sábado, 12 de maio de 2012

A Atualidade de Marx





O renascimento – a palavra justifica-se – do marxismo acompanhou o avolumar da contestação dos povos ao sistema responsável pela crise mundial
10/05/2012

Miguel Urbano Rodrigues

Uma campanha de âmbito mundial proclamou após a desagregação da URSS o fim do marxismo. Para os teólogos do capitalismo, o neoliberalismo seria a ideologia definitiva. O movimento da História teria demonstrado a inviabilidade do socialismo; o marxismo foi identificado como arcaísmo obsoleto nas grandes universidades do Ocidente.
Essas profecias foram rapidamente desmentidas. A Humanidade não entrou na era de progresso, abundância e democracia anunciada por George Bush pai. Ocorreu o contrário: uma crise de civilização abateu-se sobre o planeta Terra. Uma prodigiosa concentração da riqueza foi acompanhada pelo alastramento da pobreza. Fomes cíclicas assolaram países da África e da Ásia e, no início do século 21, o capitalismo entrou numa crise estrutural de proporções globais.
Sem soluções, porque a lei da acumulação não funciona mais de acordo com a lógica do capital, os EUA, polo do imperialismo, desencadeiam guerras monstruosas, saqueando os recursos naturais de países do ex-Terceiro Mundo. Simultaneamente, a crise financeira e econômica iniciada nos EUA, ao alastrar à Europa, contribuiu para o descrédito do neoliberalismo e da democracia representativa de modelo ocidental.
O renascimento – a palavra justifica-se – do marxismo acompanhou o avolumar da contestação dos povos ao sistema responsável pela crise mundial.
Paradoxalmente, a social democratização de muitos partidos comunistas, resultante da derrota temporária do socialismo na Rússia, coincidiu com uma renovação do interesse pela obra de Karl Marx. A crise do capitalismo, afinal, vinha confirmar a validez e atualidade do seu legado.
Filósofos como o húngaro István Mészáros, o italiano Domenico Losurdo, os franceses Georges Labica, Georges Gastaud, Jean Salem, Alain Badiou, o esloveno Slavoj Zizek escreveram trabalhos que, a partir da obra do autor de O Capital, confirmam a atualidade do materialismo histórico e dialético como o instrumento dinâmico indispensável à compreensão dos grandes problemas e desafios sociais do nosso tempo. Na América Latina ocorre o mesmo. Os livros de marxistas como Florestan Fernandes, Caio Prado Junior, José Carlos Mariátegui são tema de teses de doutoramento. Os livros de acadêmicos prestigiados, como os brasileiros Ricardo Antunes,Virginia Fontes, Mauro Iasi, Milton Pinheiro, os argentinos Cláudio Katz e Julio Gambina, o boliviano Marcos Domich, o cubano Osvaldo Martinez, entre outros, exemplificam bem a vitalidade do marxismo no Sul do continente.
É precisamente por temer o explosivo renascimento do pensamento revolucionário que o imperialismo se esforça por promover a alienação das massas e vê com simpatia a transformação de partidos operários tradicionais em organizações reformistas, inofensivas para o sistema. Foi nesse contexto que surgiu o Partido da Esquerda Europeia. Não obstante a maioria desses partidos serem nominalmente comunistas, atuam sobretudo dentro do sistema parlamentar, secundarizando a luta pelo socialismo como objetivo principal. No panorama europeu, o Partido Comunista da Grécia surge hoje como a grande exceção à tendência majoritária que privilegia a linha reformista. Por isso mesmo, acompanhar os acontecimentos da Grécia, refletir sobre eles e apoiar o combate dos trabalhadores gregos se tornou um dever revolucionário. Eles se batem hoje pela humanidade. O que é valido para a Grécia não é obviamente transponível para outros países da zona euro.
Em Portugal – o PCP também não aderiu ao Partido da Esquerda Europeia – as condições subjetivas não são favoráveis para a luta como na Grécia. O meu povo acompanha angustiado o desenvolvimento da estratégia ultrarreacionária do governo de Passos Coelho. Há dois anos que a sua resposta à politica que está a destruir o país não para de crescer. Mas é ainda insuficiente. As gigantescas manifestações de protestos e duas greves gerais realizadas com êxito, confirmaram a disponibilidade das massas para a luta. Mas, para abalar o sistema, a luta terá de adquirir um caráter permanente, nas fábricas, nos portos, nas escolas, na administração, em múltiplos locais de trabalho, nas ruas.
Após quase meio século de fascismo, o povo português foi sujeito de uma grande revolução. Assassinada pela burguesia, as suas sementes não desapareceram. Voltarão a germinar, porque o capitalismo está condenado. Daí a atualidade de Marx. 

