sábado, 11 de fevereiro de 2012

Civilizações Mac-Cola



Por Bruno Peron Loureiro

A crise que enfrentamos hoje não é financeira, mas civilizatória. É reducionista a afirmação de que a economia é culpada de tudo, como se ela fosse mais um atributo da natureza que regula as relações humanas. Das expressões de "comida-lixo" ao papel decepcionante das empresas por trás dos processos de transnacionalização, o déficit é das civilizações atuais.
Não só os hábitos alimentares se degradam na indigestão das marcas, mas os supostos agentes da educação ou do "processo civilizador" não sabem o que fazer com tanto poder. Perdem-se na banalidade de programas fúteis e antieducativos, quando é rádio ou televisão, ou na tentativa de controlar o conhecimento, como os fiscais de direitos autorais da internet.
Pouco importa se a referência é a um país menos ou mais civilizado, cuja categoria é tão relativa quanto o gosto e o sabor, ou se já foi colônia ou metrópole, ou se é pobre ou rico, ou se é passivo ou ativo diante do que os banqueiros fazem com o suor dos contribuintes através de suas taxas bancárias. Dizem que a culpa é sempre dos flagelados, endividados, migrantes.
Quando se apostava que Estados Unidos ou Europa resgataria os demais países e regiões da "barbárie" ou do "exotismo" ou do "atraso", eles mesmos se confirmam como artífices da desgraça, corsários de suas ex-colônias, espoliadores das finanças mundiais, semeadores de multiculturalismos segregacionistas, para os quais a mestiçagem é mito do "terceiro-mundo".A humanidade alcançou uma crise civilizatória sem precedentes.
Nossas pretensas referências estão parados e olhando para trás.
O Estado perdeu influência em relação aos demais atores sociais no circuito global, mas não renunciou sua importância. Até mesmo Obama, chefe de Estado da mais mercadológica das nações atuais, reitera que a salvação virá das políticas públicas, que regularão os excessos neoliberais. Há que considerar que as políticas de empresas transnacionais possuem, amiúde, impacto maior que as que se elaboram no âmbito de governos. A questão que irrompe é: o que fazem com este poder?
Políticas de países economicamente avançados frequentemente são mais imperativas que as de organismos internacionais em regiões "periféricas". Em contrapartida à Organização dos Estados Americanos, a criação da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos abala esta relação de poder.
Noutros termos, governos nacionais e organizações internacionais perpetuam o debate sobre o desenvolvimento em função de cifras econômicas e favores políticos, em vez de levar em consideração que a noção de desenvolvimento tornou-se tão abrangente a ponto de que os aspectos culturais e societais são irrenunciáveis. A esfera da criatividade é, portanto, uma das arestas do desenvolvimento. O reconhecimento é que veio depois.
O problema maior de boa parte das civilizações atuais é o que se transmite em termos educativos de uma geração para outra. Os núcleos de ensino (casa, escola, vizinhança, etc) são cada vez mais pressionados por lógicas exógenas que fazem crer que os jovens têm todo o mundo ao seu alcance através dos meios de comunicação e outras "janelas" que se abrem para uns e se fecham para outros.
Os aparatos de "convergência digital" tornam-se tão importantes para eles a ponto de substituir as afetividades que costumam dar sentido e vincular as civilizações. Estas se resumem, deste modo, no princípio "Mac-Cola", cuja trama se estabelece no plano superficial do consumismo em detrimento da estrutura vinculante inerente ao "processo civilizatório".
É hora de rever projetos de civilização engavetados ou "entumbados" ou "arqueologizados". A América Latina possui um número de próceres pouco recordados, concepções minoritárias e autóctones (o que inclui cosmovisões ameríndias), e as contribuições do sincretismo e da mestiçagem, para seguir o presságio de "raça cósmica" do mexicano José Vasconcelos.
A tarefa poderá ser um resgate daquilo que não se desenvolveu ou uma abertura para um projeto novo e exclusivo. Nalgum destes horizontes, ideais outros que o consumismo e o culto ao exógeno deverão nortear a humanidade em suas expressões civilizatórias.
*Bruno Peron Loureiro é mestre em Estudos Latino-americanos pela FFyL/UNAM (Universidad Nacional Autónoma de México).

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Muito se tem falado sobre Cuba





Por Emanuel Cancella


Os inimigos dizem: Cuba é uma ditadura; persegue os dissidentes; a família Castro monopoliza o poder; lá não existem democracia e liberdade de expressão. Os simpatizantes do regime afirmam: dos milhões de crianças jogadas nas ruas no planeta nenhuma é cubana, Cuba é referência na educação, saúde e no esporte no mundo inteiro.
Na verdade, Cuba é uma ilha no Caribe. Com pouco mais de 11 milhões de habitantes, ela incomoda, e muito, os EUA, a Europa, os ricos e os liberais no mundo. Talvez porque ela prove que outro mundo é possível. E pensar que Cuba consegue todos esses avanços sociais e científicos apesar de sofrer, desde 1959, o maior boicote econômico vivido por um país em toda a história da humanidade!
Existem equívocos no comando de Cuba, muitos. Todavia, a sobrevivência do regime e o apoio popular a Fidel e a seu irmão, Raul Castro, provam que os acertos são muito maiores.
Não existem circulando na Ilha carrões, celulares, roupa de grife, nem divisão de classes sociais. Todos são trabalhadores. Lá, não existem desempregados. Todos têm de fato direito à moradia, que pertence ao Estado. Os latifúndios foram extintos e as terras (a começar pelas da fazenda da família de Fidel) distribuídas aos campesinos. Tudo isso apesar da propaganda massiva contra o regime.

