sábado, 19 de maio de 2012

O que está em jogo na Rio+20



Informe do Grupo de Articulação Internacionalizado da Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental
Pela unidade e a mobilização do povos, em defesa da vida e dos bens comuns, justiça social e ambiental, contra a mercantilização da natureza e a “economia verde”

A um mês da conferência das Nações Unidas Rio+20, os povos do mundo não veem resultados positivos no processo de negociação que está ocorrendo na conferência oficial. Ali não se está discutindo um balanço do cumprimento dos acordos alcançados na Rio 92, ou como mudar as causas da crise. O foco da discussão é um pacote de propostas enganosamente chamado de “economia verde” e a instauração de um novo sistema de governo ambiental internacional que o facilite.
A verdadeira causa estrutural das múltiplas crises é o capitalismo, com suas formas clássicas e renovadas de dominação, que concentra a riqueza e produz desigualdades sociais, desemprego, violência contra o povo e a criminalização de quem os denuncia. O sistema de produção e o consumo atual – representados por grandes corporações, mercados financeiros e os governos que garantem sua manutenção – produzem e aprofundam o aquecimento global e a crise climática, a fome e a desnutrição, a perda de florestas e da diversidade biológica e sócio-cultural, a contaminação química, a escassez de água potável, a desertificação crescente dos solos, a acidificação dos mares, a grilagem de terras e a mercantilização de todos os aspectos da vida nas cidades e no campo .
A “economia verde”, ao contrário do que o seu nome sugere, é outra fase da acumulação capitalista. Nada na “economia verde” questiona ou substitui a economia baseada no extrativismo de combustíveis fósseis, nem os seus padrões de consumo e produção industrial. Essa economia estende a economia exploradora das pessoas e do ambiente para novas áreas, alimentando assim o mito de que é possível o crescimento econômico infinito.
O falido modelo econômico, agora disfarçado de verde, pretende submeter todos os ciclos vitais da natureza às regras do mercado e ao domínio da tecnologia, da privatização e da mercantilização da natureza e suas funções. Assim como dos conhecimentos tradicionais, aumentando os mercados financeiros especulativos através dos mercados de carbono, de serviços ambientais, de compensações por biodiversidade e o mecanismo REDD+ (Redução de emissões por desmatamento evitado e degradação florestal).
Os transgênicos, os agrotóxicos, a tecnologia Terminator, os agrocombustíveis, a nanotecnologia, a biologia sintética, a vida artificial, a geo-engenharia e a energia nuclear, entre outros, são apresentados como “soluções tecnológicas” para os limites naturais do planeta e para as múltiplas crises, sem abordar as causas verdadeiras que as provocam.
Além disso, se promove a expansão do sistema alimentício agroindustrial, um dos maiores fatores causadores das crises climáticas, ambientais, econômicas e sociais, aprofundando a especulação com os alimentos. Com isso se favorece os interesses das corporações do agronegócio em detrimento da produção local, campesina, familiar, dos povos indígenas e das populações tradicionais, afetando a saúde de todos.
Como uma estratégia de negociação na conferência Rio+20, alguns governos de países ricos estão propondo um retrocesso dos princípios da Rio 92, como o princípio de responsabilidades comuns e diferenciadas, o princípio da precaução, o direito à informação e participação. Estão ameaçados direitos já consolidados, como os dos povos indígenas e populações tradicionais, dos camponeses, o direito humano à água, os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, dos imigrantes, o direito à alimentação, à habitação, à cidade, os direitos da juventude e das mulheres, o direito à saúde sexual e reprodutiva, à educação e também os direitos culturais.
Está se tentando instalar os chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que serão utilizados para promover a “economia verde”, enfraquecendo ainda mais os já insuficientes Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).
O processo oficial propõe estabelecer formas de governança ambiental mundial que sirvam como administradores e facilitadores desta “economia verde”, com o protagonismo do Banco Mundial e outras instituições financeiras públicas ou privadas, nacionais e internacionais, que irão incentivar um novo ciclo de endividamento e ajustes estruturais disfarçados de verde. Não pode existir governança global democrática sem terminar com a atual captura corporativa das Nações Unidas.
Repudiamos este processo e conclamamos todos para que venham fortalecer as manifestações e construções de alternativas em todo o mundo.
Lutamos por uma mudança radical no atual modelo de produção e consumo, consolidando o nosso direito para nos desenvolvermos com modelos alternativos com base nas múltiplas realidades e vivências dos povos, genuinamente democráticas, respeitando os direitos humanos e coletivos, em harmonia com a natureza e com a justiça social e ambiental.
Afirmamos a construção coletiva de novos paradigmas baseados na soberania alimentar, na agroecologia e na economia solidária, na defesa da vida e dos bens comuns, na afirmação de todos os direitos ameaçados, o direito à terra e ao território, o direito à cidade, os direitos da natureza e das futuras gerações e a eliminação de toda forma de colonialismo e imperialismo.
Conclamamos todos os povos do mundo a apoiarem a luta do povo brasileiro contra a destruição de um dos mais importantes quadros legais de proteção às florestas (Código Florestal), o que abre caminhos para mais desmatamentos em favor dos interesses do agronegócio e da ampliação da monocultura; e contra a implementação do mega projeto hidráulico de Belo Monte, que afeta a sobrevivência e as formas de vida dos povos da selva e a biodiversidade amazônica.
Reiteramos o convite para participação na Cúpula dos Povos que se realizará de 15 a 23 de junho no Rio de Janeiro. Será um ponto importante na trajetória das lutas globais por justiça social e ambiental que estamos construindo desde a Rio-92, particularmente a partir de Seattle, FSM, Cochabamba, onde se têm catapultado as lutas contra a OMC e a ALCA, pela justiça climática e contra o G-20. Incluímos também as mobilizações de massa como Occupy, indignados, a luta dos estudantes do Chile e de outros países e a primavera árabe.
Convocamos todos para que participem da mobilização global de 5 de junho (Dia Mundial do Ambiente); da mobilização do dia 18 de junho, contra o G20 (que desta vez se concentrará no “crescimento verde”) e na marcha da Cúpula dos Povos, no dia 20 junho, no Rio de Janeiro e no mundo, por justiça social e ambiental, contra a “economia verde”, a mercantilização da vida e da natureza e em defesa dos bens comuns e dos direitos dos povos.
Rio de Janeiro, 12 de maio de 2012
Assinam:
Grupo de Articulação Nacional e Internacional da Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental*.
Concorda com os pontos desta carta? Envie um e-mail para gainter@rio2012.org.br e peça a inclusão do nome da sua entidade na assinatura.
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*O Grupo de Articulação (GA) Internacional do Comitê Facilitador para a Sociedade Civil na Rio+20 (CFSC) da Cúpula dos Povos é formado por 35 redes, organizações e movimentos sociais de 13 diferentes países. Seus representantes trabalham junto ao GA Nacional (com 40 redes representadas) na coordenação metodológica e política da Cúpula dos Povos, evento paralelo e crítico à Rio+20, que vai reunir milhares de pessoas no Aterro do Flamengo, de 15 a 23 de junho.