O socialismo é a única alternativa à barbárie.

Miguel Urbano Rodrigues é jornalista e escritor português.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

A corajosa nomeação de Brizola Neto


Novo ministro teria muito a contribuir, tanto nos temas de Trabalho quanto na democratização das comunicações. Mas haverá em sua escolha mais que mera simbologia?
Por Antônio Martins
O Palácio do Planalto confirmou ontem o nome do novo ministro do Trabalho: Brizola Neto, descendente e inspirado pelo velho Leonel, deputado federal pelo PDT-RJ e participante ativo da blogosfera, onde mantém o polêmico (e muito bem-informado)Tijolaço. Há três simbologias implícitas no ato.
A primeira é uma tentativa de aproximação de Dilma com a primeira geração do trabalhismo brasileiro. Expressa nas figuras de Getúlio Vargas, Leonel Brizola e João Goulart, ela quase nada tem a ver com o PDT de hoje — mas o ministério do Trabalho é um de seus grandes símbolos. Foi criado por Getúlio, em 1930 (à época, como ministério do Trabalho, Indústra e Comércio). Mais tarde, ao ocupá-lo durante poucos meses (junho de 1953 a fevereiro de 1954), Jango iniciou a trajetória nacional que o levaria à Presidência. Elevou o salário-minimo em 100% (depois de quatro anos de congelamento). Atraiu a ira dos conservadores, que forçaram sua saída, no âmbito do movimento para depor o próprio presidente.
O segundo símbolo relaciona-se à mídia. Brizola Neto contrapõe-se a Miro Teixeira, que foi ministro das Comunicações e é conhecido por suas amplas ligações com o oligopólio instalado no setor. Ambos pertencem ao PDT fluminense. Mas Brizola Neto é uma defensor constante de políticas para ampliar a liberdade de expressão (intervém constantemente sobre o tema no Tijolaço, esteve presente nos dois primeiros Encontros Nacionais de Blogueiros Progressistas). Já Teixeira tem atuado na chamada “CPI do Cachoeira” para evitar que esta investigue os sinais de envolvimento da mídia (em especial da revista Veja) com o tráfico de influências protaganizado pelo bicheiro e seu parceiro, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). A tentativa de blindagem está narrada no site 247.
Por fim, Brizola Neto tem fortes laços com os movimentos sociais, como deixa claro o vídeo acima (para poupar formalidades protocolares, veja a partir de 1m30s), que registra sua fala, e a de João Pedro Stédile, na cerimônia em que a Câmara dos Deputados confere a medalha Mérito Legislativo ao líder do MST (e a dezenas de outros agraciados). A parte mais conservadora da plateia vaia Stédile. Ele e Brizola respondem em entrevistas onde denunciam o comportamento intolerante das elites brasileiras.
Haverá mais que simbologias na nomeação do novo ministro? A resposta virá nos próximos meses. O ministério do Trabalho é apenas uma sombra do que foi em 1954: todas as políticas que dizem respeito à distribuição de riquezas são hoje articuladas pela chamada “área econômica” do governo (deve-se reconhecer que tem havido, há seis anos, lenta recuperação dos salários). No terreno das Comunicações não surgiram, por enquanto, sinais de que o governo esteja disposto a grandes projetos de sentido democratizante. O Plano de Banda Larga arrasta-se, com a Telebras desativada e o governo apenas observando a má-vontade das empresas privadas que dominam o setor.
A nova nomeação significará novos rumos? Ou Brizola será refém da máquina e de seu posto? Quem o conhece sabe que ele dificilmente se conformaria a esta condição…

quinta-feira, 10 de maio de 2012

"A cultura escravocrata permanece viva no Brasil e querem naturalizá-la"




Do Instituto Humanitas Unisinos



Mais de um século depois da aprovação da Lei Áurea, o trabalho escravo volta à pauta de discussão do Congresso Nacional, porque a escravidão “continua presente na sociedade”, diz Pedro Abramovay à IHU On-Line.