Chávez, além do apoio político, tem suprido a Ilha de petróleo e selado vários intercâmbios, principalmente na área de saúde.
Cuba, durante a guerra fria, tinha o apoio da então União Soviética. Com a queda do regime comunista, perdeu o apoio russo e, mesmo isolada, resistiu. Com a ascensão dos governos democráticos e populares na América Latina, Cuba ganhou fôlego. Hugo Chávez e Lula apóiam Fidel e reabrem o debate na defesa de Cuba com o mundo, evocando o princípio da autodeterminação dos povos.
Recentemente, a presidenta do Brasil visitou Cuba. Essa visita constituiu um momento histórico na política da Ilha. Neste momento, os inimigos do regime, que não são poucos, através da mídia, se aproveitam para ouvir os dissidentes, no sentido de criticar Cuba, e vão tentar ainda dizer que a presidenta Dilma não deveria intervir na questão.
Entretanto, estranhamente, a grande mídia não escreve uma linha sequer sobre a prisão política de cinco cubanos, que permaneceram isolados em prisões de segurança máxima, sob cruéis condições de reclusão, violando seus direitos humanos e as próprias leis estadunidenses. Julgados como espiões e condenados a prisão perpétua nos Estados Unidos. Dois deles privados até do direito de receber visitas de suas esposas.
Tampouco seria razoável esperar que a grande mídia exigisse a libertação de incontáveis prisioneiros mantidos pelo império americano em Guantánamo.
Pergunta que não quer calar: qual a justificativa do boicote econômico a Cuba hoje? Qual a ameaça aos EUA e à Europa?
Emanuel Cancella é diretor coordenador da Secretaria de Coordenação Geral do Sindipetro-RJ; Francisco Soriano é diretor coordenador da Secretaria de Finanças do Sindipetro-RJ.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Dificuldade de Governar por Bertolt Brecht



1


Todos os dias os ministros dizem ao povo 
Como é difícil governar. Sem os ministros 
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima. 
Nem um pedaço de carvão sairia das minas 
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda 
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra 
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol 
Sem a autorização do Führer? 
Não é nada provável e se o fosse 
Ele nasceria por certo fora do lugar. 

2

E também difícil, ao que nos é dito, 
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão 
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem. 
Se algures fizessem um arado 
Ele nunca chegaria ao campo sem 
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem, 
De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que 
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural? 
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas. 


Se governar fosse fácil 
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer. 
Se o operário soubesse usar a sua máquina 
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas 
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários. 
E só porque toda a gente é tão estúpida 
Que há necessidade de alguns tão inteligentes. 


Ou será que 
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira 
São coisas que custam a aprender?

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Mulheres denunciam estupros por policiais da ROTA

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Família relatou a noite de terror na noite da ação Polícia, em São José dos Campos.

Moradores de São José dos Campos, no interior de São Paulo, na região do Pinheirinho, desocupado pela Polícia numa operação de barbárie completa, registraram documento no Ministério Público com novos relatos de abusos: mulheres foram estupradas por policiais.
Se as câmeras que possibilitam divulgar e denunciar toda a brutalidade e violência de sua ação não intimida os policiais, imagine o que não são capazes de fazer às escondidas.
O jovem conhecido nacionalmente pelo seqüestro do ônibus 174 sabe. Diante das câmeras a ação da polícia no centro da capital fluminense também foi um fiasco e resultou na morte de uma passageira. Sandro Barbosa, o seqüestrador, foi preso e levado no camburão pela polícia. Apesar de ter sido colocado no carro sem nenhum ferimento, o jovem que sobreviveu à chacina da Candelária, não sobrevivei à ação do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), do Rio de Janeiro.
Algo semelhante marca a história do Pinheirinho. Se as imagens revelam o horror da atuação da Tropa de Choque, a experiência dos que receberam a ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Águia) dentro de casa, sem câmeras para registrar os fatos, é ainda mais terrível.
Segundo o relato, seis pessoas de uma mesma família (quatro homens e duas mulheres) "sofreram violência física e psicológica, sendo que três jovens, um homem e duas mulheres, sofreram abuso sexual".
Na noite da invasão policial, domingo, dia 22, os moradores do bairro vizinho, Campo dos alemães, também foram alvo da polícia. Três carros da ROTA pararam em frente à casa dessa família e invadiram a casa supostamente a procura de drogas. As duas jovens foram levadas para dentro do carro e mantidas em cárcere privado por pelo menos cinco horas, e estupradas. O adolescente na casa foi ameaçado de ser "empalado", com um cabo de vassoura.
A denúncia foi feita formalmente, registrada no Ministério Público. A Polícia primeiro negou as acusações e agora diz que vai apurar o caso.
Esses homens armados violentaram duas jovens e aterrorizaram uma família inteira, na noite do terror que já tinha acontecido com a reintegração de posse são da ROTA.
Segundo a jovem violentada eles diziam: "Deus faz, a mão cria e a rota faz o que?"; para ela responder: "A Rota mata, senhor".
Esse era o crime que faltava para ser imputado aos policiais que realizaram a barbárie do Pinheirinho. Como se o Brasil estivesse em guerra, com soldados estrangeiros invadindo o País e estabelecendo o terror contra a população. Essa é a Polícia Militar brasileira.