sexta-feira, 18 de maio de 2012

Dossiê inédito mostra mais abusos em nome da Copa




Por Andrea Dip, Agência Pública
O Rio de Janeiro é uma das cidades onde as obras para a Copa mais estão removendo pessoas de suas casas em todo o país. A estimativa é que o governo gastará cerca de um bilhão de reais com desapropriações até 2014 só para implantar os chamados BRT’s (Bus Rapid Transit) – transporte previsto no projeto de mobilidade urbana para os megaeventos.
O Rio também é a única cidade entre as escolhidas para sediar os jogos que já tem uma lei desde 2009 que proíbe camelôs em um raio de 2 quilômetros dos estádios.
A capital é pauta de um dossiê exclusivo feito pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro e lançado nesta quinta-feira (19) em um debate com a presença de Raquel Rolnik no Rio, de forma simultânea com a Pública. O documento reúne denúncias de violações de direitos humanos nos preparativos para a Copa e ainda para as Olimpíadas de 2016.
O dossiê Megaeventos e violações dos direitos humanos no Rio de Janeiro foi produzido coletivamente por entidades e movimentos sociais que compõem o Comitê Popular local e traz dados sobre remoções, gastos públicos, análises sobre a falta de informação e participação dos mais afetados nos projetos de mobilidade e urbanização.
Faz ainda denúncias graves sobre a transferência de terras públicas para o setor privado através de parcerias  público-privadas e sobre condições precárias de trabalho nas obras da Copa como a reforma do Maracanã, que já enfrentou duas paralisações.
Moradia
O documento aponta que comunidades carentes têm sido expulsas de áreas valorizadas pela especulação imobiliária ou por serem pontos turísticos: “a maioria das remoções está localizada em áreas de extrema valorização imobiliária, como Barra da Tijuca, Recreio, Jacarepaguá e Vargem Grande”. E explica que a maioria dos conjuntos habitacionais produzidos pelo programa Minha Casa Minha Vida – uma das alternativas  do governo para as famílias removidas de suas casas – não está nas áreas beneficiadas com investimentos para a Copa e as Olimpíadas, e sim nas áreas periféricas da cidade, onde há baixa cobertura dos serviços públicos e infraestrutura urbana.
“Em alguns casos, a ausência ou precarização dos serviços públicos será provocada pelo recebimento de um contingente enorme de pessoas sem a correspondente ampliação dos serviços”.
Como o Copa Pública mostrou aqui e aqui, algumas formas de desapropriação têm sido arbitrárias. Segundo o dossiê, os moradores não são citados nos processos de expulsão por não constarem no Registro Geral de Imóveis, mesmo que tenham mais de 5 anos de ocupação sem contestação da posse – o que daria direito ao usucapião ou concessão de uso para fins de moradia.
O dossiê aponta que essas ações permitem “a demolição das casas sem escutar os moradores afetados” e violam “o princípio da precaução nas ações de despejo, reintegrações de posse e desapropriações que envolvam comunidades pobres e grupos vulneráveis”.
O documento fala ainda em remoções à noite, ameaças e até violência policial  como procedimentos adotados pelas sub-prefeituras e a derrubada de casas sem avaliação de impacto para as demais.
Um exemplo dado no texto é a remoção que aconteceu  no bairro Campinho, na zona norte do Rio, onde famílias tiveram suas casas derrubadas antes de  receber indenização. Em outros casos, as denúncias são de indenizações baixas tanto para moradores como para comerciantes: “Relatos de comerciantes  da Restinga, localizada no Recreio dos Bandeirantes, afirmam que a Prefeitura Municipal estava oferecendo R$ 14.400,00 e em Campinho, R$ 20.000,00. No caso da Comunidade do Metrô Mangueira, a situação é ainda pior, pois os moradores denunciam que os comerciantes da localidade não estão sendo indenizados” diz o documento.
Mobilidade
O Rio deve receber três grandes eventos nos próximos anos: A Conferência Rio+20, a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Um conjunto de intervenções nos transportes está previsto, com o nome de “Revolução nos Transportes”. Inclui a implantação dos Bus Rapid Transit (ônibus de alta velocidade) e o alongamento da Linha 1 do metrô. Segundo o dossiê, porém, estas obras não irão atender à demanda que já existe porque vão se concentrar  nos locais dos megaeventos:
“Primeiro, há uma forte concentração no município do Rio de Janeiro, lembrando que a região metropolitana tem 20 municípios. E, em segundo lugar, há uma desigualdade na distribuição desses investimentos no interior do município do Rio de Janeiro, com uma concentração maciça na Zona Sul e na Barra da Tijuca”, explica o documento.
Trabalho
O dossiê coloca as pressões exercidas pela FIFA e pelo COI como as principais responsáveis pela precarização do trabalho nas obras da Copa e pelas violações dos direitos dos trabalhadores que se tem visto por todo o país -Relembre o caso da Arena Amazônia
No caso específico da reforma do Maracanã,  duas paralisações já aconteceram. A primeira relacionada à explosão de um barril que armazenava produtos químicos  que feriu gravemente  um operário. Na ocasião, os dois mil trabalhadores entraram em greve denunciando os baixos salários e as condições precárias de trabalho, reivindicando  convênio médico e adicional de periculosidade. A segunda paralisação se deu por conta do descumprimento do acordo: “Os trabalhadores afirmaram que permaneciam sem plano de saúde, sem aumento no valor das cestas básicas e sem registro das horas extras no contracheque. Além disso, a insalubridade no canteiro de obras persistiu e, ao contrário do que previa o acordo anterior, houve uma queda de qualidade nas condições de trabalho”.
Trabalhadores informais
No que diz respeito à relação com os camelôs e trabalhadores informais – leia a matéria especial da Pública sobre as zonas de exclusão da FIFA – o documento aponta que a política de preparação da cidade é de militarização.
“Foram construídas duas UOPs (Unidade de Ordem Pública), quartéis da Guarda Municipal, na Central e no Maracanã. A Prefeitura Municipal aprovou na Câmara dos Vereadores uma legislação, em 2009, que proíbe qualquer camelô de trabalhar em um raio de 2 quilômetros dos estádios, hospedagem dos atletas e eventos relacionados”.
Esporte
O dossiê faz uma análise do que chama de “processo de elitização do futebol brasileiro”. Nesta tabela, mostra o aumento do valor dos ingressos e coloca que o Brasil segue sendo um país exportador de craques e que tem sido a maior fonte de renda dos clubes: “Exportam-se os jovens craques para serem refinados no exterior e compram-se os mesmos jogadores mais caros de volta, principalmente quando estes estão no fim de carreira”.