A expectativa é de que o Congresso vote hoje a PEC 438, que propõe o confisco de propriedade em que forem encontrados casos de escravidão. De acordo com Abramovay, somente na última década “mais de 35 mil escravos foram libertados. Mas há reações dos setores conservadores, sobretudo no Congresso, que insistem em dizer que jornadas de 18 horas baseadas em dívidas impagáveis, que prendem o trabalhador a uma propriedade, não é escravidão”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Abramovay esclarece que o perfil dos trabalhadores escravos é variado e atinge homens, mulheres e crianças. Embora os casos estejam historicamente associados ao setor rural, é crescente o número de acusações de trabalho escravo no setor têxtil, afinal, aponta, “trata-se de um setor dinâmico, criativo, ligado à inovação típica do século XXI, mas que tem uma parte considerável de sua cadeia produtiva ancorada em oficinas de costura que se utilizam largamente da mão de obra escrava”.

Pedro Abramovay é graduado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP e mestre em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. Foi secretário nacional de justiça e secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça. Atualmente é membro da Avaaz, responsável pela campanha Fim à escravidão no Brasil.



Confira a entrevista:

Nesta terça-feira o Congresso irá votar a PEC 438, que propõe o confisco de propriedade em que forem encontrados casos de escravidão. Como está esse debate? Que forças políticas apoiam e reprovam essa iniciativa?

O debate está muito positivo. A PEC já foi aprovada no Senado e em primeiro turno na Câmara. Estamos realizando uma grande mobilização para o dia 8 de maio, com centrais sindicais, artistas e a força da opinião pública brasileira para que se possa votar a PEC. No dia 8-5-2012 entregaremos uma petição da Avaaz pedindo a aprovação da PEC. Já reunimos mais de 56 mil assinaturas. Ainda há setores retrógrados no Congresso que se opõem à PEC sob o argumento de que não se compreende que esse tipo de trabalho é normal no Brasil. Se é normal tem que deixar de ser. O Brasil tem que romper de vez com sua cultura escravocrata.


O que caracteriza o trabalho escravo na modernidade? A que situações e condições de trabalho as pessoas são submetidas?

O trabalho escravo, atualmente no Brasil, pode se manifestar de muitas formas. Claro que a primeira imagem que vem na cabeça é a de pessoas mantidas presas ao trabalho e forçadas a trabalhar por pessoas armadas. Isso ainda existe no Brasil. Mas o trabalho escravo não é só isso. Há pessoas que são obrigadas a trabalhar de graça porque contraem dívidas perversas, há situações de pessoas que estão em lugares que não há transporte para sair de lá e permanecer naquele local trabalhando é a única alternativa. E há desrespeitos tão grandes da legislação trabalhista (jornadas de 18 horas, falta de segurança, trabalho infantil) que são equiparados ao trabalho escravo.

Como a legislação brasileira define e aborda casos de trabalho escravo no país?

O código penal estabelece que reduzir alguém à condição análoga de escravo é crime com pena de 2 a 8 anos. E nessa conduta se enquadram tanto o trabalho forçado como a jornada exaustiva, as condições degradantes de trabalho, a restrição da locomoção em razão de dívida ou outras formas de se reter o trabalhador no local de trabalho contra a sua vontade.

Quais são as razões de ainda existir trabalho escravo no Brasil?

Há mais de um século Joaquim Nabuco profetizou: “A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil. Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do país, e foi a que ele guardou; ela povoou-o como se fosse uma religião natural e viva”. Infelizmente, ele tinha toda razão. A cultura escravocrata permanece completamente viva no Brasil. Muitas vezes escutamos gente defendendo fazendeiros que mantêm pessoas como escravos alegando que esse tipo de regime é normal no campo.

Querem naturalizar a escravidão. O Brasil, que conseguiu feitos tão extraordinários nos últimos anos, não pode mais conviver com essas práticas do século XIX. A missão de acabar com a pobreza extrema é fundamental e está sendo atingida. O grande desafio agora é garantir que isso se dê com a universalização da cidadania. Relações de trabalho baseadas na lógica do século XIX não podem mais ser aceitas.

Em que setores industriais o trabalho escravo é mais recorrente?

A imagem de trabalho escravo é muito associada a fazendas ou carvoarias. É verdade que isso ainda ocorre muito no campo. Mas a indústria têxtil talvez me impressione mais. Afinal, trata-se de um setor dinâmico, criativo, ligado à inovação típica do século XXI, mas que tem uma parte considerável de sua cadeia produtiva ancorada em oficinas de costura que se utilizam largamente da mão de obra escrava. O Ministério do Trabalho e o Ministério Público têm feito um importante serviço. Mas a mobilização neste tema tem que ser muito maior. Não se pode admitir que essas situações ainda aconteçam em uma cidade como São Paulo.

Qual é o perfil do trabalhador escravo? Tal como nos séculos passados, é ele majoritariamente negro?