Fonte: www.diariodaliberdade.org

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Para reencontrar "O País da Delicadeza Perdida"

Duas décadas após lançado, documentário em que Chico Buarque lamenta fim do “homem cordial” sugere novos sentidos para o Brasil
Por Arlindenor Pedro
O país da delicadeza perdida é nome do documentário dirigido por Walter Salles e Nelson Mota sobre a carreira de Chico Buarque, feito especialmente para a televisão francesa FR3 e lançado em 1990, há 22 anos. O tema e a performance do compositor e cantor convidam a revê-lo, à luz da atualidade.
Na época, Walter Sales ainda não era o premiado diretor internacional de Terra Estrangeira (1995), Central do Brasil (1998), Abril Despedaçado, ou mesmo do internacional Diários de Motocicleta, sobre a odisseia do jovem Che Guevara nos confins da América Latina. Mas já demonstrava seu talento, trazendo para as telas a contradições dos Brasis de Chico Buarque, que se expressavam através do seu repertório e sua visão sobre um novo país, que ali despontava.
Produzido para dialogar com um público internacional, O país da delicadeza perdidaprocura explicar quem somos e o que desejamos nesse mundo globalizado. O compositor segue certamente as premissas que um dia eu vi expostas por Caetano Veloso: um país não existe meramente por existir; tem um sentido intrínseco, de trazer algo original para o conjunto da humanidade. Por isso, paira no ar a pergunta: qual é realmente o sentido da nossa existência? Que trazemos de novo, para o conjunto da humanidade?
Sérgio Buarque de Holanda, pai do compositor Chico Buarque, nos diz no clássicoRaízes do Brasil, de 1936, que ”… a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade – daremos ao mundo o ‘homem cordial’. A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definitivo do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal”. (Sérgio Buarque de Holanda, in Raízes do Brasil.)
Mas, para não deixar dúvidas sobre o sentido da palavra, ele continua: “Seria engano supor que essas virtudes possam significar ‘boas maneiras’, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante”. (idem). Opondo-se ao conceito de polidez encontrado em outras civilizações, o professor nos diz que: “Nenhum povo está mais distante dessa noção ritualista da vida que o brasileiro. Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez. Ela pode iludir na aparência – e isso se explica pelo fato de a atitude polida consistir precisamente em uma espécie de mímica deliberada de manifestações que são espontâneas no ‘homem cordial’: é a forma natural e viva que se converteu em fórmula. Além disso a polidez é, de algum modo, organização de defesa ante a sociedade. Detém-se na parte exterior, epidérmica do individuo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar intatas sua sensibilidade e suas emoções.(…) No homem cordial, a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele sente em viver consigo mesmo, em apoiar-se sobre si próprio em todas as circunstâncias da existência. Sua maneira de expansão para com os outros reduz os indivíduos, cada vez mais, à parcela social, periférica, que no brasileiro – como bom americano – tende a ser o que mais importa. Ela é antes um viver nos outros. Foi a esse tipo humano que se dirigiu Nietzsche, quando disse: ‘Vosso mau amor de vós mesmos vos faz do isolamento um cativeiro’.” (ibidem).
Durante o documentário, Chico Buarque, o filho, recorre ao pai, e a sua tese do ”homem cordial” para fazer menção às mudanças vividas pela sociedade brasileira. À época do show – realizado e filmado na Fundição Progresso, para comemorar seus 25 anos de carreira – esta apresentava um grau de violência aparente diverso da sociedade esperançosa dos anos 1950 e 60, na qual o compositor viveu sua infância e juventude. Daí o título, que procura mostrar as diferenças entre uma sociedade com traços de ingenuidade — “um país leve e sempre em movimento” – e aquela que observa naquele momento do show: uma nação embrutecida.
Segundo João Máximo, que faz a apresentação da obra (comercializada pela BMG, em 2003), “o primeiro Brasil é o que caminhava para o futuro, o do otimismo, o da Lapa dos pais musicais de Chico, o da Copacabana que olhava para o alto, promovendo o encontro dos jovens compositores cá de baixo com as raízes africanas lá de cima (contraste, sim, mas não confronto), e também o da Ipanema do João Gilberto, o da Brasília, o do Rio 42°, o dos astros e estrelas que nos visitaram, o da delicadeza. No Brasil que se segue, ficção e realidade se confundem. Não se chega a descer ao inferno, mas perde-se o paraíso. E a poesia, pouco a pouco, faz-se suja”.
O documentário entremeia imagens dessas épocas e apresenta, para mostrar o presente (estamos falando dos anos 1990) imagens do filme Uma Avenida chamada Brasil, de Otávio Ribeiro (que, diga-se de passagem, estão hoje banalizadas pela sofisticação e modernização dos esquemas de violência em que convivemos).
Para fixar bem as diferenças, o documentário faz um corte entre os dois momentos: é a chegada dos militares ao poder, em 1964, quando se inicia o processo de modernização autoritária do Estado brasileiro. Vende-se a imagem do “Brasil Grande”, potência emergente que precisa de infra-estrutura e obras faraônicas, como Itaipu e a Transamazônica. O Estado se centraliza: leva eletricidade ao interior, desenvolve pesquisa nuclear e promove o chamado “Milagre Brasileiro” – tudo isso com a banalização da violência e o conceito excludente de patriotismo.
Todas as estruturas são mexidas, adaptando-se aos novos tempos. E é nesse contexto que se faz a musica de Chico Buarque, jovem estudante de arquitetura que conviveu na infância com um Brasil e vive a maturidade em outro país – onde a cordialidade da emoção, do coração, não tem mais lugar. Torna-se, então, arauto da liberdade e da igualdade social.
E hoje: depois de 22 anos, poderíamos falar em um terceiro momento, diferente daquilo que Chico chamou de “inocência perdida”?