Ainda sobre o Maracanã, o dossiê  coloca que ele já ficou mais tempo parado do que em atividade  e que a reforma atual já está orçada em quase R$1 bilhão. “A previsão de abertura do estádio está para janeiro de 2013, quase 27 meses parado. Somando recursos de duas obras que aconteceram  lá, são quase R$1,5 bilhão de dinheiro público investido em um estádio que não recebeu um jogo sequer durante quatro dos últimos oito anos”.
Segurança
“O investimento público em segurança pelos megaeventos pode ser considerado um experimento no monitoramento de pessoas e lugares. No caso do Rio de Janeiro, a segurança pública relacionada aos megaeventos  está voltada para os interesses do mercado e terá o efeito de marginalizar ainda mais camadas sociais mais vulneráveis” denuncia o documento. E aponta que o investimento em UPPs representa o maior do Estado em segurança pública: “Só em 2014, o investimento será de R$ 720 milhões, prevendo um efetivo de 12 mil policiais. Não é por acaso que quase todas as primeiras 18 UPPs foram instaladas em favelas existentes nas regiões mais nobres da cidade, formando um ‘cinturão’ associado explicitamente às áreas das competições Olímpicas, aos sistemas de transporte que os entrelaçam e aos centros de maior poder aquisitivo”.
Orçamento e finanças
Em relação à Copa do Mundo, estão previstos pouco mais de R$ 4,1 bilhões entre financiamentos e investimentos, sendo mais de R$ 2,8 bilhões oriundos do governo federal. O dossiê lembra que o Banco Nacional para o Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, é a principal instituição de financiamento na capital. “ O Rio de Janeiro é a segunda cidade onde mais devem ser investidos recursos públicos, só sendo superada por São Paulo (onde estão previstos investimentos de R$ 5.145,15 bilhões)” e que a maior fatia deste bolo deve ir para mobilidade urbana, que representa 44,9% do total de investimentos previstos para a Copa e 59,6% para as Olimpíadas.
“Do restante dos investimentos para a Copa, 26,9% estão alocados na ampliação ou reforma da infraestrutura dos aeroportos e portos, e outros 21,1% na reforma do Maracanã”. Os investimentos previstos se concentram em áreas nobres da cidade, como a Barra da Tijuca e o Centro do Rio de Janeiro: “Percebe-se que o grande legado são os lucros apropriados por certos agentes econômicos que têm a cidade como o seu negócio”.
Outra denúncia importante diz respeito à transferência de recursos públicos para agentes privados na contratação de grandes obras ou em parcerias. “No caso do Maracanã, que está sendo reformado com recursos públicos, o governo do Estado do Rio de Janeiro anunciou a intenção de entregar sua gestão para um concessionário privado, já em fevereiro de 2013, na inauguração das obras para a Copa do Mundo em 2014. Conforme noticiou o jornal Brasil Econômico (27/10/2011), o bilionário Eike Batista, controlador do grupo EBX e oitavo homem mais rico do mundo -, admitiu interesse em participar do processo de privatização e da gestão do estádio Maracanã, como é popularmente conhecido o oficialmente estádio Mário Filho”.
Porto Maravilha
No caso do projeto revitalização da área portuária, o projeto Porto Maravilha , a parceria público-privada está ocorrendo por meio de uma operação urbana consorciada e da emissão de Certificados de Potencial Adicional de Construção-CEPAC. Pela lei aprovada, as empresas interessadas em construir na área portuária teriam de adquirir os certificados (em torno de seis milhões, cada um no valor mínimo de R$ 400), comercializados como títulos imobiliários negociados em leilões públicos supervisionados pela Comissão de Valores Mobiliários.
Ao todo, a operação urbana consorciada envolve uma área de quatro milhões de metros quadrados, que vai dos bairros da Gamboa, Saúde, São Cristóvão, Caju, Santo Cristo e Cidade Nova à Região da Leopoldina.
No entanto, no leilão realizado em 2010 para promover a primeira operação urbana consorciada do Rio (e a maior parceria público privada do Brasil, conforme o prefeito Eduardo Paes), a iniciativa privada não comprou nenhum título. O Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, controlado pela Caixa Econômica Federal, comprou todos os CEPACS com recursos do FGTS.
Posteriormente, em 2011, seria estabelecida a parceria entre o Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, gerido pela CAIXA, e a empresa Tishman Speyer, uma das maiores do mundo no ramo, para o desenvolvimento de um empreendimento imobiliário comercial na região do porto. O empreendimento prevê a construção de um conjunto de torres comerciais de alto padrão.
Participação popular
No que diz respeito à participação popular nas decisões e no acompanhamento dos projetos para os megaeventos, o documento esmiúça o organograma das entidades responsáveis e mostra que há pouco espaço para que a voz da população seja ouvida. Quando há a participação de alguma entidade civil, é apenas formal. É o caso do “Conselho de Legado”, uma entidade consultiva que reúne apenas quatro entidades: a Associação Comercial do Rio de Janeiro, Instituto dos Arquitetos do Brasil, Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário, ONG Rio Como Vamos. No total, entre entidades deliberativas, executivas e consultivas, são nove órgãos coordenando os megaeventos.
A ausência de diálogo e transparência com a população é evidente nos casos de remoção de habitações populares. Nas favelas da Vila Harmonia, Recreio II, Restinga, Sambódromo, Campinho e Metrô-mangueira os aviso de datas de remoção foram feitos horas antes da ação.
Também não há clareza na justificativa da remoção. As comunidades são situadas nas proximidades de intervenções que constam como “projetos olímpicos”, mas as explicações oficiais são mudadas constantemente. No vaso da Vila Autódromo, por exemplo, não se sabe se a remoção que ameaça acontecer é pela construção do Parque Olímpico, pela necessidade de ampliar corredores viários no local, por ocupar áreas de risco (segundo o dossiê, a favela é situada em lugar plano e não há registro de enchentes no local) ou por ser uma área de preservação ambiental.
Propostas do Comitê Popular
O Comitê Popular Rio defende que os direitos humanos básicos, como moradia, educação e saúde, “não podem ser comprometidos em nome dos megaeventos esportivos”. Eles acreditam que “as decisões sobre projetos e obras a serem realizados na cidade, envolvendo recursos públicos, ou mudanças das normas e marcos legais, sejam definidas considerando as necessidades e prioridades da população”. Ou seja, os “investimentos públicos na cidade devem promover o Direito à Cidade, e não sua elitização e mercantilização”. Também reivindicam  o “direito ao acesso e utilização dos espaços públicos pela população para a prática de atividades culturais e tradicionais como manifestações públicas e comércio popular”.
*Colaborou Jéssica Mota