Há o trabalho escravo ligado ao setor rural, há o trabalho escravo mais urbano, há o trabalho escravo relacionado à prostituição. Então, o que se pode dizer é que o trabalho escravo afeta os vulneráveis em geral, os pobres, os negros, mulheres, imigrantes.

Como avalia o debate sobre a escravidão no Brasil? Como a sociedade se manifesta em relação a essa temática?

Há uma certa distância do tema. Como se a escravidão tivesse sido abolida em 1888. Não foi. Ela continua presente na sociedade. Mas há uma vergonha em se admitir isso. O tema permanece escondido. Por isso é fundamental que nos mobilizemos para denunciar o que acontece e lutar contra isso.

Como o Estado brasileiro e, especialmente, o Ministério do Trabalho se posicionam diante de casos de trabalho escravo no país?

Houve muito avanço. Na última década mais de 35 mil escravos foram libertados. Mas há reações dos setores conservadores, sobretudo no Congresso, que insistem em dizer que jornadas de 18 horas baseadas em dívidas impagáveis, que prendem o trabalhador a uma propriedade, não é escravidão.

Que políticas ou leis são necessárias para pôr fim à escravidão?

A grande luta, hoje, é pela aprovação da PEC 438. Essa proposta permite que, assim como no caso de uma propriedade que é usada para a produção de drogas, possa-se confiscar a propriedade na qual se encontre trabalho escravo. Isso é fundamental. Porque, se é verdade que hoje submeter alguém à condição de escravo seja crime, o crime muitas vezes não atinge o verdadeiro proprietário das terras. Ou seja, prende-se algum laranja e isso não afeta o negócio que é baseado no trabalho escravo. Com a mudança na Constituição, estaremos atingindo o bolso daqueles que enriquecem com o trabalho dessa espécie.


Deseja acrescentar algo?

Peço a todos aqueles que querem livrar o Brasil da escravidão que assinem a petição para mostrar ao Congresso Nacional de que lado está a população brasileira. A Lei Áurea foi assinada quando o Brasil foi, pela primeira vez, governado por uma mulher. Vamos brigar para que no governo da primeira presidenta eleita democraticamente possamos acabar definitivamente com a escravidão.




quarta-feira, 9 de maio de 2012

Estudos apontam que aumento do câncer segue ritmo do lucro com agrotóxicos




Por José Coutinho Júnior
Da página do MST


Dois estudos lançados recentemente associam o uso de agrotóxicos ao surgimento do câncer na população brasileira. O dossiê feito pela Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde aponta que um terço dos alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros está contaminado.

O estudo foi feito a partir da análise de amostras coletadas em todas as 26 estados do Brasil, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2011.


Estudo do Instituto Nacional de Câncer (Inca) sobre o câncer relacionado ao trabalho, revela que há em torno de 500 mil novos casos da doença por ano, e muitos desses casos ocorrem por contaminação por agrotóxicos (seja na sua aplicação e exposição pelos trabalhadores nas lavouras, seja no acúmulo de veneno nos alimentos).


O estudo afirma que os venenos agrícolas devem estar no centro da preocupação da saúde pública, devido ao grande número de estudos anteriores que apontam o potencial cancerígeno dos agrotóxicos, além da ocorrência de outros agravos relacionados a esses produtos.


Uma série de agrotóxicos comprovadamente causa câncer, como o DDT/DDE, o 2,4-D, o lindane, o clordane, o agente laranja, o aldrin, o dieldrin, o alaclor, a atrazina, o glifosato, o carbaril, o diclorvos, o dicamba, o malation, o MCPA e o MCPP ou mecoprop.


O estudo relaciona câncer de mama, estômago e esôfago, cavidade oral, faringe e laringe e leucemias ao uso dos agrotóxicos.


Essas substâncias produzidas por grandes empresas transnacionais do agronegócio
contaminam os alimentos consumidos e causam doenças nos trabalhadores que que aplicam os produtos nas lavouras.


De acordo com o estudo, a população rural é uma das mais afetadas, pois é o setor mais exposto aos agrotóxicos. Por fim, os venenos também são responsáveis por contaminar as águas e tornar terras inférteis.


Indústria do agrotóxico


Apesar de todos os efeitos negativos apontados por estudos, a indústria dos agrotóxicos não pára de crescer.


Dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) mostram que, entre 1990 e 2010, o Brasil se tornou o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Nesse período, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 576%, dando um lucro de US$ 7,3 bilhões às empresas produtoras de venenos.


Sob o discurso de acabar com a fome do mundo por meio do aumento da produtividade, o agronegócio se utiliza dos agrotóxicos para controlar pragas causadas pelo próprio modelo, baseado na monocultura.


