quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

"Que Socialismo Queremos?" por Daniel Bensaïd

Ano retrasado nesse mesmo dia Daniel Bensaïd morria e nos deixava a sua luta para torna o mundo melhor em um socialismo ideal e real.

Que socialismo queremos?

Não se trata de buscar um modelo de alternativa ou de traçar os planos de uma sociedade ou cidade perfeitas. O futuro acontece enquanto se caminha, a partir das contradições reais da ordem existente. Mas qualquer projeto revolucionário tem a sua parte de sonho. É preciso sonhar para explorar o campo do possível.
Imaginar um mundo em que a jornada de trabalho seja reduzida à metade. O que implica trabalhar de outra forma, ter o tempo de se instruir e de se educar ao longo de toda uma vida, de escapar às especializações definitivas, de poder ser simultaneamente trabalhador e também poeta, pintor ou músico. Existe hoje, no mundo da "arte" profissional uma minoria que nem sempre tem alguma coisa a dizer, enquanto que uma grande maioria, que tem tanto a dar, nunca tem a oportunidade ou os meios de se exprimir. A redução do tempo de trabalho é a condição de uma metamorfose e de um de um desaparecimento da divisão social do trabalho, tanto na produção como entre os sexos.
Produzir para as necessidades da maioria e não para uma corrida cega aos lucros e aos privilégios. O que quer dizer trabalhar, morar e viver de outra forma. Uma tal perspectiva é inconcebível sem tocar na sacrossanta propriedade privada dos grandes meios de produção e de comunicação. Como é que se pode adaptar a produção às necessidades, controlar a longo prazo o meio ambiente, coordenar os esforços e libertar a pesquisa básica dos critérios imediatos de rentabilidade, critérios estes que deixam a concorrência e o mercado tomar as decisões a curto prazo, tudo isso à revelia dos cidadãos? Como pretender garantir o direito à habitação sem colocar em questão a propriedade fundiária? Sem atacar o despotismo da empresa, como se pode assegurar que as transferências de ganhos de produtividade sejam feitas para o desenvolvimento de um sistema de saúde, de educação, não estatizados mas socializados? Apesar dos discursos mais recentes sobre a cidadania da empresa e apesar dos direitos sindicais ameaçados, a realidade da empresa submetida à lei do lucro é o despotismo patronal e não a democracia. As polêmicas a propósito das privatizações e do serviço público ilustram a questão: trata-se de rentabilizar a qualquer preço para engordar os lucros das empresas privadas que farão tudo o possível nesse sentido, fora de qualquer controle da coletividade, ou de garantir a todos um acesso igualitário a certos bens básicos (direito à alimentação, à moradia, à cultura)? O direito à existência deve prevalecer sobre o direito à propriedade. O que não implica uma estatização total dos grandes meios de produção e de troca, mas antes dar à coletividade os meios de escolher e de controlar o seu próprio futuro.
Promover a democracia mais ampla. Quem deve decidir? Os cidadãos associados ou os mercados financeiros, segundo que critérios e que prioridades? O destino da humanidade não pode ser decidido em um jogo de cartas! A democracia mais ampla exige a disponibilidade de tempo de se informar sobre as grandes questões, o tempo de deliberar diretamente, e os meios de se pronunciar sem se depender exclusivamente da opinião dos especialistas.
Trata-se portanto de reabilitar a própria idéia da política e de estender a democracia para fora da esfera institucional até à democracia da produção de bens e da cultura, generalizando a autogestão e o controle dos representantes pelos representados. O que supõe a livre confrontação pluralista de projetos e de programas, a plena soberania e a independência das organizações sindicais e associativas em relação aos partidos, a extensão de uma democracia não somente política, mas social e auto-gestionária.
Finalmente, desenvolver uma solidariedade internacional contra todos os espíritos estreitos e paroquiais. Pensar e agir como cidadãos do mundo, conforme a ambição inicial da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. O que implica em especial uma solidariedade de todos os dias em relação aos povos dos países dependentes e dominados que sofreram séculos de pilhagem e de dominação. Esta pilhagem toma hoje a forma da dívida. Permite aos credores imporem as suas condições e imposições, empurrando os países em vias de desenvolvimento para a via do subdesenvolvimento.
Nessa perspectiva geral, a Europa que queremos não é a proposta pelos acordos de Maastricht, das mercadorias e da moeda, dos juizes e dos banqueiros, que se opõe à própria idéia de uma Europa aberta e fraterna, de uma Europa social e democrática.
Trata-se somente de pistas que desenham os contornos de um futuro diferente e possível de ser vivido. O amanhã começa de fato nas lutas de hoje. Vocês conhecem a célebre fórmula de Bertolt Brecht: os que lutam um dia são bons, os que lutam vários anos são muito bons, os que lutam toda a sua vida são indispensáveis. Isso é também o socialismo que queremos: tornar "indispensáveis" o maior número possível de seres humanos.

Fonte: MIA

2 comentários:

  1. Muito pertinente suas considerações. Lutar sempre com indignação e não ser um resignado com as injustiças, a concentração de poder, riqueza e da terra.Lutar por intensa participação cidadã. Indignar-se contra a violência, a exclusão, a pobreza. Construir, na superação de conflitos, uma nova maneira de se viver solidariamente

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  2. Vamos aprender a construir o futuro !

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