quinta-feira, 17 de maio de 2012

EUA instalam novas bases militares na América do Sul


Bases estão sendo inauguradas na Argentina e no Chile

15/05/2012


Indira Carpio Olivo e Ernesto J. Navarro 

Em 24 de março de 2012, a página web aporrea.org , publicou uma nota de 4 dias antes, de matrizur.org , na qual afirma que o governador da Província de El Chaco, outorgava permissão para a instalação de uma base militar do Comando Sul nesse território argentino. 
Diz o texto: “O edifício, que será inaugurado este mês, está localizado no prédio do aeroporto de Resistência – capital da Província do norte do Chaco – e encontra-se em sua etapa final de construção, será assim, o primeiro centro de operações na Argentina. Só falta equipá-lo com tecnologia de informática e ceder o lugar para, em seguida, concluir com uma capacitação de pessoal”, disse o comandante estadunidense Edwin Passmore, do Comando Sul, que reuniu-se semanas antes com o governador Jorge Capitanich”. 
Dias mais tarde, em 05 de abril, o Chile de Sebastián Piñera abria as portas a esse mesmo Comando Sul. 
Um complexo militar, localizado no Forte Aguayo da comunidade de Concón, região de Valparaíso, a uns 130 quilômetros a noroeste da capital Santiago, foi inaugurado com honras.
Frente aos protestos, quem aparece é o Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Leon Panetta, afirmando que não é uma base militar operada por seu país, mas sim uma base chilena para treinamento de forças de paz das Nações Unidas. 
Atualmente o Comando Sul opera bases militares no Paraguai, El Salvador, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Panamá, Colômbia e Peru. 
Em entrevista ao programa de rádio La Brújula del Sur, Walter Goobar, escritor editor do semanário dominical Miradas al Sur e colunista do diário Tiempo Argentino, comentou que o Governo dos Estados Unidos já não chama “bases militares” a essas instalações financiadas pelo Comando Sul, agora em seu novo discurso são denominadas: Deslocamento Cooperativo de Segurança, CSL (iniciais em inglês) ou Deslocamento Adiantado Operativo, FOL. 
“O Comando Sul está tentando penetrar em diferentes países com programas que não sejam militares (ajudas para catástrofes, emergências, etc) com os quais se pode evitar as autorizações dos congressos, ou das autoridades nacionais”, afirma Goobar.
Apesar de o Governador da Província de El Chaco, Jorge Capitanich, negar rotundamente que a instalação cedida ao exército dos EUA seja uma base militar Goobar assinala: “Para mim é óbvio que se trata de instalações militares, financiadas pelo Comando Sul. Quem aparece da parte dos EUA, assinando acordos com o governador do Chaco, é o comandante Edwin Passmore um homem conhecido na Venezuela já que foi expulso por realizar atividades de espionagem, é um homem da inteligência estadunidense”. 
 
Controle da Tríplice Fronteira
O escritor e analista argentino assegura que a província de El Chaco é altamente transcendental por várias razões, “neste caso específico (uma base) se permite ao Comando Sul o controle de uma zona estratégica que é para onde convergem as fronteiras da Argentina, Brasil e Paraguai e por onde corre o famoso Aqüífero Guarani”. 
Ao perder a dianteira política na América do Sul, os Estados Unidos tem uma necessidade de controle do tipo territorial, Goobar agrega que “a instalação de bases em El Chaco e no Chile, permitirá também recrutar forças locais para tê-las sob suas ordens e em sua folha de pagamento”. 
Consultado sobre as razões do governador de El Chaco para outorgar a permissão, Walter Goobar nos disse: “Pessoalmente creio que o governador Capitanich está tratando de conduzir uma espécie de política exterior por conta própria. Está contradizendo os postulados básicos da política exterior de Néstor e Cristina Kirchnner”. 
 