Ao plantar apenas uma cultura em larga escala, o agronegócio acaba com a diversidade local, o que dá origem a várias pragas, que demandam a utilização dos venenos para ser extintas. Além disso, a legislação brasileira permite a comercialização e uso de diversos compostos químicos que já são proibidos em outros países, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, cujas leis são mais rígidas. Segundo a Anvisa,14 agrotóxicos comercializados no país são comprovadamente prejudiciais a saúde e já foram proibidos em outros países.


A maior utilização dos agrotóxicos se dá nas lavouras das commodities. Em 2010, a soja utilizou 44,1% de todos os venenos do país; algodão, cana-de açúcar e milho foram responsáveis por 10,6%, 9,6% e 9,3%, respectivamente.
As plantações de outras culturas representam 19% do consumo total. Como as commodities são tratadas como qualquer mercadoria, o intuito do agronegócio e do uso abusivo de agrotóxicos não é acabar com a fome, mas obter lucro.


Crescimento desenfreado


Por que os agrotóxicos dominaram a produção rural brasileira? Segundo cartilha lançada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a chamada "Revolução Verde" imposta pela Ditadura Militar abriu a porta para a entrada dos venenos no Brasil.


Com essa "revolução", a agricultura do Brasil foi aberta para a exploração de empresas transnacionais, que venderam aos latifundiários máquinas responsáveis por expulsar boa parte dos camponeses, aumentar a concentração de terra e a pobreza, além dos agrotóxicos para o controle das pragas na lavoura.


A "Revolução Verde" buscou apagar da memória as formas antigas de proteção das lavouras, substituindo-as pelos agrotóxicos. Esses venenos se tornaram, de lá para cá, um dos pilares para o modelo de desenvolvimento agrário adotado pelo Brasil, o agronegócio.


A criação e uso das sementes transgênicas também incentiva o consumo de agrotóxicos, pois estas sementes são resistentes a um tipo de veneno específico produzido pela mesma empresa que vende as sementes.


Transição Agroecológica


O que se fazer para reverter este quadro? A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, assim como o dossiê da Abrasco, apontam o modelo agroecológico não só como alternativa ao agronegócio, mas também ao uso dos venenos.
A campanha propõe o resgate das técnicas naturais de proteção das lavouras, que foram deixadas para trás com a imposição do modelo do agronegócio.


É possível, segundo a cartilha, que agricultores que utilizam agrotóxicos realizem uma "transição agroecológica", na qual gradualmente parem de utilizar os venenos, pois quanto mais agrotóxico se aplica, mais caro é o gasto na produção, o que aumenta a dependência do agricultor para com as grandes empresas. Além disso, o modelo agroecológico propõe que se plante diversas culturas na mesma terra, de modo a se preservar a diversidade, o que diminui a incidência de pragas.


Abaixo, algumas das técnicas naturais sugeridas pela Campanha para proteção da lavoura:


EXTRATO DE FOLHA DE NIM
Secar e moer folhas de nim. Colocar 60g de folhas de nim em 1 litro de água. Deixar em repouso por 8 horas. Coar e aplicar na forma de pulverizações para controle de pragas.


CALDA DE FUMO
Picar 100g de fumo e colocar em meio litro de álcool. Acrescentar meio litro de água e deixar curtir por 15 dias. Depois dissolver 100g de sabão neutro em 10 litros de água e acrescentar a mistura. Aplicar na forma de pulverizações para controle de vaquinhas, cochonilhas, lagartas
e pulgões.


CALDA DE FUMO COM PIMENTA
Colocar 50g de fumo picado e 50g de pimenta picante dentro de 1 litro de álcool. Deixar curtir por uma semana. Misturar em 10 litros de água com 250g de sabão neutro ou detergente. Aplicar na forma de pulverizações para o controle de vaquinhas, lagartas e cochonilhas e insetos em geral.


CALDA DE CEBOLA
Colocal 1kg de cebola picada em 10 litros de água. Curtir por 10 dias. Coar e colocar 1 litro deste preparado em 3 litros de água para aplicar na forma de pulverizações. Age como repelente aos insetos como pulgões, lagartas e vaquinhas.


CRAVO DE DEFUNTO
Colocar 1kg de folhas e talos de cravo de defunto em 10 litros de água. Ferver por meia hora deixando de molho por duas horas. Coe e pulverize, visando o controle de pulgões, ácaros e algumas lagartas.


CALDA DE CAMOMILA
Colocar 50g de flores de camomila em um litro de água. Deixar de molho por 3 dias, agitando 4 vezes por dia. Coar e aplicar 3 vezes na semana, evitando doenças fúngicas.