Após a falência do modelo militar de 64, o país vive um novo momento. Adapta-se a um mundo que se globalizou de forma acelerada e às transmutações do capitalismo (a chamada 3ª revolução industrial) – que nos impuseram novos conceitos e novas formas de convivência.
Num mundo globalizado onde os demais modos de produção antes existentes foram totalmente derrotados pelo capitalismo, reina absoluta a mercadoria, acentuando para todos o seu valor de troca. Um mundo homogêneo que exige fluxo constante de mercadorias e a subordinação de todos ao desígnio único: consumir. Para isso tem-se que adequar todas as economias a esse sentido, de uma forma em que o particular subordine-se ao geral.
Nas novas condições, a felicidade é equiparada a posse de objetos. O consumo rege o modelo de vida, definida pelo excesso de ofertas, demandas vorazes e liquidez. O sistema oferece objetos customizados para todos os gostos. O “ter” que já tinha substituído completamente o “ser”, dá lugar ao “parecer”. Ou seja: não é mais necessário possuir um produto, se uma cópia perfeita dá a mesma sensação de satisfação, dentro do grupo social que frequento.
O brasileiro teve, em consequência, de modificar o seu modo de vida, assumindo uma forma de viver mais racionalizada, onde a economia e o consumo estão no vértice da sua existência como ser social. Um mundo mais complexo se impôs: impessoal, regido pelos sistemas, onde cada vez menos se pode interagir com o semelhante. Onde as negociações tornam-se impessoais e as relações entre amigos, baseadas na emoção, já não prevalecem. Todos buscam um lugar ao sol, e competitividade, numa relação darwiniana, só premia os mais fortes. Solidariedade, hospitalidade, generosidade eram, além de virtudes presentes no pensamento de Sérgio Buarque, o que ele via como nossa contribuição à civilização. Mas não são capazes de se impor no mundo contemporâneo: complexo, múltiplo e impossível de ser compreendido, embora pautando pelo racionalismo….
Seguimos o curso de perdermos nossas particularidades diluindo-nos no mundo global. Adotamos novas formas de comer, de passar o tempo, de nos vestir, de ouvir musicas, de trabalhar e de pensar – muito mais semelhantes ao conjunto da aldeia global. Nossos shoppings são idênticos aos de qualquer pais no exterior. Engordarmos com os mesmos carboidratos e morremos das mesmas doenças — além de ouvirmos e assistimos às mesmas noticias.
O cidadão tem cada vez menos entendimento da realidade que o cerca. Sucumbe ao fato de que a realidade lhe aparece de forma cada vez mais fragmentada, em esferas cada vez mais separadas. Num mundo separado em compartimentos estanques, o indivíduo isola-se cada vez mais no espaço em que foi confinado. Resulta que cada um consegue reconhecer apenas parte ínfima desse mundo. Mas sente, ainda assim, necessidade de tomar consciência do todo. E só pode fazê-lo por meio de outros – de intermediários que passam traduzir-lhe essa totalidade, permitindo-lhe aproximar-se de uma visão mais próxima do real. Surge a figura do especialista, que tem, nos mais diversos ramos, a função de “explicar” essa realidade fora da sua compreensão. Enxergando a realidade com os olhos de outros, como num espelho invertido, assume uma postura de espectador, abdicando da vida-vivida.
Como esse estado é, em última instância, o contrário da vida – que exige intervenção constante – forma-se um ser social alienado, na verdadeira acepção da palavra. Ele detesta, por exemplo, a ação política, delegando o poder para os políticos profissionais que, julga, estão mais capacitados para intervir na administração pública. Vemos então, mesmo no campo da política – próprio das utopias e do confronto de pensamentos – a subordinação à economia e o fim da ideia de inovação.
Em tal contexto, tornou difícil ao poeta tocar o coração dos outros com a delicadeza de suas palavras. Perdura a brutalidade da existência social, aquilo que Chico chamou de “a noite da grande fogueira desvairada” A arte, assim como tudo, transformou-se em mercadoria e as relações tornaram-se diretas e agressivas. Mesmo na contestação, exige-se um linguajar preciso, contundente e condensado, numa sociedade do twiter, onde não se tem tempo a perder.
Entendo a concepção do documentário como um lamento do artista, diante de um mundo em que sua contestação e denúncia foram banalizadas pela sociedade. Que importa? Somos a 5ª economia do mundo! Temos um dos maiores milionários do planeta…
Mas teríamos perdido nosso sentido por completo? Talvez não. Sérgio Buarque acreditava que as características do “homem cordial” foram adquiridas num longo processo da nossa formação, dentro da sociedade rural e patriarcal. Serviriam tanto para o bem como para o mal. Portanto, seriam elementos fortes da nossa forma de ser. Não seriam extirpadas facilmente.
Ao assistirmos à falência do modelo construído pela burguesia liberal, e ao olharmos as grandes manifestações de contestação que ocorrem pelo mundo – cujos atores buscam novas formas de relacionamento humano – surge um novo cenário. Nele, recuperar e acentuar nossa característica perdida já não é um ato inocente e fora de sentido. Torna-se imperativo. É o que permite dar sentido a nossa própria existência, como contribuição que poderá ajudar a vencer a barbárie – esta tendência concreta que põe em risco até mesmo nossa existência como espécie.
A história não se repete, já nos falou o filósofo. Não voltaremos ao lado positivo dos anos dourados. Mas, podemos tê-los como sentido na construção de um mundo novo, onde as relações sejam efetivamente humanas. Por isso, a arte continua jogando um importante papel. Acredito que essa “fogueira desvairada” será apagada por dentro do sistema, na falência da sua própria existência, que não nos aponta para lugar algum. Cabe aos artistas – que todos somos – descobrir no dia-a-dia, plenos de sensibilidade, novas forma de viver, que nos removam da Caverna de Platão.
Serra da Mantiqueira, fevereiro de 2012
Arlindenor Pedro é professor de História e especialista em projetos educacionais. Anistiado por sua oposição ao Regime Militar dedica-se na atualidade a produção de flores tropicais na região das Agulhas Negras.