Cercados?
Em seus artigos, Goobar analisa o deslocamento militar do Comando Sul e considera que “sim há razões para preocupar-se. Este deslocamento militar anda de mãos dadas ou no mesmo passo que o deslocamento da Grã-Bretanha no Atlântico Sul, nas ilhas Malvinas, com naves de tipo nuclear”. 
“Parte deste deslocamento tem a ver com o Pentágono prevendo algum tipo de crise nos países da Alba e também com um eventual ataque por parte de Israel e/ou Estados Unidos contra o Irã e a necessidade de ter sob controle seu próprio pátio traseiro”.
 
Desembarque militar
A base oferecida ao Comando Sul na Argentina pelo governador de El Chaco sob o eufemismo de “base de ajuda a emergências” está localizada no aeroporto principal da região. 
A razão? Walter Goobar explica: “Neste momento, a principal arma dos Estados Unidos são 7.500 aviões não tripulados chamados drones, e para operar estes aviões não é necessário o desembarque de fuzileiros, o único deslocamento militar necessário é um joystick, 14 telas de computador e um piloto que seja capaz de voar 3 drones ao mesmo tempo”. 
 
Passmore
O Coronel cumpriu “tarefas humanitárias” na invasão ao Afeganistão comandando suas tropas. Além disso, foi assessor de Inteligência do ministro da Defesa do Kuwait durante a invasão do Iraque. 
Desde 2005 serviu como adido militar na embaixada dos Estados Unidos na Venezuela, país do qual foi expulso por atividades de espionagem no ano de 2008. 
Em fevereiro de 2011, Edwin Passmore foi protagonista da introdução das valises diplomáticas “secretas” que continham aparatos para comunicações secretas, codificação e interceptação de comunicações, equipamentos de posicionamento global (GPS), pacotes de software (suporte lógico) e uma grande lista de substâncias narcóticas e psicotrópicas.”


quarta-feira, 16 de maio de 2012

Número de conflitos no campo volta a crescer

Melhora nas condições de vida não ameniza característica histórica da sociedade brasileira: pequena minoria tenta controlar acesso à terra; trabalhadores rurais mantêm luta pela reforma agrária 
Na Adital
Os dados que a Comissão Pastoral da Terra está divulgando dão conta de um crescimento de 15% no número total de conflitos no campo, em 2011, em relação a 2010. Passaram de 1.186, conflitos, para 1.363. As pessoas envolvidas, 559.401, em 2010, 600.925 em 2011, mais 7,4%. Estes conflitos compreendem 1.035 conflitos por terra, 260 conflitos trabalhistas e 68 conflitos pela água.
Os conflitos por terra é que apresentaram um crescimento mais expressivo. Passaram de 835, em 2010, para 1.035 em 2011, um crescimento de 24%. O número de famílias envolvidas cresceu 30,3%, passou de 70.387, para 91.735.
Este crescimento se deu em 17 das 27 unidades da federação. Foi mais expressivo na região Nordeste, 34,1%, que de 369 conflitos envolvendo 31.952 famílias, em 2010, passou para 495 conflitos envolvendo 43.794 famílias. O aumento mais significativo foi no Piauí, 130,8%, que passou de 13 conflitos em 2010 para 30 em 2011, e o número de famílias passou de 611 para 1.398, mais 128,8%.
As regiões Norte e Centro-Oeste também apresentaram crescimento tanto no número de conflitos, quanto no de famílias envolvidas. Norte: 258 conflitos, envolvendo 20.746 famílias em 2010; 307 conflitos e 27.111 famílias envolvidas em 2011, mais 19% no número de ocorrências, e 30,7% no de famílias envolvidas. O Centro-Oeste apresentou crescimento de 22% no número de conflitos e de 21,7%, no número de famílias envolvidas: 59 conflitos com 6.393 famílias em 2010; 72 conflitos com 7.778 famílias em 2011.
Já as regiões Sudeste e Sul apresentaram declínio no número conflitos, de 126 para 123 na Sudeste, menos 2,4% e de 41 para 37, menos 9,8% na Sul. No Sudeste o número de famílias envolvidas diminuiu de 9.945, em 2010, para 9.042 em 2011. Já no Sul, apesar do menor número de ocorrências de conflito, o número de famílias subiu exponencialmente: 196,8%, passando de 1.351 para 4.010.
O que se convencionou chamar de conflitos por terra, inclui os conflitos por terra, as ocupações e os acampamentos. Os assim denominados “conflitos por terra” se referem a expulsões, despejos, destruição de bens, ameaças de pistoleiros etc. Estes conflitos, em 2010, somaram 638, já em 2011 apresentaram crescimento de 26,2%, chegando a 805. O número de famílias envolvidas aumento 31,6%, passou de 49.950 famílias, para 65.742. No cômputo geral dos Conflitos por Terra, incluem-se as ocupações de terra e os acampamentos às margens das rodovias, ou nas proximidades de áreas que se reivindicam para desapropriação. As ocupações por famílias sem terra ou a retomada de áreas por comunidades indígenas ou quilombolas, apresentaram um crescimento de 11,1%. Passaram de 180, em 2010, para 200, em 2011. Já o número de famílias envolvidas apresentou crescimento de 35,1%, passaram de 16.858 famílias envolvidas, para 22.783. Os acampamentos sofreram uma redução de 35 para 30, menos 14,3%, com o número de famílias passando de 3.579 para 3.210, menos 10,3%.
Chama a atenção nos conflitos por terra o aumento do número de famílias expulsas. Um crescimento de 75,7%. Passaram de 1.216, em 2010, para 2.137, em 2011. Também teve crescimento significativo o número de famílias ameaçadas por pistoleiros, que passaram de 10.274 para 15.456, mais 50,4%. É o poder privado –fazendeiros, empresários, madeireiros e outros- voltando à liderança das ações. Este poder privado é responsável por 50,2% das ocorrências de conflitos por terra, 689 das 1.035.
Por outro lado, a ação do poder público, representada pelo número de famílias despejadas, decresceu 12,8%, foram 8.064 famílias, em 2010, 7.033 em 2011. Na análise do professor Carlos Walter Porto Gonçalves, a ação do poder público é mais expressiva quando a liderança das ações é dos movimentos sociais. Daí se infere que o poder público está pronto para agir quando os protagonistas da ação são os sem-terra, indígenas, quilombolas ou outros trabalhadores; já quando os protagonistas da ação são os senhores “proprietários” de terras e outros empresários, esta é vista como dentro da normalidade. Diz o professor: “Os dados parecem comprovar cientificamente o caráter de classe da justiça no Brasil, haja vista que a ação do poder público se move de acordo com a ação dos movimentos sociais em luta pela terra, mas se mostra indiferente com relação ao poder privado, na medida em que, como se observa, a intervenção do poder público aumenta ou diminui acompanhando o aumento ou queda da ação dos movimentos sociais”.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Marcelo Freixo no Roda Viva - Entrevista Completa



