos – ilustram uma lógica que vem ganhando força no futebol brasileiro. “Cartolas”, atores econômicos que veem no jogo uma fonte de lucros fáceis e comandantes das forças de segurança despreparados têm defendido, juntos, o aumento do preço dos ingressos. Sustentam que a exclusão dos torcedores mais pobres dos estádios seria a única saída viável para o esporte.
Os resultados impressionam. Em 30 de setembro, um domingo ensolarado, o Rio de Janeiro receberia mais uma vez um dos maiores clássicos do mundo. Entrariam em campo o líder do campeonato brasileiro, o Fluminense, um timaço com estrelas de nível internacional, e o seu arqui-rival, o Flamengo, embalado por uma sequência de bons resultados que animava os torcedores a uma arrancada.
O Fla-Flu tinha tudo para ser o grande jogo do ano. Tinha, não fosse um público pífio, de 23 mil torcedores que compareceram ao Engenhão. O velho torcedor rubro-negro ou tricolor provavelmente sentiu que aqueles tempos de plateias que superavam a marca de 100 mil torcedores – cena comum em dias de clássicos – foram-se para sempre.
Até o início da década de 1990, antes das sucessivas reformas que encolheram a capacidade do Maracanã, era possível ver públicos gigantescos, como o que levou mais de 112 mil pagantes em junho de 1995. Ainda em 2009, mais de 78 mil torcedores pagaram ingresso para ver o clássico no Maracanã. Acontece que de lá para cá o valor dos ingressos não parou de crescer.
Fetiche da modernização
É preciso relembrar o processo que arrastou – ou ergueu – o preço dos ingressos nos Brasil, a partir do início da década de 2000. Era o tempo da entrada de grandes investidores nos clubes, um momento que exigia do futebol brasileiro uma “modernização” elitista e excludente. Vislumbrando e idealizando modelos europeus, sem fazer a necessária diferenciação entre os parâmetros de consumo, emprego e renda, o futebol nacional entrou na aventura.
Um dos marcos desse processo foi o Atlético Paranaense. Desenvolvendo uma arrojada engenharia financeira, em contato com a multinacional de material esportivo Kyocera, construiu o que naquele tempo já se chamava de “arena multiuso”, o grande sonho de consumo dos clubes locais.
As arenas já eram realidade nas grandes competições europeias e o Brasil possuía um desejo quase obsessivo por estruturas daquele porte. O Atlético fez a sua. Foi campeão logo depois, quando os mesmos investidores montaram um elenco sem igual na história do clube e venceram o campeonato brasileiro pela primeira e única vez na vida. Era “o” clube, o exemplo que os atores econômicos do futebol brasileiro queriam difundir.
Durou pouco. Passada sua glória efêmera, o Atlético caiu para a segunda divisão e ainda não completou a estrutura da arquibancada da moderna arena, que os torcedores rivais hoje ironizam e qualificam como “semi-estádio”.

Ainda assim o clube marcou um período no qual quem investisse na “modernização” sentia-se no direito – apesar da revolta e boicote dos torcedores – de aumentar quanto pudesse o preço dos ingressos. Melhoramos a qualidade e o conforto da Arena da Baixada, a partir de 99, e entendemos que os preços teriam de ser equivalentes”, disse então Mário Petraglia, presidente do clube.

Opção pela elitização
O argumento espalhou-se pelo Brasil. O preço do ingresso deixou de ser uma questão de equilíbrio entre as contas do clube e as contas do torcedor. Tornou-se mera remuneração por um serviço. O próprio torcedor estava sendo ressignificado: agora, bastava que se comportasse como consumidor.
O que se viu, por todo o país, foi a criação de setores especiais, que se diferenciavam da arquibancada (então, ainda presente) por padrões diferenciados de conforto, serviço e, evidentemente, preço dos ingressos.
Foi uma mudança gradual. Primeiro, os setores especiais, com cadeiras de plástico, contrastavam com a aridez do cimento, às vezes custando o dobro. Aos poucos, foram se expandindo, até tomar a totalidade dos estádios. A fase seguinte seria a criação de “setores VIP”, com cadeiras mais confortáveis, agora contrastando com as de plástico… Entre 2004 e o início do campeionato brasileiro de 2012, a inflação oficial (IPCA) foi de 47,97%. Mas o preço dos ingressos aumentou, em média, três vezes mais – 152,06% –, segundo levantamento de O Estado de S.Paulo.
Os “setores populares” simplesmente deixaram de ser populares. Os melhores exemplos desse processo são os estádios São Januário (Vasco da Gama), Beira-Rio (Internacional), Olímpico (Grêmio, agora construindo novo estádio), Morumbi (São Paulo), Vila Belmiro (Santos), Palestra Itália (Palmeiras, em reforma), Barradão (Vitória) e Ilha do Retiro (Sport).
Ameaça ao futebol brasileiro
Que consequências trouxe a “modernização”, dez anos depois? Do ponto de vista social, os números são eloquentes. Entre 2007 e 2011, a média de público nos estádios, durante o campeonato brasileiro, caiu 16% – de 17,5 para 15 mil espectadores. Na disputa deste ano, nova queda abrupta: apenas 12,6 mil pessoas, em média, até a 33ª rodada. O “país do futebol” despencou para 17º do mundo, no ranking dos que mais atraem público a suas arenas. Está atrás dos grandes polos europeus (Alemanha, Inglaterra, Espanha e Itália); mas também de nações com tradição futebolística menos densa (México, Estados Unidos e China); de países com população 25 vezes menor que a nossa (Suíça); e até mesmo da segunda divisão do campeonato inglês…
Mas engana-se quem crê que copiar o futebol europeu teria, ao menos, colocado os clubes nacionais em paridade econômica com os do Velho Continente. A fórmula que alcançou resultados financeiros na Europa baseia-se em ingressos muito caros, para um público elitizado porém numeroso, devido a renda muito mais alta. Implantada mecanicamente ao Brasil, está esvaziando os estádios, sem oferecer aos clubes a mínima condição de se colocarem no patamar dos mais poderosos do mundo.
A tabela abaixo é eloquente. Ela mostra que a renda de estádio alcançada pelos clubes no campeonato brasileiro é 25 vezes inferior à arrecadação anual das equipes italianas, e 40 vezes menor que a dos times ingleses.
Quem assiste pela TV aos jogos dos campeonatos europeus e os compara com os nossos; ou sofre acompanhando as partidas da seleção brasileira tem a sensação desconfortável de que também regredimos do ponto de vista técnico. Para explicar este fenômeno, é preciso investigar múltiplas causas. Mas a elitização é, decerto, um fator destacado. Ao afastar dos estádios quem sempre deu vida a eles; ao transferir para o esporte a lógica de segregação social, a “modernização” pode estar matando a mágica que fez do futebol brasileiro, no século passado, um ícone da cultura nacional e uma expressão de arte apreciada em todo o mundo.