e-mail: arlindenor@newageconsultores.com.br
http://arlindenor.wordpress.com

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A Crise Capitalista: Apenas um Início por Daniel Bensaïd



O capitalismo? "É compreensível que as pessoas não acreditem mais nele", confessa Tony Blair em pessoa(1). Quando se deixa de acreditar no inacreditável, uma crise de legitimidade, ideológica e moral soma-se à crise social, e acaba por estremecer a ordem política. A crise atual não é uma crise a mais, equiparável à dos mercados asiáticos ou à da bolha da Internet.


Uma crise de fé

Trata-se, na realidade, de uma crise histórica — económica, social, ecológica — da lei do valor, uma crise de medição e de excesso. A medição de tudo através do tempo de trabalho abstrato passou a ser — como anunciava Marx nos Manuscritos de 1857 — uma forma "miserável" de medir as relações sociais. "As crises económica e planetária têm um ponto em comum", constata Nicholas Stern, autor em 2008 de um relatório sobre a economia das mudanças climáticas.
"Ambas são consequência de um sistema que não considera os riscos que seu funcionamento gera, que não leva em conta o fato de que pode conduzir a uma destruição superior ao benefício imediato que procura, e que subestima a interdependência entre os atores"(2).
A lógica da corrida atrás do lucro, pelo "benefício imediato" é, com efeito, uma lógica a curto prazo, E a "concorrência não falsificada", por sua parte, é cega à "interdependência" sistemática.
Um novo Bretton Woods? Um sistema de governo mundial? O problema é que a União Europeia nem sequer tem sido capaz de criar uma agência de controle dos mercados financeiros em escala continental, ou de promover uma definição comum de paraísos fiscais! Desde outubro de 2008, Laurence Parisot tem se encarregado de deixar claro que o estado deve desempenhar seu papel nos socorro das finanças, mas que deve retirar-se, quando os negócios recuperem o seu curso lucrativo. Dito de maneira mais direta: que deve socializar as perdas para logo reprivatizar os lucros. Por trás de ter admitido que o Estado é o único capaz, de forma imediata, de "salvar a economia e os bancos", Jean-Marie Messier, ressuscitado do purgatório, não se esquece de explicar que "o guarda-chuva deverá fechar uma vez que a tempestade tenha passado". O Estado não deveria, assim, ser mais do que "um passageiro na chuva"(3).
O plano de recuperação governamental descarrega o custo sobre os trabalhadores e os contribuintes. Por detrás do congresso de Reims, Martine Aubry pretendia descobrir que "torna-se inoperante atacar os que se utilizaram do sistema, sem atacar o próprio sistema"(4).Contudo, o Partido Socialista contenta-se em oferecer um contra-plano "equilibrado", de medidas supostamente sociais, mas em nenhum momento radicais, no sentido de que suponham uma nova redistribuição de riquezas em benefício do trabalho. Nada se falou sobre a nacionalização do sistema bancário e a criação de um serviço público para tratar do crédito, nada sobre uma reforma fiscal radical, nada sobre a necessidade de reorientar a construção europeia.
"Atacar o próprio sistema" seria atacar o poder absoluto do mercado, a propriedade dos grandes meios de produção e troca, a concorrência de todos contra todos. Até o liberal Nicolas Baverez define a banca como um "bem público da mundialização": "pelas suas características, tem a natureza de um bem público"(5). Seria de esperar, na verdade, que dada esta "natureza", este bem público fosse submetido a gestão pública sob o controle público. Para Baverez, pelo contrário, o Estado deveria assegurar aos bancos uma "imunidade ilimitada" por suas perdas, e assumir os riscos ligados a seus lucros.
Atacar o coração do sistema suporia adotar-se uma blindagem social que proteja os trabalhadores das consequências da crise. Para isso, dever-se-ia romper os grilhões dos critérios de Maastricht e do Pacto da Estabilidade, restabelecer os controles políticos sobre o Banco Central europeu, abolir o Tratado de Lisboa, reorientar de maneira radical a construção européia, começando pela harmonização social e fiscal, e iniciar um processo constituinte de verdade. No mínimo, exigir a revogação do artigo 56 do Tratado de Lisboa que proíbe qualquer restrição aos movimentos do capital financeiro, assim como da "liberdade de estabelecimento", reconhecida no artigo 48, uma liberdade que permite ao capital mudar de lugar, para aonde as condições lhe sejam mais favoráveis, e às instituições financeiras encontrar asilo onde lhes agrade.