O pré-candidato do Psol à prefeitura do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, afirmou nesta segunda-feira, em entrevista ao programa Roda Viva, que, apesar da política das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), a violência na capital fluminense vem aumentando porque os braços econômico e territorial das milícias não têm sido combatidos. Segundo o deputado estadual, na época da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) presidida por ele na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), eram 170 as áreas dominadas por milícias, contra mais de 300 hoje. E alertou que, neste ano, "a milícia vai voltar a eleger gente. Depois de eleito, é mais difícil correr atrás".
Militante dos Direitos Humanos desde a juventude, Freixo vê nas UPPs uma "retomada militar de territórios estratégicos para um projeto de cidade" cujo critério de instalação "não é o da criminalidade". Embora reconheça avanços no trabalho do secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame, Freixo vê na política o problema da violência. "A polícia (do Rio) sempre foi o braço sujo da política", sustentou, ao descrever as milícias não como um poder paralelo, mas como um "Estado leiloado" que "tem projeto de poder e interfere em eleições". "Eles dominam todo o sistema de transporte alternativo no Rio de Janeiro. Quem é que domina todo o sistema de vans? É a milícia. Quem é que domina a distribuição de gás nesses lugares? É a milícia."
"Antes do Beltrame, você tinha figuras ali que foram presas. Quem estava à frente da polícia estava à frente do crime (...). Hoje, eu entendo que o governo (Sérgio) Cabral (PMDB) tem um processo de corrupção mais sofisticado, relacionado às empreiteiras, às áreas de saúde", afirmou, reiterando que, maior que o controle pelo terror exercito pelo tráfico, as milícias têm o braço do assistencialismo e que "se não tirar o domínio territorial e econômico, você não resolve".

Delta

Segundo o pré-candidato do Psol, "o governo (de Cabral) não tem coragem para abrir investigação sobre a (empreiteira) Delta porque aí o governo desmorona". O governador do Rio tem sido alvo de denúncias de favorecimento à construtora, e imagens suas ao lado do empreiteiro Fernando Cavendish em jantares e shows na Europa chegaram a ser divulgadas pelo deputado federal Anthony Garotinho (PR). A Delta é investigada em CPI no Congresso Nacional por envolvimento com o grupo do contraventor Carlinhos Cachoeira.

"Cabral vai acabar investigado na CPI de Brasília. Estão tentando blindar, mas tem que ir", afirmou Freixo, qualificando as fotos e vídeos de Cabral com Cavendish de "aviltante, uma desqualificação moral absurda". As críticas sobraram também para a administração municipal de Eduardo Paes (PMDB). Freixo lembrou que o Maracanã, reformado em 2007, "foi todo destruído em 2010" a preços inflados em relação aos orçados. Para ele, na construção da Linha 4 do Metrô também há favorecimento a particulares: o mapa da ampliação seria uma "linha", ao contrário do desenho de metrôs de outras cidades, porque, assim, "não precisa de licitação. A mesma concessionária continua administrando. Contraria todo o interesse da população para beneficiar uma empresa".
"O prefeito virou um síndico e despolitizou a política. Você não pode privatizar o espírito público. (...) É ótimo que (a cidade) tenha investimentos, ótimo que tenha empresários, mas não pode ser o investimento pelo investimento. Qual foi o legado do Pan-Americano (de 2007)? Nenhum. O sistema hospitalar melhorou? O saneamento básico melhorou? O sistema de transportes melhorou? Não", respondeu.

Campanha

Ao defender o financiamento público das campanhas eleitorais, Freixo lamentou que elas tenham virado "mercado" e garantiu que "quem nos doar, vai ter que dizer que doou" e que não aceitará o apoio de entidades como bancos e empreiteiras.

O pré-candidato também comentou uma suposta tendência de se valer de dramas e feitos pessoais para se promover. Após presidir a CPI das Milícias, que indiciou 225 pessoas e pediu investigação de mais mil, arrastando à prisão 500 acusados, o deputado passou a ser jurado de morte, em ritmo que teria chegado a uma ameaça a cada quatro dias no mês de outubro de 2011. Na época, recebeu convite da ONG Anistia Internacional para ir à Europa, oferta que ele alega ter aceitado para dar vazão às notícias de que sofria ameaças. Freixo rebateu as críticas afirmando que "jamais brincaria com a própria vida", lembrando que o crime organizado assassinou o seu irmão em 2006.
Em sua chapa para disputar a prefeitura do Rio, Freixo terá como vice Marcelo Yuka, ex-baterista da banda O Rappa. A ideia é compensar o pouco tempo de TV com o apoio do eleitorado jovem e de artistas como Wagner Moura e Marcelo Serrado. Sobre o seu posicionamento ideológico, o pré-candidato, petista de 1986 a 2005, quando migrou para o recém-fundado Psol, foi suscinto: "Sou socialista, mas vou disputar uma eleição, não fazer a revolução."

Drogas e jogo do bicho

Consultado pela comissão de juristas que elabora o Novo Código Penal - e para quem ele sugeriu a tipificação do crime de milícia -, Freixo se manifestou "a favor da descriminalização imediata das drogas e de um amplo debate sobre a legalização das drogas", argumentando que as práticas repressivas fracassaram em outros países.

Freixo também se posicionou a favor da criminalização do jogo do bicho, alegando que a prática esconde crimes mais severos.

