quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Nacionalismo e desenvolvimento econômico


Por José Luiz Fiori


“A dificuldade da “economia política clássica foi reconhecer o significado econômico das nações,não apenas na prática mas também na teoria”. (Eric Hobsbawm, “Nações e Nacionalismo desde 1780”)

Desde a Revolução Francesa, a palavra “nacionalismo” teve várias definições e conotações políticas e emocionais, variando segundo o tempo e o lugar e aparecendo ora como uma ideologia ou sentimento, ora como um movimento social ou estratégia política. Na sua origem histórica, sobretudo na França e nos Estados Unidos, foi um movimento revolucionário, democrático e cidadão; depois passou a ter uma conotação predominantemente cultural e etnolínguística, sobretudo na Europa Central; para se transformar, finalmente, num projeto político de construção e/ou fortalecimento dos estados nacionais que nasceram – dentro e fora do continente europeu – a partir das independências americanas. Mas foi só na segunda metade do século XIX que o nacionalismo adquiriu uma face e uma formulação explicitamente econômica e se transformou num instrumento de luta dos países”atrasados” contra a supremacia inglesa.

É bem verdade que depois do século XVI, o desenvolvimento econômico capitalista deu-se sempre com base em estados territoriais que praticaram políticas mercantilistas de defesa de suas economias nacionais, e neste sentido, pode-se dizer que sempre existiu algum tipo de nacionalismo econômico “primitivo”, desde a origem do sistema estatal europeu. Mas foi só na Alemanha, no século XIX, que se formulou uma teoria e uma estratégia nacionalista consistente de desenvolvimento econômico, a partir de objetivos geopolíticos explícitos. Na sua obra mais importante, publicada em 1841, o economista alemão Friedrich List criticava a “economia política clássica”, por condenar as nações menos desenvolvidas a “rolar eternamente a pedra de Sísifo” do atraso, exatamente porque havia “excluído completamente a política da ciência econômica, ignorado a existência da nacionalidade, e desconhecido completamente os efeitos da guerra sobre o comércio entre as nações” (1986,p:128)1. Depois da morte de List e da primeira unificação alemã, em 1871, estas ideias contribuíram decisivamente para o desenho de uma estratégia consciente de desenvolvimento e industrialização, combinada com uma visão ufanista da cultura germânica e com um projeto geopolítico de unificação e expansão do poder alemão, em direta competição com o poder comercial e naval da Grã Bretanha.

Desde então, o sucesso econômico da Alemanha transformou-se no paradigma de referencia do nacionalismo econômico, em todo mundo, e teve uma importância particular na história da Rússia e do Japão, países que têm várias semelhanças geopolíticas com a Alemanha. Entre o fim da “Guerra dos Trinta Anos”, em 1648, e a unificação de 1871, o território atual da Alemanha foi dividido e “balcanizado”, de forma ativa e conivente, pelas grandes potências europeias. Só conseguiu se unificar depois de três guerras sucessivas e vitoriosas, da Prússia contra a Dinamarca, a Áustria e a França, na década de 1860. Mas mesmo depois da unificação, a Alemanha sempre se sentiu um país cercado e pressionado, carregando um enorme atraso político e econômico e um profundo ressentimento com relação às “grande potências” responsáveis pela criação do sistema interestatal e do capitalismo europeu, e pela liderança da conquista europeia do “resto do mundo”.

É neste contexto de atraso, cerco e ressentimento nacional, que se deve situar a permanente preocupação defensivo-expansionista da Alemanha, dentro de um “espaço vital” supra-nacional a ser conquistado e preservado. É neste contexto também que se deve situar o intense commitment[compromisso intenso] de suas elites civis, militares e intelectuais, que teve um papel decisivo no desempenho econômico do nacionalismo alemão.

Em maior ou menor medida, pode-se reencontrar muitas destas características na história da Rússia/URSS e do Japão, e nos seus grandes ciclos de intenso crescimento econômico, desde o século XIX, e mesmo entre 1950 e 1991 – apesar de que, neste período, o Japão e a Alemanha fossem transformados em “protetorados militares” a serviço da estratégia militar global dos EUA. Agora, neste início do século XXI, Alemanha, Rússia e Japão estão seguindo de novo estratégias econômicas nacionalistas, orientadas por seus grandes objetivos estratégicos nacionais permanentes, de defesa e luta por suas hegemonias regionais. Para pensar o futuro ou tirar lições, entretanto, seria importante primeiro entender porque os seus grandes sucessos econômicos e tecnológicos do passado acabaram sendo interrompidos por retumbantes fracassos políticos e ou geopolíticos.