Uma crise duradoura

Porque se trata de uma crise sistémica que anuncia o fim de um modo de acumulação, as medidas de recuperação conjuntural terão um efeito limitado. Uma saída para a crise que conduza à emergência de uma nova ordem produtiva e de um novo regime de acumulação, não depende somente da economia. Exige uma nova correlação de forças, novas relações geopolíticas, novos dispositivos institucionais e políticos.
Se a crise de 1929 foi a da "emergência estadunidense", que emergência prefigura a crise atual? A chinesa? A de uma organização multipolar de espaços continentais? A de um sistema de governo mundial?
Num tempo em que se invocam a necessidade de uma nova ordem monetária internacional e respostas globais, o próprio Giscard d'Estaing reconhece que "a gestão económica da crise se tornou, na Europa, mais nacional durante a crise do que antes do seu início", e que "os instrumentos de intervenção são essencialmente nacionais"(6). A crise agudiza, na verdade, as diferenças nacionais e liberta tendências centrífugas. Em nome de uma "correspondência necessária entre os espaços económicos e sociais", Emmanuel Todd arvora-se em paladino de um "protecionismo europeu"(7) que crie "as condições para a recuperação dos salários" e uma oferta que gere a sua própria procura. A questão não é doutrinária ou de princípios. Proteger? Sim, mas quem, contra quem e como? Se a Europa começasse a adotar critérios sociais de convergência em matéria de emprego, rendimento, proteção social, direito do trabalho e harmonização fiscal, poderia, legitimamente, adotar medidas de proteção, não as dos interesses egoístas dos seus empresários e financistas, mas a dos direitos e conquistas sociais. Poderia fazê-lo de maneira seletiva e pontual, adotando como contrapartida acordos de desenvolvimento solidário com os países do Sul em questões migratórias, de cooperação técnica, de comércio equitativo, sem ceder a um protecionismo de ricos, cujo efeito principal fosse disseminar os estragos da crise entre os países mais pobres.
Imaginar que uma medida de proteção alfandegária implicaria de forma mecânica uma melhoria nas condições sociais europeias, como se pudesse ser tecnicamente neutra no contexto de uma luta de classes exacerbada pela crise, é uma enorme ingenuidade. Os trabalhadores acabariam afetados pelas barreiras burocráticas e fronteiriças, sem obter as respectivas vantagens sociais. Um protecionismo desta índole não resistiria muito tempo em razão de sua impopularidade, ou não tardaria em derivar para uma "preferência nacional" (ou europeia) de corte chauvinista.