Fonte: Terra
Vídeo completo da entrevista:


segunda-feira, 14 de maio de 2012

Economia e conflito armado - considerações preliminares



Por Jonuel Gonçalves

Os conflitos no começo do século XXI não apresentam mudanças significativas de motivação básica em relação a períodos anteriores. O conflito é, aliás, um dos elementos mais persistentes na história humana, enquanto que suas configurações armadas apresentam grande semelhança desde pelo menos o período napoleônico. Por isso, é quase lugar comum os especialistas afirmarem que os conflitos atuais são “velhas estratégias com novas tecnologias”.
Mas este elemento “novas tecnologias” introduz alterações de alto relevo, a primeira das quais é o aumento dos investimentos necessários para conduzir uma guerra e os consequentes impactos das despesas militares. Porém, o tipo de impactos difere  quer se trate de países mais pobres, de renda intermédia ou de renda  alta.
Assim, guerras civis ou entre Estados, nas últimas décadas do Sudão, Etiópia ou Eritreia, exercem pressões de atraso muito acima de outras partes do globo. Com  a incipiência  material em que vivem países como os três mencionados, qualquer conflito obriga a vultuosas importações para equipar e assegurar até o consumo mínimo dos combatentes, em detrimento de bens de consumo vital para a população ou indutores de crescimento. O elevado número de mobilizados representa também uma  forte hipoteca para o futuro, quando no final dos conflitos se procede á desmobilização, e as estruturas locais do mercado de trabalho não revelem capacidade para absorver essa elevada  quantidade de pessoas pouco qualificadas, parte das quais poderão ter guardado armamento ligeiro.
Em países de altos gastos militares e níveis de renda mais elevados que aqueles, como Egito, Israel ou Arábia Saudita, grande parte dos investimentos militares são canalizados para indústrias locais, seja de armamento ou de outros bens consumidos indistintamente por civis e militares. Uma redução dos efetivos também é mais absorvível pelo mercado de trabalho ou por entidades de proteção social e reciclagem profissional, que nos países  mais pobres.
Uma parte dos orçamentos de defesa israelense e egípcio, por exemplo, dão lugar a pesquisa ou aplicação tecnológica em vários ramos, desde a medicina à informática e ao nuclear.
Se tais elementos minimizam o desperdício em relação aos PMA (designação diplomática da ONU para evitar a expressão de “atrasados”), não anulam os custos de manter centenas de milhar de pessoas fora dos circuitos produtivos e as elevadas faturas de operação dos meios bélicos sofisticados. Ponto comum nas duas categorias de países: as políticas de defesa reduzem as reivindicações sociais, na medida em que apontam a defesa como prioridade absoluta e acusam os protestos de sabotagem política ou traição.
É nos países mais industrializados que a inserção das despesas militares em nível macroeconômico é mais acentuada e com mais efeitos de alta no PIB e mercado de trabalho. Com frequência surgem sinais de que as despesas militares desses países – mesmo nas suas fases de maior euforia “mercadista” – funcionam como despesas públicas estimulantes para vários ramos da economia, favoráveis aos grandes contratos de nova e alta tecnologia. Indispensáveis também para as pautas de exportação, de tal forma que os governos montam marketing permanente em favor dos seus produtos de uso militar, principalmente quando se abrem grandes concursos para modernização de forças armadas de países emergentes, do tipo África do Sul pós-apartheid ou Brasil em 2009/2010.
Os custos de defesa nos Estados Unidos continuam sendo parcela importante das despesas públicas, que se transformam em renda para múltiplas empresas e setores, através de encomendas que vão desde cereais até aeronáutica da ultima geração, passando pela utilização de infraestruturas e recurso a experts civis.
Desde a guerra contra a Espanha no Caribe e nas Filipinas, que a economia norte-americana tem  adequado sua estrutura econômica aos conflitos além fronteiras. Desde sempre é o Estado federal quem desempenha papel decisivo e a denominada Revolução nos Assuntos Militares (RMA) é consequência da evolução tecnológica civil que esteve na base da recuperação econômica do período Clinton.
Quando um país é produtor de toda a cadeia de material bélico e há relação estrutural militar-industrial, será muito difícil vencê-lo apenas em virtude das despesas militares, podendo mesmo ocorrer que essas despesas causem aumento percentual do PIB, desde que não ocorram destruições materiais no seu território.
Em termos estritamente econômicos, estamos longe de igual capacidade nas economias emergentes em conflito, na medida em que  seus volumes de importações em tecnologia ainda são muito altos e grande parte dos investimentos de defesa são feitos em detrimento de outras necessidades financeiras. Quanto às guerras nos PMA, elas  ficam simplesmente fora de qualquer idéia de comparação, por serem apenas predadoras do ponto de vista do desenvolvimento econômico.
Nas guerras internas das duas últimas décadas, onde pelo menos um dos beligerantes era Estado com algum poder, o financiamento saiu dos orçamentos, quer dizer, pago pelos contribuintes ou pelo recurso a venda de produtos valiosos que, teoricamente, estariam destinados a financiar projetos de desenvolvimento. Nos palcos de guerras civis a sul do Tropico de Câncer, não se assistiu ao surgimento de indústrias bélicas  modernas, ou seja, a dependência externa neste ponto (como em muitos outros) permaneceu.
De fato, nas áreas subdesenvolvidas com tradição de violência, a indústria de armamento cresceu em países de maior dimensão que nunca chegaram ao estágio de guerra civil: Brasil, Índia, África do Sul e Paquistão, embora este seja ciclicamente ameaçado de guerra interna.
Nas guerras localizadas que fazem parte de  conflitos regionais – Palestina e Cashemir – os financiamentos são assegurados a quase 100% por países  da região que, na prática, por vezes combatem por interposta força: Israel, Irã, Índia, Paquistão