ARMADILHA COM LEITE
Utilizar estopa ou saco de aniagem, água e leite. Distribuir no chão ao redor das plantas a estopa ou saco de aniagem molhado com água e um pouco de leite. Pela manhã, virar a estopa ou o saco utilizado e coletar as lesmas e caracóis que se reuniram embaixo para serem queimadas e enterradas em um buraco.


LEITE CRU E ÁGUA
Pulverizar sobre as plantas uma solução de água com 5 a 20% de leite de vaca sem pasteurizar para o controle do oídio, doença que ataca diversas hortaliças. O oídio é também conhecido como "cinza" porque causa grandes manchas brancas acinzentadas principalmente nas folhas e nos ramos.




Fonte: http://www.mst.org.br/content/estudos-apontam-que-aumento-do-cancer-segue-ritmo-do-lucro-com-agrotoxicos

terça-feira, 8 de maio de 2012

Por um país coerente e cosmopolita


Em meio à onda de xenofobia que percorre Europa, Brasil está certo ao reagir e acolher imigrantes. Mas é injustificável autorizar a entrada de alguns e restringir a de outros
Por Patrícia Rangel, em Todos os Fogos o Fogo
Há quatro anos, eu e um companheiro de mestrado fomos arbitrariamente detidos em Barajas (aeroporto de Madri) e impedidos de seguir viagem para Lisboa, onde participaríamos de um congresso da Associação Portuguesa de Ciência Política. Foram 50 horas de detenção injustificada e maus-tratos.
Não se tratou de um caso isolado. Só no primeiro trimestre daquele ano de 2008, a polícia espanhola barrou 18 mil pessoas (entre elas, mil brasileiros). Além de se engajar no processo de aprovação da Diretiva de Retorno (um novo acordo para dificultar a permanência de estrangeiros na União Européia), o país anunciou a idéia de pagar para os imigrantes desempregados retornarem a seus países. De lá para cá, pouca coisa mudou. Muitos outros brasileiros foram submetidos a inexplicáveis maus-tratos, como as religiosas que seguiam para a Alemanha em missão evangelizadora; o músico Guinga, que perdeu dois dentes após ser agredido por um policial do posto da Polícia Nacional Espanhola no aeroporto Barajas; o padre Jeferson Flávio Mengali, que, além de ficar detido, suportou chacotas dos policiais sobre suas roupas religiosas; a física Patrícia Camargo Guimarães, que me antecedeu nesta infeliz aventura e também denunciou o abuso das autoridades que a mantiveram presa por três dias sem qualquer justificativa; entre inúmeros outros brasileiros injustiçados.
Apesar de o Ministério do Interior espanhol argumentar que aplica objetivamente as normas do espaço Schengen, relatos de pessoas rejeitadas e repatriadas apontam discriminação na aplicação de regras. As denúncias giram em torno dos mesmos temas: arbitrariedade nos critérios de ingresso, agressividade dos agentes policiais, acomodações precárias, falta de comida e tratamento humilhante. Em poucas palavra, total ausência de direitos. Zero em hospitalidade.
Recentemente, o debate foi resgatado por conta da adoção de políticas de reciprocidade, que acarretaram a negação de cidadãos espanhóis por autoridades brasileiras. O governo da presidenta Dilma Rousseff oficialmente tomou a decisão de endurecer a entrada de turistas espanhóis e oferecer a eles um tratamento nos mesmo moldes do que nos é oferecido por aquele país. Se antes não lhes era exigido praticamente nada, agora os supostos turistas deverão comprovar a posse de pelo menos 75 euros por dia de permanência em território brasileiro e reserva de hotel ou carta de convite de um residente da cidade de destino registrada em cartório.
Com a aplicação objetiva destas novas regras, estão sendo rejeitados os indivíduos que não atendam aos requisitos para entrar em nosso país, ao contrário do que costuma acontecer na outra mão desta estrada. Tudo muito bom, tudo muito bem. Louvável a postura do Itamaraty. Ao menos quando somos nós, brasileiros, as vítimas do comportamento arbitrário das autoridades de imigração e da xenofobia em países centrais. Mas e quando as posições do jogo se invertem?
No começo deste ano, o governo agiu para controlar o fluxo de imigrantes do Haiti que têm entrado no Brasil pela Amazônia, ao estabelecer um limite de cem vistos de trabalho a haitianos por mês. Paradoxalmente, o país tem atraído cada vez mais imigrantes europeus e americanos que fogem da crise econômica. Sem muito interesse em refugiados de países da Ásia Meridional e da África, bem como em imigrantes de outros países latino-americanos, o Ministério do Trabalho esboça planos para facilitar a vinda de europeus.
Voltando aos haitianos, dados do governo mostram que, até agora, entraram no país 4 mil cidadãos desta nacionalidade, número que vem sendo apontado como um intenso fluxo migratório. Chega a ser cômico argumentar que os haitianos estão “invadindo” o território brasileiro quando nem sequem se destaca o fato de que a maioria dos 51.353 estrangeiros que entraram no Brasil em 2011 são portugueses.