Refundar o capitalismo ou combatê-lo

Todos os governantes, de ontem e de hoje, de direita e de esquerda, acabaram por denunciar a loucura sistémica dos mercados. Contudo, sua desregulação não tem sido fruto da famosa mão invisível, mas de decisões políticas e de medidas legislativas concretas. Foi a partir de 1985, quando era ministro da Economia o socialista Pierre Bérégovoy, que se concebeu a grande desregulamentação dos mercados financeiros e da bolsa de valores na França. Foi um governo socialista que, em 1989, liberalizou os movimentos do capital, antecipando-se a uma decisão europeia. Foi o governo de Jospin que, ao privatizar mais do que os governos de Balladur e Juppé juntos, assentou as bases para que o capitalismo francês pudesse acolher fundos de investimentos especulativos. Foi um ministro das finanças socialista, Dominique Strauss-Khan, que propôs uma forte "desfiscalização" das célebres stock-options, e foi outro ministro socialista, Laurent Fabius, quem a pôs em prática. Foi um Conselho Europeu com maioria social-democrata, que decidiu em 2002, em Barcelona, liberalizar o mercado de energia e o conjunto de serviços públicos, aumentar em 5 anos a idade de reforma e sustentar os fundos de pensão. Foi a maioria do Partido Socialista que aprovou a sacralização da concorrência gravada no projeto do Tratado constitucional europeu de 2005. Foi seu voto, uma vez mais, que permitiu a adoção do Tratado de Lisboa, confirmando assim a lógica liberal da construção europeia.
Para os salvadores do Titanic capitalista, a tarefa anuncia-se dura. Um novo New Deal? Um retorno ao Estado social? Seria esquecer muito rápido que a desregulação liberal não foi um capricho doutrinário de Thatcher ou de Reagan. Foi a resposta à baixa das taxas de lucros, provocada pelas conquistas sociais do pós-guerra. Depois de 1973,
"a incapacidade das políticas keynesianas para recuperar a atividade produtiva deixa o campo aberto a uma surpreendente contra-revolução conservadora", recorda Robert Boyer(8).
Voltar ao ponto de partida seria reencontrar-se com as mesmas contradições. Como comenta ironicamente Jean-Marie Harribey: "regular sem transformar não é regular".
Por trás da crise de 1929, para redistribuir as cartas da riqueza e do poder e para anunciar uma nova onda expansiva, fez-se necessário nada menos do que uma guerra mundial. A colocação em marcha de um novo modelo de acumulação, e o, eventual, impulso de uma nova grande onda de crescimento, envolverão o surgimento de novas hierarquias planetárias de dominação, uma re-acomodação de nações e continentes, novas condições para a valorização do capital, uma transição da matriz energética. Tal mudança não pode ser resolvida através da amabilidade diplomática, nos tapetes verdes das chancelarias, mas no campo de batalha, através de lutas sociais. A crise, como bem escreveu Marx, supõe
"o estabelecimento por força da unidade entre momentos (produção e consumo) impulsionados de forma autónoma".


Na realidade, não é mais do que um começo

"A crise financeira — insistia Nicolas Sarkozy em seu discurso de Toulon — não é a crise do capitalismo. É a crise de um sistema afastado dos valores fundamentais do capitalismo, dos que — de certo modo — o traíram. Quero deixar claro aos franceses: o anticapitalismo não oferece nenhuma solução para a crise atual".
A mensagem é clara: o inimigo não é o capitalismo, mas o anticapitalismo.
O presidente retornou à questão na sua intervenção no colóquio sobre a refundação do capitalismo, organizado, por sua iniciativa, em 8 de janeiro de 2009, pela Secretaria de Estado:
"A crise do capitalismo financeiro não supõe a do capitalismo como tal. Não é um chamamento a sua destruição, o que seria uma catástrofe, mas a sua moralização".
Suas palavras receberam um vigoroso respaldo de Michel Rocard:
"Devemos começar por aí: nosso propósito é salvar o capitalismo".
Estas declarações de guerra social traçam uma linha forte entre dois campos. É preciso eleger: ou discutir com os proprietários como refundar, reinventar, moralizar o capitalismo, ou lutar junto com os explorados e despossuídos para derrotá-lo.
Ninguém poderá prever como serão as revoluções futuras. O que temos, unicamente, é um fio condutor. Trata-se de duas lógicas de classe que se enfrentam. A do lucro a qualquer preço, do cálculo egoísta, da propriedade privada, da desigualdade, da concorrência de todos contra todos, e a do serviço público, dos bens comuns da humanidade, da apropriação social, da igualdade e da solidariedade.

Notas:
(1) Le Journal du Dimanche, 14 de dezembro de 2008.
(2) Le Monde, 15 de dezembro de 2008.
(3) La Tribune, 15 de janeiro de 2009.
(4) Journal du Dimanche, 5 de outubro de 2008.
(5) Le Monde, 26 de novembro de 2008.
(6) Le Monde, 13 de janeiro de 2008.
(7) Emmanuel Todd, Après la démocratie, París, Gallimard, 2008.
(8) Libération, 29 de dezembro de 2008.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Com ações na bolsa, qual o futuro do Facebook?