1List, G.F. (1841), “Sistema Nacional de Economia Política”, Editora Nova Cultural, SP

“Marchamos com um atraso de 50 ou 100 anos
em relação aos países mais adiantados.
Temos de superar esta distância em dez anos.
Ou o fazemos, ou eles nos esmagam”

Joseph Stalin, “Nuevas tareas para la organizacion de la economia”


Como no caso da Alemanha, a Rússia e o Japão são países que sempre tiveram um forte sentimento nacional de cerco, vulnerabilidade e atraso, com relação às grandes potências “ocidentais” que lideraram a formação do sistema inter-estatal capitalista. E não cabe dúvida que este sentimento de insegurança coletiva teve um papel decisivo na formulação do projeto e na trajetória nacionalista e militarizada do seu desenvolvimento econômico.

A história da Rússia moderna começa no século XVI, depois de dois séculos de invasão e dominação mongol, e transforma-se num movimento contínuo de reconquista e expansão “defensiva” do Grão- Ducado de Moscou. Primeiro na direção da Ásia; depois da Grande Guerra do Norte (1700-1720), também na direção do Báltico e da Europa Central, já sob a liderança de Pedro o Grande, que foi responsável pelo início do processo de “europeização” da Rússia.

Desde então, o relógio político russo sintonizou com a Europa e suas guerras, e o seu desenvolvimento econômico esteve a serviço de uma estratégia militar de “expansão defensiva” de fronteiras cada vez mais extensas e vulneráveis. Uma história de vitórias e derrotas que começa com guerra contra os otomanos (1768-1792), segue com as guerras napoleônicas (1799-1815), a guerra da Criméia (1853-56), a guerra com a Turquia (1868-1888), e mais o “Grande Jogo” com a Grã Bretanha, pelo domínio da Ásia Central, na segunda metade do século XIX. Uma trajetória que continua no século XX, com a guerra com o Japão (1904), a Revolução Soviética (1917), a 1º e a 2º Guerras Mundiais, a Guerra Fria, e a guerra do Afeganistão (1979-1989), logo antes da dissolução da URSS, e da retomada nacionalista posterior da Rússia, no início do século XXI, antes e depois da Guerra da Geórgia (2008).

A história moderna do Japão, por sua vez, começa com a Restauração Meiji e o fim do shogunato Tokugawa, que durou três séculos (1603-1868), e já foi uma resposta defensiva e militarizada do Japão, ao primeiro assédio e “cerco” das potências européias, no século XVI. Depois disto, a própria Restauração Meiji (1868) também foi uma resposta defensiva ao imperialismo europeu e americano do século XIX, na forma de um projeto nacionalista de desenvolvimento econômico acelerado e posto a serviço de uma estratégia de constituição de um “espaço vital” – o tairiku dos japoneses, equivalente ao lebensraum dos alemães. Desde então, o desenvolvimento e a industrialização japonesa obedeceram objetivos estratégicos e geopolíticos, submetendo-se em última instancia à política externa do Japão e à sua guerra com a Rússia (1904); à sua invasão da Manchúria (1931); sua Guerra com a China (1937-1945) e sua participação na 1º e 2º Guerras Mundiais, seguido da transformação do Japão em protetorado militar dos EUA, durante a Guerra Fria, antes da retomada do nacionalismo japonês, neste inicio do século XXI, já sob a égide de uma nova competição com a China.

Resumindo: desde o século XIX, pelo menos, a Alemanha, a Rússia e o Japão compartiram um mesmo sentimento de cerco e vulnerabilidade, e responderam a esta situação de ameaça externa com uma estratégia nacionalista de mobilização de recursos e desenvolvimento econômico. Sua estratégia econômica nunca envolveu grandes discussões macroeconômicas, nem foi definida por economistas. Apesar disto, estes países obtiveram grandes sucessos industriais e tecnológicos. O que nenhum dos três conseguiu, entretanto, foi alcançar uma posição de centralidade monetária e financeira internacional que lhes desse um poder estrutural de mando sobre os grandes fluxos da economia internacional.

Nem tampouco lograram universalizar suas ideias e valores, ao contrário do que passou com as potências pioneiras. Estas lograram impor sua ideologia e sua moeda como suportes de um sistema ético e monetário internacional que funciona como um poder estrutural global e, ao mesmo tempo, como uma “barreira à entrada” – quase intransponível – para os demais países. Por isto mesmo, Holanda, Inglaterra e EUA nunca foram nacionalistas; e Alemanha, Rússia e Japão jamais deixaram de sê-lo, sob qualquer regime ou circunstancia. Por isto também, o imperialismo dos primeiros sempre teve uma fisionomia mais liberal e “pelo mercado”, apesar de seu continuado militarismo; e o expansionismo dos segundos sempre teve face mais militar e agressiva, mesmo quando se propusessem apenas à conquista de novos mercados. Em boa medida, esta hierarquia e esta barreira acabam contribuindo ou induzindo – de alguma forma – para o imperialismo militarista dos demais países que se propõem repetir a trajetória de poder da “coalizão ganhadora”, entre Holanda, Inglaterra e Estados Unidos.


José Luiz Fiori é professor de Economia Política Internacional no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro



Fonte: Algo a Dizer

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