Não se trata, entretanto, de argumentar que não devemos permitir a entrada de europeus no país. Pelo contrário! Sou partidária da adoção de uma postura cosmopolita e hospitaleira por parte do governo brasileiro, mas que seja para todos os cidadãos do mundo. Não podemos adotar uma lógica de dois pesos e duas medidas, dificultando a entrada de nacionais de certos países e incentivando a vinda de europeus. Fazendo assim, somente estaremos reproduzindo a política de imigração racista da Espanha, tão criticada por nós, brasileiros.
Neste caminho, estaríamos reproduzindo também a recorrente migração seletiva que iniciamos logo após a abolição da escravatura com o objetivo de “embranquecer” nossa população, política evidentemente racista. Este ponto se torna especialmente problemático se observarmos a nada recente existência de grupos de características fascistas que se manifestam contra a presença de migrantes econômicos, sobretudo bolivianos, principalmente na cidade de São Paulo.
Em vez de aceitarmos nossa “natureza” e nosso destino enquanto cidadãos do mundo (como argumentava Kant), preocupamo-nos em controlar os movimentos de pessoas como prerrogativa do poder do Estado, levantando barreiras à entrada dos que desejamos manter longe e colocando nessas barreiras guardas bem treinados, armados e disciplinados para desempenhar bem seu papel. Eis um grande erro, como argumenta Seyla Benhabib, pois o sistema internacional de Estados e povos é caracterizado pela interdependência. Esse movimento deveria nos levar a transcender a perspectiva de territorialidade, não a fechar fronteiras, favorecendo disposições de um regime de soberania vestifaliano.
O que me preocupa, ademais, é a lógica “gente versus mercadoria”. A ideologia do capitalismo globalizado e dos mercados livres, adotada pela maioria dos Estados, fracassou em estabelecer a livre movimentação de pessoas e da força de trabalho, ao contrário do que aconteceu com as mercadorias. Seria coincidência o fato de a política de reciprocidade e endurecimento das regras de imigração somente agora que o Brasil é reconhecido como sexta maior economia mundial e que a Espanha se encontra em um quadro de depressão econômica?
O governo brasileiro não pode ser incoerente. Não pode defender uma postura humanitária nas questões de emigração e outra conservadora quando trata de fluxos imigratórios. Como cientista social e vítima da xenofobia européia, orgulho-me muito das progressistas manifestações brasileiras acerca da questão. Não gostaria e não suportaria ver meu país adotar em relação aos bolivianos, haitianos e paraguaios a mesma postura que Espanha e Itália adotam perante nós, latino-americanos.
Foi observando e analisando este fenômeno que terminei por escrever um livro acerca dos fluxos migratórios, com foco especial nas políticas de imigração da União Européia. O livro, intitulado “Barrados: um ensaio sobre os brasileiros inadmitidos na Europa e o conto da aldeia global”, também traz um par de depoimentos meus sobre tão peculiar etnografia. O nome que escolhi para a obra demonstra meu descontentamento em relação às assimétricas relações travadas entre o Norte global e os povos do Sul.
Acredito que políticas destinadas ao controle da imigração ilegal e das fronteiras, não são efetivas. Além disso, alimentam a crescente xenofobia nos Estados, legitimando a culpa atribuída aos estrangeiros por todos os males sociais que emergem nesses territórios. Por fim, jogam uma pá de cal no projeto de cidadania cosmopolita idealizado por Kant há 200 anos e que, em determinados momentos da história, começou a ser colocado em prática. Barajas se tornou, para mim e para muitos outros, sinônimo de prisão. Espero que em breve, para todos e todas, Barajas volte a ser o nome de um aeroporto, porta de entrada para um mundo de experiências e oportunidades.
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*Doutora em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), mestre pelo antigo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Autora do livro “Barrados: um ensaio sobre os brasileiros inadmitidos na Europa e o conto da aldeia global”, disponível para download gratuito.



segunda-feira, 7 de maio de 2012

Os Dois Príncipes



Por Adilson Luiz


É curioso como a maioria dos que ingressam na política partidária, após um contato inicial com a vida pública, adota como bibliografia básica dois títulos: “O Príncipe”, de Maquiavel, e “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, nessa ordem. O mais curioso é que a maioria se diz impressionada com a atualidade e perspicácia dos conceitos neles expostos, independentemente de contexto histórico, e mais preparada para enfrentar os desafios desse meio complexo.