Por 

Clara Roman



Nesta semana, o Facebook anunciou a intenção de abrir o capital e ingressar na bolsa de valores. Em seu prospecto inicial apresentado à SEC (Securities and Exchange Comission, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA), a empresa afirma intenção de captar cinco bilhões de dólares. Projeções do Wall Street Journal, no entanto, esperam que a rede alcançe dez bilhões, com valor de mercado entre 75 e 100 bilhões. Os números seriam um recorde para empresas de internet. As duas principais bolsas de Nova York (Dow Jones e Nasdaq) disputam a empresa, mas, a exemplo da bolha da internet no final dos anos 1990, há um temor de que as expectativas não correspondam à realidade.
O Facebook entra no mercado com alto valor. Mas corre o risco de não corresponder às expectativas. Foto:Istockphoto
O LinkedIn, rede de relações profissionais, desde que abriu capital nunca alcançou o valor obtido em seu dia de estreia na bolsa de Nova York, em maio de 2011 – quando suas ações mais que dobraram. A euforia inicial lembrou as apostas em empresas online em 1998, 1999 e 2000 – empresas que, em 2001, já estavam falidas ou colocadas à venda. Para Luli Radfahrer, especialista em redes sociais e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, há uma expectativa muito grande para que o Facebook seja um sucesso, mas a perspectiva de crescimento da empresa é pequena. Na internet, diz ele, uma empresa de oito anos é considerada madura.
“Tem uma boa chance de dar certo porque é uma plataforma em que várias coisas acontecem. Ao mesmo tempo, está começando a ver sinais de esgotamento”, diz ele.
No atual cenário, ele não vê muitas possibilidades para a rede crescer. Com expectativas de alcançar um bilhão de usuários até o fim do ano – nessa semana, foram anunciados 850 milhões – a rede já constitui um produto sólido e rentável. “O Facebook vai continuar grande, mas quando você compra uma ação, você imagina que ela cresça”, diz Radfaher. As opções são reduzidas, diz ele, justamente porque a empresa só tem um grande produto. A saída é aumentar o tempo do usuário. Mesmo assim, há um limite.
Rafael Paschoarelli, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, é mais otimista. Ele não vê risco, por exemplo, de uma nova bolha da internet. “O mercado está mais maduro e muito mais seletivo na escolha de papéis”, diz. Ações daquela época, segundo ele, não teriam a menor chance de terem sucesso nas vendas.
“Eles estão fazendo dinheiro de uma maneira que no passado era impensável. Talvez seja chocante verificar que uma empresa de relações pessoais possa valer mais que uma petrolífera ou uma empresa de aço, mas o mundo muda”, diz ele, que vê no Facebook uma boa oportunidade. Há um preconceito ainda, afirma, em relação a empresas que não produzem ao modo “tradicional”, que tem resultados contados em unidades produzidas, por exemplo.
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Paschoarelli lembra que o Google deu muito dinheiro aos seus acionistas em 2003, ao abrir seu capital. Já o buscador Yahoo! não se consolidou como um bom investimento, segundo ele. “Quem está no Yahoo! há muito tempo, perdeu e não tem condições de recuperar. O Yahoo! é a ‘vovozinha’ da internet”, diz.
Radfaher explica que a principal fonte de renda do Facebook, assim como o Google, vem da publicidade. No Brasil, os portais ainda lideram em termos de venda de anúncios online, mas são seguidos pelas duas redes. Nos Estados Unidos, eles também apresentam resultados de liderança no mercado. Flickr ou YouTube, por exemplo, estão muito longe da capacidade de esgotamento: as pessoas sempre subirão mais vídeos ou fotos para essas plataformas.
Já o Twitter está cada vez mais próximo do fim, segundo ele. Sua previsão é de que, com as primeiras cobranças dos investidores de Wall Street por resultados, o Facebook comprará o microblog.
“O Facebook tem muitas coisas que o Twitter não tem e o Twitter não tem nada que o Facebook não tenha”, diz.
Um dos principais aplicativos do Facebook hoje já é importar as atualizações do concorrente.  Essa é uma das vantagens da rede fundada por Mark Zeckerberg: agrega vários aplicativos e negócios nela. Assim, existe a possibilidade do lucro se espalhar em um efeito cascata e todo mundo sair ganhando.
Privacidade x Lucros
O Facebook estimula o próprio usuário a expor suas preferências, gostos e hábitos. Assim, as empresas podem identificar tendências de seu público e até mesmo direcionar publicidade, mais uma razão para seu alto valor. “Você tem condições de identificar nichos de todos os tipos, dos demográficos aos comportamentais e temáticos”, afirmou a especialista Elizabeth Saad em entrevista a CartaCapital no início do mês.
O passo adiante seria fornecer dados mais específicos dos usuários para as empresas. Radfaher vê aí uma barreira ética e que, caso adotasse esse política mais invasiva, o Facebook estaria dando um tiro no pé.
“Comece a fazer esse tipo de transição real de informações e você corre o risco de o produto definhar”, alerta ele. Mesmo assim, algumas pessoas já reclamam da falta de privacidade na rede.
“O Facebook é bastante honesto. Você vai em um restaurante que fecha às dez,  você tem que ir embora: é uma propriedade privada [o Facebook], o cara pode propor o que ele bem quiser lá dentro”, diz ele.
Além disso, diz ele, o brasileiro ainda se expõe muito na internet. Ele compara a um adolescente que está aprendendo a se comportar dentro desse ambiente.
“O brasileiro também está aprendendo a lidar com esse ambiente social. O cenário está mudando, mas ainda há muita exposição por vacilo”, comenta.