Nas guerras de pobreza (Libéria, Serra Leoa, Sri Lanka, Somália, Iêmen, Filipinas, Colômbia, Afeganistão e zonas curdas fora do Iraque) três meios principais permanecem disponíveis no começo do milênio, com efeitos devastadores e promotores de grandes fortunas. São extensas redes paralelas que atuam com base em drogas proibidas, nos diamantes e em transferências clandestinas de moeda. A Colômbia e o Oeste Africano, constituem os dois espaços mais notórios para a transformação de drogas e diamantes em equipamento militar, enquanto que o terrorismo jihadista possui fontes próprias, a partir de fortunas de algumas grandes famílias e milhares de contribuições regulares de simpatizantes, reproduzidas por canais que os respectivos movimentos protegem estritamente.
Estas redes  fazem parte do topo da economia internacional fora da lei, que partilham com a corrupção executada a partir de bens públicos, no quadro de estratégias pessoais de enriquecimento inseridas em projetos de poder.
Sob a ótica da  base econômica da violência, as inserções das drogas, dos diamantes e das contribuições diretas à aquisição de armamento são evidentes, mas há diferenças entre elas. Os tráficos são geridos por empresas clandestinas de fornecedores; as contribuições são doações administradas pelos beneficiários; os desvios de fundos públicos resultam de abusos de poder (no Estado ou nas empresas) que, na maior parte do mundo não decorrem nem conduzem a violência física, mas são protegidos com violência em alguns Estados africanos. Nesses casos, as maiores violações dos direitos humanos, incluindo fraudes eleitorais, alteração de dados contábeis, disfarces fiscais, tortura e assassinatos, decorrem de tal pratica e, a similaridade no recurso á ilegalidade e brutalidade, dão-lhes perfil idêntico ao das máfias da droga e dos diamantes, configurando situações de Estado mafioso.
Um item importante da economia dos Países Menos Avançados (PMA) é a ajuda externa, muitas vezes apresentada como cooperação e que tem componentes explicitamente militares, como ajuda á formação e desenvolvimento de forças armadas e serviços de polícia. Esses programas de ajuda por parte dos Estados Unidos, várias vezes ao longo do século XX contribuíram para golpes de Estado e manutenção de ditaduras brutais nas Américas. O mesmo sucedeu na África com antigas metrópoles em relação a suas ex-colônias, para garantir regimes favoráveis.
Perto de finais do século XX, o Fundo Monetário Internacional passou a adotar uma política de crédito mais restritiva em relação aos PMA, no sentido inverso do que ocorria no mercado de crédito dos desenvolvidos. A razão principal era não aumentar o endividamento externo, mas teve também como efeito reduzir o numero de projetos que, pelo menos em alguns países, seriam portadores de crescimento, com a  agravante de que o esperado investimento direto estrangeiro (IDE) nesses países tem sido decepcionante. 
Aproveitando o “vazio” criado e combinando com seus interesses nacionais, a China passou a propor investimentos e créditos vantajosos no curto prazo a diversos Estados africanos, orientados para contratos de construção civil com empresas chinesas, acordos de exportação de matérias-primas e importação de bens primários de baixo custo. Os efeitos deste movimento são positivos no imediato consumo popular e na recuperação de algumas infraestruturas, mas apresenta externalidades com riscos institucionais: contribuem para prolongar governos repressivos ou corruptos. De fato, foram significativas as medidas de crédito e investimento anunciadas pelas autoridades chinesas no Sudão durante os piores momentos da crise do Darfur, no Zimbabwe em fases de acusação de fraudes eleitorais e na Guiné-Conacry após o brutal massacre de manifestantes pacíficos contra a junta militar em setembro de 2009, sinais de natureza  a encorajar autoritarismos em outros países de fracas sociedades civis e cujos governos só hesitam no regresso a métodos de partido único, com receio de isolamento internacional.
A  capacidade de exibir meios poderosos para vencer conflitos é uma manifestação central de poder, seja dentro dos países, seja à escala planetária, sendo neste detalhe que o fator tecnológico ganha centralidade, a ponto de alterar dados do exercício de poder.
A via do recurso à força armada obriga a esforço de modernização constante de meios, como forma de dissuasão, de pressão indireta sobre potenciais adversários ou de atuação direta em ultimo caso. O nível tecnológico desses meios é absolutamente decisivo e decorre obviamente da capacidade produtiva ou importadora, de sua colocação nos espaços táticos e estratégicos e de sua utilização competente. Significativamente, nos Estados mafiosos, de baixo índice de inovação tecnológica geral, as forças repressivas apresentam material sofisticado.
Em contextos de conflito ou não, tecnologia é poder e as novas tecnologias introduziram varias mudanças capitais na estrutura mundial, com quatro características:
- o fator principal para o alargamento ou a redução da diferença entre grupos de países, reside na maior ou menor capacidade de utilização das novas tecnologias e sobretudo na sua produção. Daí a centralidade dos direitos autorais, de patentes e da criação de genéricos.
- os Estados Unidos assumem uma posição de super poder militar mas, mesmo possuindo o maior PIB do mundo,  sua força econômica não tem o mesmo impacto da capacidade  bélica.  Nas utilizações não militares, o domínio das novas tecnologias em outros países, produziu efeitos de crescimento macroeconômico, apesar das crises, sobretudo se avaliarmos o médio prazo.
- assim, a produção das novas tecnologias foi em boa escala absorvida por algumas economias subdesenvolvidas de grande dimensão, com tendência para reduzir as diferenças com o centro e refazer um quadro multipolar, em termos econômicos e tecnológicos. Tal fato permite, desde a ultima década do século XX, mudanças nas percentagens de participação no comércio mundial, aumento dos países com acesso a fontes de energia sensíveis e reciprocidade de efeitos entre forças armadas e indústria, contribuindo para distinções de envergadura entre os países subdesenvolvidos.
- do ponto de vista social, porém, o impacto das novas tecnologias não foi inteiramente absorvido em nenhum país. Embora exista uma forte graduação nesta deficiência, a transição  tecnológica decorre  com  renovação de desequilíbrios sociais em todos.

Jonuel Gonçalves é doutor pela UFRRJ. Autor de vários livros, capítulos e artigos em Ciências Sociais e um romance “Café Gelado”. Comentarista da TV Futura. E-mail:jogo34@hotmail.com


Fonte: Algo a Dizer