Este padrão faz lembrar outro príncipe, o “Pequeno Príncipe”, de Saint Exupéry, que era o livro preferido e indispensável para dez entre dez misses.
A diferença é que enquanto o primeiro relaciona modelos de governo, recheados de argúcia e uma boa dose de crueldade, numa época em que a vida humana valia muito pouco nas mãos dos que faziam política: os nobres; o segundo fala de pureza e amizade. Sendo assim, o que a adoção de Maquiavel e Sun Tzu como mestres – todos associados a sistemas absolutistas – pode auxiliar na evolução de um modelo democrático? Formando novos predadores?

As obras de Maquiavel e Sun Tzu são interessantes documentos históricos, que serviram de conselho aos nobres de seus tempos e têm sido fonte de inúmeras analogias. Vários autores e conferencistas ainda se valem delas na área empresarial. Já a obra de Saint Exupéry é lembrada mais como manifesto utópico. São dois “príncipes” e duas medidas, mas lê-los é importante, como é importante ler qualquer livro, de qualquer autor, pois, quanto mais e mais diverso for o conhecimento adquirido, mais e melhor nosso discernimento estará instrumentado para raciocinar e concluir. Afinal, para enfrentar o “mal” é preciso conhecer seus princípios e métodos. Mas também é indispensável aprender e praticar o “bem”! Cristo, investido da forma e fraquezas humanas, sujeitou-se a tentações durante quarenta dias no deserto, para provar a força do espírito sobre a carne, antes de assumir efetivamente seu destino.

O que causa preocupação é que muitos desses novos políticos, que poderiam mudar o quadro atual, leem essa bibliografia sem auferir nenhuma elevação ou evolução espiritual, ou sensibilidade social. Em vez disso, buscam, nesses e em outros autores consagrados e mitos, justificativas para intentos pouco democráticos ou moralmente duvidosos, e mercadoria para abastecer seus “saquinhos de maldades”. Querem aplicar os pensamentos de forma literal e insofismável, ignorando contextos históricos, sem se importar que para isso tenham que passar por cima dos princípios morais e éticos que a civilização levou séculos para amadurecer. Assim, o povo continua valendo muito pouco nesse projeto...
Num dado trecho da obra de Maquiavel, um nobre ordena a um comandante, de sua inteira confiança e que prima pela obediência cega, que conquiste um território usando de todos os recursos necessários. Todos mesmo!

Obediente, fiel e seguindo a moral da época, o militar invade cidades, manda assassinar governantes e suas famílias, e impõe temor e terror ao povo. Preparado o caminho, o nobre entra triunfalmente em seus novos domínios e, num gesto magnânimo, buscando aproximação e respeito de seus novos súditos, manda executar seu fiel e obediente comandante!

Muito atual, não? E quase literal...

Essa formação estereotipada e mal interpretada, aliada a uma predisposição natural para o dolo e o sadismo, tem sido responsável pela “cultura” de muitos políticos, que começam suas carreiras com nobres ideais, para pouco tempo depois resumirem sua vida pública ao discurso vazio, à retórica rebuscada e à busca obstinada de prestígio e poder, ou da sombra de quem os têm, qual um autêntico vício.

A esperança de formação de um cidadão íntegro cede lugar ao cidadão “partido”, cujos princípios variam de acordo com a legenda em que se encontra, ou a legenda varia de acordo com seus projetos de momento.

Talvez fosse melhor que os políticos lessem “O Pequeno Príncipe”, de Saint Exupéry, e as misses, “O Príncipe”, de Maquiavel.

Ambos ficariam, seguramente, mais interessantes...


Adilson Luiz Gonçalves é mestre em Educação, escritor, engenheiro, professor universitário e compositor. Ouça textos do autor em: www.carosouvintes.org.br (Rádio Ativa / Comportamento). Caso queira receber gratuitamente os livros digitais: Sobre Almas e Pilhas, Dest’Arte e Claras Visões, basta solicitar pelos e-mails: algbr@ig.com.br eprof_adilson_luiz@yahoo.com.br. Conheça as músicas do autor em: br.youtube.com/adilson59